Crimes, roubos e linchamentos desafiam ordem na Argentina

Buenos Aires precisou declarar estado de emergência de segurança por conta dos ataques. Apesar da violência, a ação divide opiniões e há quem acredite que a reação pode ser justificada pela 'ausência do Estado'

8 abr 2014 - 20h20
(atualizado às 20h21)

O poder público na Argentina foi colocado em xeque devido à violência criminosa que desencadeou ataques de cidadãos prontos para linchar infratores, a tal ponto que a província de Buenos Aires precisou declarar estado de emergência de segurança.

A insegurança é uma das maiores preocupações para os argentinos, embora esta tenha sido superada em janeiro pela inflação. A recente onda de crimes provocou um fenômeno sem precedentes de linchamentos: doze casos em dez dias de pessoas tentando punir criminosos com suas próprias mãos foram registrados.

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A única vítima fatal dos "justiceiros" foi um jovem de 18 anos. A família garante que ele era inocente da acusação de roubar uma bolsa em um bairro pobre de Rosário (300 km ao norte da província de Santa Fé).

Foram registradas 15 tentativas de assassinato em bando nas últimas duas semanas em bairros ricos como Palermo, na capital, e nas províncias de Santa Fé (centro), Córdoba (centro), La Rioja (noroeste), Catamarca (noroeste) e Mendoza (oeste).

"Aqui matam, estupram, roubam. O que você espera? Eu não acho que chegaria a este ponto, de linchamento, mas precisamos compreender o momento", declarou à AFP José Villalba, de 64 anos, encarregado de um edifício no centro de Buenos Aires, que afirma que, de alguma forma, entende "os linchadores".

A questão é polêmica e divide opiniões: "Linchar é voltar à barbárie", considerou Ariel Billordo, um analista de sistemas de 29 anos, que trabalha no centro da capital.

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Uma pesquisa divulgada na segunda-feira apontou que cerca de 30% da população de Buenos Aires apoia a violência contra os criminosos, de acordo com o centro de sondagens Raúl Aragón e Associates.

Um aliado da presidente Cristina Kirchner, o governador Daniel Scioli, declarou estado de emergência na província de Buenos Aires, onde vivem 16 dos 40 milhões de argentinos.

Scioli, um dos políticos mais cotados para as eleições presidenciais de 2015, lançou no sábado um plano para contratar patrulheiros e reincorporar 5.000 policiais afastados do corpo, que já conta com 72.000 agentes.

Sergio Massa, deputado opositor e provável candidato presidencial, chegou a justificar a reação agressiva das pessoas pela "ausência do Estado" no combate ao crime.

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"Cada um tenta capitalizar o problema. Mas a insegurança ganha contornos mais complexos com os linchamentos", adverte Mariel Fornoni, analista da consultoria Management And Fit (M&F).

M&F afirma que 84% da população considera que a insegurança aumentou. Por isso, diz ele, é a questão mais explorada pela oposição ao governo de centro-esquerda de Kirchner, em um contexto de aproximação das eleições do ano que vem.

O sociólogo Guillermo Pérez Sosto concorda com Fornoni, ao ressaltar que "parte da população perdeu a fé no Estado".

"Há um sentimento de abandono", disse o diretor do centro de estudos de política social do Instituto Torcuato Di Tella.

A Argentina não divulga estatísticas sobre o crime desde 2009, quando o país registrou a maior taxa de roubos da América Latina, com 973 para cada 100.000 habitantes, apesar do número de homicídios estar abaixo do resgistrado em outros países, em 5,5 a cada 100.000, segundo o Observatório de Segurança Hemisférica da OEA.

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"O problema das drogas é que precisa ser resolvido. Linchar é tornar-se assassino. Não se pode confiar na polícia porque há muita corrupção", disse à AFP Jaime Meza, um mensageiro de 58 anos da capital argentina.

Meza reflete o sentimento de uma maioria que desconfia das instituições responsáveis pela segurança e pela justiça.

"Entre os entrevistados, 73,8% acreditam que há uma relação entre os setores políticos e o tráfico de drogas, enquanto 78,7% acreditam que setores da polícia também estejam envolvidos", indica o estudo de Aragão sobre a percepção social da corrupção nas instituições.

A pesquisa, conduzida este mês na província de Buenos Aires, capital e subúrbios, constatou que 38,4% da população da região acredita que "as pessoas têm o direito de se organizar e armar-se para se defender", contra 54,7% que se opõem à justiça com as próprias mãos.

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