Piloto frustrado, sul-sudanês monta avião no quintal de casa

Sem dinheiro para pagar a escola, George Mel abandonou os estudos após a morte do pai, mas seguiu com o sonho de ser aviador

24 fev 2015 - 10h11
(atualizado às 11h21)
Construção de avião não foi interrompida nem durante confrontos no Sudão do Sul em 2013
Construção de avião não foi interrompida nem durante confrontos no Sudão do Sul em 2013
Foto: Divulgação

George Mel sonhava em ser aviador desde menino, mas quando seu pai morreu ele teve de largar os estudos e abandonar qualquer chance de treinamento para ser piloto.

Em vez disso, George construiu uma aeronave em seu quintal. Autoridades da Força Aérea do país ficaram tão impressionadas com o feito que lhe ofereceram um emprego.

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"Eu era apaixonado por engenharia aeronáutica desde jovem", afirmou George Mel, que tem 23 anos e vive em Juba, a capital do Sudão do Sul.

"Adoro fazer aviões. Quando eu era pequeno, tentei voar. Construí asas com cortinas e peças de metal e subi no telhado. Eu queria ver se conseguiria voar como um pássaro, mas caí e quase quebrei minha perna."

As frustrações antigas não impediram George de aprender tudo que pôde sobre aviação. Ele cursou o ensino médio em uma escola em Uganda.

Seu pai morreu em 2011, quando ele se preparava para as provas finais. Por causa disso, a família não pôde mais pagar as mensalidades da instituição.

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O rapaz não teve outra escolha a não ser abandonar os estudos. Por outro lado, sem os deveres escolares, teve tempo de correr atrás de seu sonho.

Autodidata

"Quando deixei de ir à escola, passei a ter tempo", diz o jovem.

'Aviador' autodidata trabalha em quarto onde a cama divide espaço com peças de avião
Foto: Divulgação

"Meu cérebro ficou liberado para se ocupar de bastante pesquisa. Não fiquei apenas sentando esperando... Me dediquei aos meus sonhos e comecei a vivê-los na prática, fazendo minha própria pesquisa."

George colecionou meticulosamente os materiais necessários para o seu projeto. Vasculhou as serralherias de Juba para conseguir alumínio para a fuselagem e importou dois pequenos motores.

Usando uma cadeira de jardim para fazer a cabine de comando, ele construiu o avião com base em informações obtidas em livros antigos e na internet.

No final de 2013, o Sudão do Sul caminhava para uma guerra civil em meio a uma disputa de poder entre os dois políticos mais poderosos do país.

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Mas o apaixonado por aviação seguiu trabalhando em sua aeronave mesmo quando o conflito lhe batia à porta, manifestando-se nas ruas próximas à casa de sua família.

George Mel se dedica também a construir pequenos aviões não tripulados
Foto: Divulgação

George Mel se dedica também a construir pequenos aviões não tripulados

Sons de tiros se tornavam comuns à medida que a luta se aproximava das instalações das Nações Unidas, perto de sua casa.

"Nunca parei meu projeto. Me tranquei no meu centro de pesquisa e fiz meu trabalho", diz.

"Muitas pessoas abandonaram a área, mas eu não me mexi. Não sabia para onde ir, então continuei meu trabalho", disse.

'Centro de pesquisas'

O "centro de pesquisa" é seu quarto, onde uma cama divide espaço com peças de avião.

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"Você pode ver que tenho hélices de madeira e drones (aviões não tripulados), porque essa é a minha área de interesse, é no que estou focado", explica George.

Mas, sendo o único provedor da família em um dos países menos desenvolvidos da África, ele achou prudente esconder suas atividades do resto dos parentes.

"Às vezes, quando trago novos materiais, entro sorrateiramente pela cerca para que não me vejam. Porque quando veem, dizem que estou desperdiçando dinheiro em coisas loucas."

Autoridades do Sudão do Sul não deram autorização para que George Mel teste seu ultraleve
Foto: Divulgação

Porém, quando George mostrou seu trabalho para a Força Aérea do Sudão do Sul, as autoridades ficaram impressionadas e lhe ofereceram um emprego em seu departamento de tecnologia da informação.

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Agora, ele sonha em conseguir uma bolsa de estudos para cursar engenharia aeronáutica no exterior.

Por enquanto, as autoridades de Juba têm se recusado a permitir que George teste seu ultraleve. O aparelho pode apenas taxiar no quintal.

Mas ele disse que continua determinado a realizar suas ambições, para si mesmo e para o futuro de seu país. Um dos seus objetivos é desenvolver um drone para pulverização de colheitas.

No futuro, George sonha também construir aviões de grande porte.

Na fuselagem de seu ultraleve, ele desenhou a bandeira do Sudão do Sul e as palavras: "Nós temos um futuro".

"Estou muito esperançoso. O que aconteceu já aconteceu e precisamos seguir com a vida", afirmou.

"Nós, jovens, temos que fazer nosso melhor para levantar esse país", afirmou.

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