A dez minutos do bairro mais rico de Johannesburgo, cerca de 200 mil sul-africanos vivem uma realidade completamente distinta daquela imaginada por Nelson Mandela. Dominada pela máfia nigeriana e carente da atenção governamental, o bairro de Alexandra não é muito diferente do lugar onde o ex-presidente viveu entre os anos de 1941 e 1943.
Em sua biografia, Mandela se refere a Alexandra como uma favela e um testemunho vivo da negligência das autoridades. “As ruas eram sujas e não tinham pavimentação”, relatou o herói anti-apartheid no livro. Madiba, como era chamado pelos sul-africanos, viveu em um quarto alugado no número 46 da 7ª Avenida. E foi dessa forma que ele descreveu sua moradia naqueles anos. “Era não mais que um barraco, com chão de terra, sem aquecimento, eletricidade ou água encanada. Mas era um lugar só meu e eu estava feliz de tê-lo”.
Pouca coisa mudou nos últimos 70 anos. O barraco, que hoje ostenta uma placa azul sinalizando que Mandela morou ali, fica em um terreno que divide espaço com outras dez casas. Não é a única coisa a ser compartilhada. Todas as famílias utilizam uma única estrutura que concentra banheiro e um tanque, de onde retiram água para beber e cozinhar.
As irmãs Faith e Fortune Motlana, de 25 anos, chegaram a Alexandra há 11 anos. Vieram do interior com os pais, que buscavam uma oportunidade de emprego. Hoje, elas cursam a universidade e têm poucas reclamações sobre o local. “O governo está tentando. Não dá para fazer tudo. As pessoas sempre vão reclamar, mas temos eletricidade, água e um teto”, diz Faith, militante do ANC (Congresso Nacional Africano, na sigla em inglês).
O ANC é o partido pelo qual Mandela se elegeu presidente e pelo qual foram eleitos todos os outros mandatários desde o fim do apartheid, como Thabo Mbeki, Kgalema Motlanthe e Jacob Zuma, atualmente no poder. Faith, assim como outros membros do partido, têm críticas pontuais a Zuma. Mas não ao partido. “Ele está beneficiando apenas a província dele. Não deve nem terminar o mandato, mas não vejo porque eleger outro partido”, diz.
A falta de alternância no poder é exatamente o que incomoda Nonsa Sibiya, 57 anos. Há doze anos ela não sabe o que é um emprego fixo. Vivia de bicos, mas nos últimos dois anos decidiu montar uma barraquinha na frente de sua casa para vender doces e cigarros. Ela reclama do descaso do governo e externa como poucos a mágoa com os rumos da África do Sul.
“A última vez que votei foi em 1994, para Mandela. Se eu for votar no ano que vem, vai ser um candidato branco. Na época do apartheid não tínhamos liberdade para sair daqui sem um documento que permitisse, mas ao menos tínhamos emprego. Esse prédio atrás de você tinha água quente e encanada. Tinha luz. Hoje 250 pessoas dividem um banheiro. Você sabe como é viver assim? Nós tínhamos dignidade pelo menos naquela época”, desabafa.
O sentimento é compartilhado por Zandile Louw, 47. Mãe de oito filhos, ela ainda vive com cinco deles e sustenta a casa catando garrafas para reciclar. “Esse lugar não é legal. Se eu tivesse dinheiro, iria morar no Soweto. Você abre a janela e se depara com esse lixo na rua, o esgoto que não para de correr. Ontem cortaram minha luz. Mandela era um bom homem. Sou feliz por tudo o que ele fez por nós, mas já se passaram 20 anos e continuamos vivendo dessa forma”, lamenta.
Em comum a todos os moradores de Alexandra, no entanto, está o sorriso fácil no rosto. A sensação é a de que por mais que a vida seja difícil no bairro, há alguma esperança no futuro. Phillipe Makwala, 27, é mais um desempregado. Ele mora de favor na casa de um amigo desde que sua mãe foi expulsa de casa pelo antigo locatário do barraco onde moravam. A mãe vive em um asilo público agora.
Phillipe reclama de ter de acordar todas as manhãs e ter como única ocupação ir para a rua “olhar o movimento”. “Faço uns bicos, mas emprego mesmo não tem”, diz. Questionado sobre o que gostaria de fazer, a resposta está na ponta da língua: “Ainda vou ter uma oficina. Vou ser o dono da minha vida e tirar minha mãe daquela situação”, afirma com o característico sorriso sul-africano.
Ainda em sua biografia, Mandela diz que Alexandra ocupava um lugar muito especial em seu coração. Depois de morar lá, ele se mudou para Orlando, em Soweto. “Eu sempre vi o assentamento de Alexandra como um lar onde eu não tinha uma casa e Orlando como um lugar que eu tinha uma casa, mas não um lar”. A casa ainda falta a boa parte dos moradores do local.