Como o presidente do Peru se salvou de um impeachment que parecia quase certo

Acusado de receber propina da construtora brasileira Odebrecht enquanto era ministro de estado, em meio ao menor nível de popularidade de seu governo e com apenas 18 congressistas em um Parlamento de 130, Pedro Pablo Kuczynski sobreviveu quase que 'por um milagre'.

22 dez 2017 - 10h13
(atualizado às 10h50)
Pedro Pablo Kuczynski na sessão em que o Congresso decidiu mantê-lo no cargo
Pedro Pablo Kuczynski na sessão em que o Congresso decidiu mantê-lo no cargo
Foto: Reuters / BBC News Brasil

Como em um "perdão de Natal" dado a presos condenados, o presidente do Peru, Pedro Pablo Kuczynski, escapou de ser afastado do cargo pelo Congresso do país.

Sua saída parecia iminente: eram necessários 87 votos para a destituição em um Parlamento com 130 membros, no qual apenas 18 integram o partido do presidente.

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No último minuto, porém, um grupo parlamentar de esquerda, crítico do governo, decidiu deixar o Congresso sem votar.

Ainda mais surpreendente é que a posição até então unificada do fujimorismo - grupo ligado às políticas e à ideologia do ex-presidente Alberto Fujimori e que lidera o principal partido da oposição, o Força Popular - foi quebrada.

Isso porque membros-chave do partido não apoiaram a destituição de Kuczynski.

Foram 79 votos a favor da vacância, 19 contra e 21 abstenções.

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O resultado surpreendeu porque, apenas uma semana antes, 93 deputados colocaram a corda no pescoço do chefe de Estado ao aprovar o pedido de destituição sob a acusação de "incapacidade moral".

Mas então o que motivou esse perdão no último minuto?

A sombra da Odebrecht

"A Constituição e a democracia estão sob ataque. Estamos diante de um golpe disfarçado de interpretações legais supostamente legítimas", afirmou Pedro Pablo Kuczynski em uma mensagem transmitida pela TV na noite de quarta-feira.

Poucas horas depois, o presidente foi ao Congresso para se defender antes do início do debate sobre sua destituição.

Com apenas 17 meses no cargo (de um período total de cinco anos), ele parecia estar com o afastamento garantido.

Além da sua pequena representação parlamentar, Kuczynski chegou ao menor nível de popularidade de sua administração: apenas 18% dos peruanos o apoiam, de acordo com o instituto de pesquisas Ipsos.

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A acusação que levou ao pedido de vacância do cargo é a mesma que havia derrubado vários políticos influentes da região: receber dinheiro da empreiteira brasileira Odebrecht para favorecê-la em licitações estatais.

O partido Força Popular, que controla 71 assentos no Congresso peruano, revelou em 13 de dezembro que a empresa Westfield Capital, de propriedade de Kuczynski, recebeu dinheiro da construtora brasileira quando o atual chefe de Estado era ministro do ex-presidente Alejandro Toledo (2001-2006).

Por causa da suspeita de que esse contato, que ocorreu há mais de uma década, implicasse corrupção, foi iniciado um processo rápido de afastamento que, em apenas oito dias, poderia levar à troca na Presidência e, com isso, mudar a história do país.

Milagre de Natal

Para evitar uma destituição que parecia certa, Kuczynski usou uma estratégia arriscada na mensagem que transmitiu à nação na véspera.

Ele disse que, se fosse afastado, seus vices também renunciariam, o que deixaria o país nas mãos do presidente do Legislativo.

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Partidários do presidente se concentraram na porta do Congresso peruano durante a sessão em que a destituição foi votada
Foto: Reuters / BBC News Brasil

Segundo a Constituição, o titular do Congresso deveria convocar novas eleições.

"Foi assim que o presidente deu a última cartada", disse à BBC Mundo, o serviço em espanhol da BBC, o cientista politico local Fernando Tuesta.

A possibilidade de uma eleição geral que implicaria também em novas eleições parlamentares pode ter desencorajado legisladores a apoiar o afastamento de Kuczynski.

"O desenho constitucional peruano é de correspondência, o que significa que o Congresso e o Executivo têm o mesmo prazo, do início ao fim", acrescenta Tuesta, ex-chefe do Escritório Nacional de Processos Eleitorais.

Alguns congressistas de bancadas de esquerda, que uma semana atrás aprovaram debater a destituição, se abstiveram de apoiá-la frente ao novo cenário.

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O presidente do Congresso faz parte do Força Popular, o movimento de Keiko Fujimori, filha do ex-presidente Alberto Fujimori, condenado por corrupção e crimes contra a humanidade.

"Esse cenário abriu os olhos da esquerda", observa o analista político Juan Carlos Tafur.

Manifestação a favor de Kuczynski: O presidente poderá continuar no cargo, mas, segundo analistas, sai enfraquecido do episódio
Foto: Reuters / BBC News Brasil

"Kuczynski levantou a possibilidade de o fujimorismo praticamente controlar o país, e os movimentos de esquerda mudaram de opinião para apoiar sua permanência no cargo", afirma Tafur.

Diversas organizações sociais e movimentos de cidadãos marcharam nos últimos dias em repúdio à possibilidade de vacância da Presidência - não tanto por acreditarem na inocência do presidente, mas por defenderem o respeito às normas da democracia.

Os congressistas de oposição são criticados por promoverem uma "vacância express", sem dar tempo e oportunidade para Kuczynski se defender adequadamente.

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Negociação desesperada

O Força Popular também sofreu uma ausência significativa.

O congressista Kenji Fujimori, irmão de Keiko, decidiu não apoiar o impeachment de Kuczynski.

"A previsão é de turbulência política em detrimento da população", disse o mais novo dos Fujimori em um vídeo que compartilhou em suas redes sociais.

Em frente às câmeras de TV, era evidente a tentativa de integrantes da Força Popular de convencê-lo a mudar de posição.

Votação apertada

Durante o curto intervalo de tempo entre o pedido de impeachment e o debate sobre o tema, houve negociações políticas desesperadas e intensas para garantir apoio de um e outro lado.

"As negociações devem ter envolvido ofertas políticas concretas, como fazer parte de um novo gabinete ministerial", diz Tafur.

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Mas o que foi negociado exatamente é uma questão ainda sem resposta.

Após as 23h, 14 horas depois de iniciados os trabalho do Congresso peruano, o placar eletrônico terminou com um angustiante jogo de somas e subtrações.

Apenas oito votos de diferença impediram a queda do presidente.

Fortalecido?

Pedro Pablo Kuczynski continuará no cargo, mas isso não significa que seus problemas acabaram.

A verdade é que talvez eles fiquem ainda mais complexos.

"Superar o afastamento com uma margem pequena não deixa o presidente fortalecido", afirma o cientista politico Fernando Tuesta.

"Para sobreviver daqui em diante, ele deverá enfrentar a oposição com outra atitude, com mais firmeza", acrescenta o analista.

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Na mensagem transmitida ao país antes da votação, o presidente confrontou o fujimorismo como ainda não havia feito em toda a sua gestão.

Ou seja: o ano novo traz presságios de aumento da tensão entre Executivo e Legislativo.

No entanto, o ditado "o que não mata, fortalece" não se aplica à imprevisível política peruana.

Apenas dez dias atrás, ninguém teria suspeitado de um cenário de afastamento do presidente na véspera do Natal.

E o fato de Kuczynski ter mantido o posto não interrompe as investigações que o Congresso faz sobre sua ligação com a empreiteira - procurada pela BBC Brasil antes da votação, a Odebrecht Peru informou que "não fará comentários sobre tema".

À luz de novas evidências, a ameaça de impeachment pode surgir novamente, e o resultado pode ser diferente.

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