O presidente da Bolívia, Evo Morales, disse em uma entrevista à BBC Mundo que não pensa em se candidatar novamente uma reeleição, depois de ter sido reconduzido a um terceiro mandato nas eleições presidenciais deste domingo.
Morales, que já é o líder latino-americano há mais tempo no poder (desde 2006), tem sido acusado de tentar se perpetuar no poder.
"Escutei (das pessoas) 'Evo para sempre, Evo 2025'. Entendo esse sentimento, porque fizemos em nove anos o que não fizeram em 180 anos de diferentes governos neoliberais e ditaduras", declarou. "Não está na agenda a reeleição nem reformar a Constituição para estar (no poder) até 2025."
O líder boliviano reconheceu que se preocupa com o fato de a sua liderança ter aparentemente se tornado mais importante que o seu partido, o MAS (Movimento ao Socialismo).
"Um dirigente sindical me disse na campanha - e é a primeira vez que eu comento isso -, 'Evo, você é muito mau'. 'Por quê?' 'Porque eliminou o MAS. Aqui (na Bolívia) não existem mais masistas, existem evistas'. Isso me preocupou. Claro, alguém tem que liderar e, no momento, sinto que lidero com o vice-presidente. "
"Não sei se é a mentalidade latino-americana, que necessita de uma pessoa, mas não gosto disso; não gosto que todo (o poder) esteja sobre uma pessoa", completou.
Lula
Ainda que não tenham sido concluídos os resultados oficiais definitivos da eleição de domingo, pesquisas de boca de urna dão 60% dos votos a Morales, que chegou à política pela via sindical, como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A Organização dos Estados Americanos (OEA) criticou a excessiva lentidão do processo de contagem de votos, que as autoridades eleitorais atribuíram a tentativas de hackear o sistema.
Morales disse que, agora que foi eleito, pretende visitar políticos em países vizinhos, entre eles Lula e o presidente uruguaio, José Mujica, que se prepara para deixar o poder após as eleições do fim do mês no Uruguai.
Em entrevistas anteriores, o líder boliviano havia dito que a relação com o Brasil era “distante”, mas “de confiança”, apesar de a presidente Dilma Rousseff não ter visitado a Bolívia durante seu atual mandato.
Nacionalizações
Durante a gestão Morales, a Bolívia vivenciou um forte crescimento econômico, no qual o lucro obtido com a venda de matérias-primas foi utilizado para reduzir os níveis de pobreza em cerca de 20%.
Além disso, a Bolívia se tornou o país com as maiores projeções de crescimento para este ano - mais de 5% -, segundo órgãos internacionais.
Mas o que sente um político que se declara socialista quando suas políticas recebem elogios de organismos como o Fundo Monetário Internacional por terem mantido o equilíbrio das contas públicas?
"Me preocupa, acho que estamos fazendo algo errado (risos)", ironiza, na entrevista à BBC Mundo.
"Mas agora não é como se eles estivessem nos dando receitas (econômicas); nosso ministro de Economia é convocado por organismos internacionais a dar receitas para eles. Agora não importamos políticas econômicas, e sim exportamos. Não importamos políticas sociais, mas sim recebemos assessores e delegações que vêm estudar nossas políticas sociais."
Questionado sobre sua política de nacionalização de indústrias estratégicas, Morales descartou novas grandes estatizações de empresas.
"O que mais podemos nacionalizar? Há umas duas ou três minas, nada mais, quase tudo está nacionalizado. Sob a política de recuperar os recursos naturais, quase todos estão recuperados."
Machismo
Nesta terça, Morales também assinou um decreto aprovando mais ajuda a mulheres vítimas de violência doméstica - uma das principais demandas de grupos feministas durante a campanha eleitoral.
A Organização Panamericana de Saúde aponta que a Bolívia encabeça a lista de 13 países latino-americanos com mais casos de violência física contra mulheres e fica em segundo lugar no ranking de violência sexual.
E organizações feministas acusaram Morales de machismo, por fazer comentários e piadas ofensivas contra mulheres.
Questionado se é machista, Morales diz que "jamais". "Mas há músicas, canções muito picantes tanto para homens como para mulheres. Uma vez cantei no carnaval músicas cantadas pelo povo, e aí me chamaram de machista", alega.
"Na minha família, a mulher é sagrada. A família Morales é muito respeitada, porque dizem 'a família Morales não bate em mulheres'. Me lembro disso. E a minha mãe dizia: 'Evito, se você quer casar, à mulher não deve faltar nem casa nem dinheiro'. Às vezes faço piadas com as mulheres, com os companheiros, e me criticam. Não entendo como (opositores) não têm uma proposta programática e se dedicam às piadas do presidente. Esses sim são machistas. É uma questão de mentalidade e não apenas de norma. Nosso governo fez muito pelas mulheres."