O presidente do Uruguai, José Mujica, pediu nesta quinta-feira "sentidas desculpas" por suas polêmicas declarações sobre a governante argentina, Cristina Kirchner, e seu falecido marido, Néstor Kirchner, e as atribuiu à sua maneira de falar "áspera", resultado dos anos que passou na prisão.
"Devo pedir sentidas desculpas a quem magoei nos últimos dias por minhas declarações", afirmou o presidente do Uruguai em um programa de rádio em referência à frase "esta velha é pior que o vesgo", que foi captada pelos microfones quando ele achava que não era escutado. Em seu espaço semanal na emissora de rádio M24, Mujica justificou suas palavras pela linguagem "áspera" e "carcerária" que utiliza em seus círculos íntimos.
Mujica, 78 anos, ficou preso por 14 anos, a maioria deles durante a ditadura uruguaia (1973-1985), por integrar a guerrilha tupamara, que combateu vários governos constitucionais nos 60 e 70. "Não podemos evitar que nosso falar corrente e íntimo seja áspero, diria prontamente carcerário" porque "durante muitos anos passamos por quartéis" e "era preciso se comunicar adotando as formas dessa luta para sobreviver", argumentou. Mujica, do partido esquerdista Frente Ampla, admitiu que o uso dessa linguagem "pouco tem a ver com a liberdade de imprensa".
Além de se desculpar, o líder dedicou palavras de carinho à nação vizinha e seus governantes. A Argentina "sofre há anos" uma "campanha quase permanente" que afirma que o país "está caindo" e "a caminho de ser uma república paupérrima", disse. No entanto, esse país "cresceu muito e nunca teve um governo que fez tanto pelos conterrâneos como o atual", acrescentou Mujica, para quem os vizinhos "têm problemas, mas quem não tem?".
O chefe de Estado disse ter "tentado fazer todo o possível para sustentar uma relação que leve em conta os interesses econômicos do povo que trabalha". Mujica afirmou que "há medidas argentinas" que "afetam" os uruguaios, em relação a decisões do governo de Cristina Kirchner para controlar as importações e a saída de dólares do país. No entanto, o governante uruguaio ressaltou: "quando a Argentina vai bem, nós (uruguaios) nos beneficiamos, e quando eles vão mal, nós padecemos".
Em entrevista ao jornal local La República, Mujica confirmou que vai enviar uma carta a Cristina Kirchner para explicar seus polêmicos comentários, mas não detalhou o conteúdo da mesma, argumentando preferir que "a senhora presidente seja quem a torne pública, se o considerar conveniente".
As tensões entre os dois países começaram há uma semana, depois que um microfone aberto em entrevista coletiva captou uma fala do presidente do Uruguai na qual dizia a um interlocutor: "esta velha é pior que o vesgo. O vesgo era mais político. Esta é obstinada". Mujica citava assim Néstor Kirchner (2003-2007) e sua viúva e sucessora no cargo, Cristina Kirchner.
No mesmo dia, a Chancelaria argentina lamentou em comunicado "profundamente" a declaração do líder uruguaio, que considerou "inaceitáveis", e informou que Cristina Kirchner não fará comentário algum a respeito.
Já na sexta-feira em seu programa radiofônico semanal na emissora local M24, Mujica fez uma reflexão sobre as origens do Uruguai como nação e sua complexa ligação com a Argentina para mandar uma mensagem de concórdia ao país vizinho: "Apesar da história ter nos separado, nada nem ninguém pode separar nossa história". O Uruguai precisa "andar bem com a humanidade, mas em primeiro termo, com os povos que nasceram na mesma matriz", acrescentou.
No entanto, a polêmica ressurgiu no sábado ao ser publicada na nova revista uruguaia Lento uma entrevista a Mujica feita em 18 de março. Nela, o governante qualificava Kirchner de "bastante desleixado", ao falar de seu antecessor e correligionário no bloco esquerdista uruguaio Frente Ampla (FA) Tabaré Vázquez (2005-2010). "Ele não teve problemas com a Argentina, teve problemas com o vesgo Kirchner, que era bastante desleixado. Deus o tenha na glória", disse Mujica com seu habitual estilo informal.
Também opinou que "ao Uruguai convém estar bem com os vizinhos". "Não se pode catalogar de 'facho' (fascista) nem nada do estilo o governo da Argentina", ponderou o líder.