Quem é Emmerson Mnangagwa, o 'crocodilo' que venceu a eleição no Zimbábue após acabar com a era Mugabe

O atual presidente do país venceu o líder da oposição com 50,8% dos votos na primeira votação após Mugabe ser obrigado a renunciar depois de 37 anos no poder, mas críticos dizem que ele tem as mãos sujas de sangue como o ex-ditador.

3 ago 2018 - 15h01
(atualizado às 15h37)
Mnangagwa diz querer unir o país, mas seus críticos dizem que ele, assim como Mugabe, tem as mãos sujas de sangue
Mnangagwa diz querer unir o país, mas seus críticos dizem que ele, assim como Mugabe, tem as mãos sujas de sangue
Foto: AFP / BBC News Brasil

O presidente Emmerson Mnangagwa venceu as primeiras eleições no Zimbábue desde que Robert Mugabe, de 94 anos e que governou o país por 37, foi forçado a renunciar ao cargo em novembro passado sob forte pressão de militares.

O resultado anunciado na noite de quinta-feira pela comissão eleitoral do país e confere a Mnangagwa o direito a um segudo mandato. Ele sucedeu Mugabe no cargo ao ser indicado pelo partido do governo, Zanu-PF.

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Com a contagem encerrada nas 10 Províncias do país, Mnangagwa recebeu 50,8% dos votos, superando o líder da oposição Nelson Chamisa, que teve 44,3%.

Os 4,9% restantes foram divididos entre os outros 21 candidatos. Por ter obtido um índice de mais de 50%, o atual presidente evitou a disputa de um segundo turno.

A vitória de Mnangagwa na votação de segunda-feira foi contestada por Chamisa, que disse se tratar de um "golpe contra a vontade popular". Ele criticou a demora na apuração dos votos e disse que os resultados foram "corrompidos".

O presidente do seu partido, o Aliança MDC, disse que a apuração não pode ser verificada. E a oposição disse ser "suspeita" a alta participação popular, de mais de 80%, na maioria das Províncias.

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Mas um respeitado grupo independente de monitoramento da eleição, a Rede de Apoio Eleitoral do Zimbábue, corroborou o resultado. Após uma pesquisa própria, a organização disse que Mnangagwa provavelmente conseguiu o apoio necessário para uma vitória no primeiro turno.

A comissão eleitoral reconheceu que a espera gerou ansiedade - sob a Constituição do país, o resultado poderia ser anunciado até o sábado -, mas afirmou que "não houve trapaça" na contagem dos 4,8 milhões de votos.

Durante a apuração, houve protestos na capital Harare, que é considerada um reduto da oposição, e seis pessoas morreram na quarta-feira em meio aos confrontos com a polícia.

O governo culpou a oposição pelos violentos protestos ocorridos na capital após a votação
Foto: Reuters / BBC News Brasil

O resultado das eleições parlamentares já havia sido anunciado anteriormente. O partido do presidente obteve 144 assentos, enquanto a Aliança MDC, composta por sete partidos, obteve 64, e um foi vencido pela Frente Patriótica Nacional, formada por apoiadores de Mugabe.

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Apesar da ampla vitória obtida pelo Zanu-PF, sua maioria encolheu em relação à votação de 2013, quando ganhou 160 assentos enquanto a Aliança MDC ficou com 49.

Em um tuíte nesta manhã, Mnangagwa pediu união à população para criar "um novo começo" após uma eleição que deveria colocar o país em um novo caminho após de um regime de repressão.

Mnangagwa prometeu ainda recuperar a economia do país após décadas de isolamento internacional sob o comando de Mugabe. O Zimbábue sofre com inflação alta e grandes níveis de pobreza. No ano passado, a taxa de desemprego chegou a 90%, segundo o principal sindicato do país.

Como Mnangagwa chegou ao poder

O atual presidente do Zimbábue, conhecido como "o crocodilo", é, segundo seus críticos, um homem cruel que também tem as mãos sujas de sangue.

Ele era vice-presidente do país até pouco antes de Mugabe deixar o cargo. Não era segredo para ninguém que há muito tempo ele queria suceder o ditador. Mas Mugabe aparentemente brincou com esses seus sentimentos.

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Ele promoveu Mnangagwa a posições de destaque no Zanu-PF e no governo, levando a especulações de que ele seria seu "herdeiro natural".

Mas tratou de tirá-lo rapidamente de cena assim que demonstrou mais claramente suas ambições. Ele foi destituído da Vice-Presidência no início de novembro passado sob a acusação de "traição" e foi para um breve exílio na África do Sul.

Tudo indica que a demissão fez Mnangagwa perder a paciência. E seus aliados dentro das forças de segurança intercederam em seu favor, em uma operação que culminou na renúncia de Mugabe - e na sua posse como presidente em seguida.

Aos 93 anos, Mugabe era o chefe de Estado em exercício mais velho do mundo. Comandava o país africano desde a independência do Reino Unido, em 1980.

O general Chiwenga (esq.) foi um grande fiador da ascensão de Mnangagwa à Presidência
Foto: AFP / BBC News Brasil

O grupo que lutou na guerra civil da década de 1970 está no controle do país desde a independência. Temendo perder o poder caso a então primeira-dama, Grace Mugabe, assumisse o lugar do marido na Presidência, como parecia estar planejado, eles intervieram.

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Após a demissão de Mnangagwa, o general Constantino Chiwenga, um de seus grandes aliados, criticou o "expurgo que visava claramente a atingir membros do partido com histórico de libertação", em uma referência clara à destituição do vice.

E advertiu: "Quando se trata de proteger a nossa revolução, os militares não hesitarão em intervir." A ameaça foi então concretizada.

A origem da temível reputação do presidente

Mnangagwa nasceu na região central de Zvishavane e pertence ao subgrupo Caranga, o maior do povo Xona, principal etnia do país.

Após 37 anos de dominação do subgrupo Zezuru, ao qual pertence Mugabe, os carangas sentiam que era sua vez de assumir o poder.

Reputação temível de Mnangagwa tem origem na guerra civil da década de 1980 entre o partido Zanu, de Mugabe (à esq.), e o partido Zapu, de Joshua Nkomo (à dir.)
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

De acordo com relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) de 2001, Mnangagwa era visto como "o arquiteto das atividades comerciais do Zanu-PF".

O título se deve em grande parte às operações do Exército do Zimbábue e empresários na República Democrática do Congo.

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As tropas zimbabuanas intervieram no conflito do Congo ao lado do governo e, assim como as forças de outros países, foram acusadas de usar o conflito para saquear recursos naturais valiosos, como diamante, ouro e outros minerais.

Mas, apesar do seu papel na arrecadação de verba, Mnangagwa, um advogado que cresceu na Zâmbia, não é muito benquisto pela base de seu próprio partido.

Um veterano da guerra de independência, que trabalhou com ele por muitos anos, resume: "Ele é um homem muito cruel, muito cruel".

Outro membro do Zanu-PF, ao ser questionado sobre suas expectativas em relação a Mnangagwa: "Você acha que Mugabe é ruim, mas já parou para pensar que quem vai vir depois dele pode ser ainda pior?"

Blessing Chebundo, candidato da oposição que derrotou Mnangagwa na campanha parlamentar de 2000, em Kwekwe Central, também concorda que seu rival não é um homem de paz.

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Em uma campanha violenta, Chebundo escapou da morte por um triz após ser sequestrado por jovens do Zanu-PF, que chegaram a jogar gasolina nele, mas não conseguiram acender o fósforo.

A temível reputação de Mnangagwa tem origem na guerra civil que estourou na década de 1980 entre seu partido, o Zanu, e o Zapu, de Joshua Nkomo.

Mnangagwa não é muito benquisto pela base de seu próprio partido
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Como ministro da Segurança Nacional, Mnangagwa ficou à frente da Organização Central de Inteligência (CIO, na sigla em inglês), o que caiu como uma luva para o Exército suprimir o Zapu.

Milhares de civis inocentes - principalmente da etnia Ndebeles, apontada como simpatizante do Zapu - foram mortos antes que os dois partidos se fundissem para formar o Zanu-PF.

Entre inúmeras outras atrocidades, os aldeões foram forçados a dançar sob a mira de uma arma nas sepulturas recém-escavadas de seus parentes e a cantar palavras de ordem pró-Mugabe.

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Apesar da assinatura do acordo de unidade nacional, em 1987, as feridas ainda não foram cicatrizadas, e muitos membros do partido, para não dizer eleitores, da região de Matabeleland são relutantes em apoiar uma gestão de Mnangagwa.

Mnangagwa conta, no entanto, com o apoio de muitos dos veteranos de guerra que lideraram uma campanha violenta contra agricultores brancos e oposicionistas a partir de 2000.

A guerra que precedeu a independência do Zimbábue criou o pano de fundo para a ascensão de Mnangagwa
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Esse grupo lembra dele como um dos homens que, após treinamento militar na China e no Egito, comandaram a luta pela independência do país nos anos de 1970.

Ele também frequentou a Escola de Ideologia de Pequim, dirigida pelo Partido Comunista Chinês.

O perfil oficial de Mnangagwa diz que ele foi vítima de violência do Estado após ser preso pelo governo da minoria branca na antiga Rodésia, em 1965, quando a "gangue do crocodilo" que ele liderava ajudou a explodir um trem perto de Fort Victoria - hoje Masvingo. "Ele foi torturado gravemente, o que resultou na perda da audição em um dos ouvidos", diz o texto.

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"Parte das técnicas de tortura envolvia ser pendurado pelos pés no teto, com a cabeça para baixo. A gravidade da tortura o deixou inconsciente por dias."

Temor de que Grace Mugabe (à dir.) assumisse a presidência levou à intervenção do Exército
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Como Mnangagwa tinha menos de 21 anos na ocasião, não foi executado, mas condenado a dez anos de prisão.

"Ele tem cicatrizes desse período. Era jovem e corajoso", diz um amigo próximo de Mnangagwa, que pediu para não ser identificado.

"Talvez isso explique por que ele é insensível. Coisas horríveis aconteceram com ele quando era jovem."

Rivalidade com a primeira-dama culminou na deposição dos Mugabe

Sua primeira derrocada aconteceu em 2005, quando perdeu o cargo de secretário de administração do Zanu-PF, posição que lhe permitiu nomear aliados para posições estratégicas no partido.

Isso aconteceu após relatos de que Mnangagwa estava em campanha forte para assumir o cargo de vice-presidente.

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Mnangagwa (dir.) ficou à sombra de Mugabe (esq.) ao longo da carreira
Foto: AFP / BBC News Brasil

Mas depois que Mugabe perdeu o primeiro turno das eleições presidenciais para Morgan Tsvangirai, seu antigo rival, em 2008, houve rumores de que Mnangagwa teria orquestrado a campanha de reação do Zanu-PF, coordenando as estratégias do partido com a inteligência e o Exército.

As forças de segurança militar e do Estado desencadearam uma campanha violenta contra partidários da oposição, deixando centenas de mortos e desabrigados.

Tsvangirai então retirou sua candidatura no segundo turno, e Mugabe foi reeleito.

Mnangagwa não comentou as acusações de que estaria envolvido no planejamento dos atos de violência. Mas uma fonte do departamento de segurança do partido confirmou mais tarde que ele era o elo político entre o Exército, a inteligência e o Zanu-PF.

"Ele fecha acordos financeiros do partido, organiza a campanha que liga a segurança e o governo. Ele tem a atenção de Mugabe em tudo", afirmou essa pessoa à época.

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Mas isso mudou depois. A rivalidade com a então primeira-dama, Grace Mugabe, ganhou contornos insólitos em agosto do ano passado, quando Mnangagwa passou mal durante um comício liderado pelo agora ex-líder e teve de ser levado de avião para a África do Sul.

Os partidários do então vice-presidente sugeriram que um grupo rival dentro do Zanu-PF o havia envenenado e insinuaram que a culpa era do sorvete produzido pela empresa de produtos lácteos da primeira-dama.

Parece que, ao competir com Mnangagwa, Grace Mugabe comprou uma briga maior do que imaginava, que culminou com a deposição do seu marido e a ascensão de Mnangagwa ao seu lugar.

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