A polêmica sobre colombiana responsabilizada pelo próprio estupro e assassinato

18 mai 2016 - 09h29
(atualizado às 09h56)
Colombianos protestam contra decisão de Prefeitura que culpou Rosa Elvira Cely por seu próprio assassinato
Colombianos protestam contra decisão de Prefeitura que culpou Rosa Elvira Cely por seu próprio assassinato
Foto: BBC Brasil

"Se Rosa Elvira Cely não tivesse saído à noite com seus colegas de turma, não estaríamos hoje lamentando sua morte".

Foi recorrendo a essa justificativa que a Prefeitura de Bogotá, capital da Colômbia, responsabilizou a própria vítima por seu trágico destino, um crime que levou milhares de colombianos a protestar e que, quatro anos depois, permanece vivo na memória coletiva.

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Por essa interpretação, se a colombiana de 35 anos não tivesse tomado tal decisão em 23 de maio de 2012, seu colega de turma Javier Velasco não a teria conduzido a uma zona escura do Parque Nacional de Bogotá, não a teria violado e torturado.

Como resultado, ela não morreria no hospital quatro dias depois, deflorada por um galho de árvore que o assassino usou para estuprá-la.

"Todos sabiam que (Javier Velasco e Mauricio Ariza, o primeiro, condenado a 48 anos de prisão pelo crime, e o segundo, considerado inocente) tinham comportamentos atípicos e eram vistos como bandidos", informa um documento firmado pela advogada Luz Stella Boada e revelado pelo jornal colombiano El Espectador.

Crime provocou indignação entre colombianos
Foto: Getty Images

"Apesar de tudo isso, Rosa Elvira Cely saiu com eles, foram beber juntos…"

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A Prefeitura de Bogotá pretendia responder com esses argumentos à acusação de negligência apresentada pela família da vítima.

O recurso foi interposto pela família de Rosa em 22 de agosto de 2014.

Segundo a família, a polícia, a promotoria e as secretarias de Governo e da Saúde não atuaram devidamente para evitar o homicídio.

Família interpôs recurso pela morte de Rosa por negligência
Foto: Getty Images

São vários os argumentos que colocam em xeque a atuação das autoridades: a demora dos serviços de emergência ─ a partir de um telefonema da própria Rosa, e a decisão de não transferi-la para um hospital mais próximo, entre outros.

Mas o que terminaria por gerar uma onda de indignação entre a população é que Velasco já havia sido condenado pela morte de outra mulher, Dismila Ochoa. O crime aconteceu em 2002, dez anos antes de Rosa ser assassinada.

"O crime cometido contra Elvira é o resumo dos múltiplos crimes que são cometidos nesse país contra as mulheres", disse à BBC Mundo, o serviço em espanhol da BBC, a diretora da ONG Casa da Mulher, Olga Amparo Sánchez.

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No ano em que Rosa morreu, quase mil mulheres foram assassinadas na Colômbia, segundo o Instituto de Medicina Legal do país.

"O crime abriu no país uma discussão muito séria sobre se a sociedade colombiana está interessada em proteger a vida das mulheres", acrescentou.

Jurista chamou argumento da Prefeitura de "sem pé nem cabeça"
Foto: Getty Images

Críticas

Mas foi a justificativa oficial ─ de culpar a vítima pelo crime que lhe tirou a vida ─ que despertou críticas de vários setores da sociedade.

"Além de cruéis, essas palavras mostram uma clara ignorância sobre o que significa o estado indefeso de uma pessoa", disse Ángela Robledo, deputada estadual de Bogotá.

A morte de Rosa levou o Partido Verde a propor uma lei contra o feminicídio. Intitulada Lei Rosa Elvira Cely, em homenagem à vítima, foi aprovada em junho do ano passado.

Ainda assim, o jurista e defensor dos direitos humanos César Rodríguez Garavito afirmou que a argumentação da Secretaria não "tem pé nem cabeça".

"Afirmar que uma mulher que sai com homens e acaba sendo estuprada ou assassinada tem culpa pelo que ocorreu é a perspectiva mais troglodita do abuso sexual", criticou.

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Mais de mil mulheres foram assassinadas na Colômbia em 2012
Foto: Getty Images

O próprio prefeito de Bogotá, Enrique Peñalosa, também se mostrou indignado com o argumento do órgão governamental e pediu que a argumentação fosse revisada e corrigida.

"Não compartilhamos com a argumentação jurídica da Secretaria de Governo. Solidariedade com Rosa Elvira Cely e seus familiares", escreveu ele, sem sua conta no Twitter.

Frente à enxurrada de críticas, o secretário municipal da Casa Civil de Bogotá, Miguel Uribe, pediu desculpas à família da vítima.

"Em nome de nosso distrito, pedimos desculpas pelo tipo de argumento que a Secretaria de Governo usou nesse caso", disse, em entrevista a jornalistas.

"Pedimos desculpas às mulheres (...) solicitamos que esse embasamento jurídico seja descartado e que o juiz não o avalie quando julgar a defesa da administração local", explicou.

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Uribe acrescentou que a diretora do escritório jurídico da Secretaria da Casa Civil, a advogada Nayibe Carrasco, renunciou ao posto.

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