Ignácio Hurban, neto da líder das Avós da Praça de Maio, Estela de Carlotto, mostrou-se publicamente pela primeira vez após descobrir sua verdadeira identidade. A apresentação aconteceu durante uma coletiva de imprensa realizada nesta sexta-feira, na sede da Associação, e tendo a avó recém descoberta ao seu lado.
“Estou emocionado! Faz pouco que aconteceu tudo isso. É maravilhoso e imagino que tudo que está acontecendo fechará algumas feridas que foram abertas há muito tempo. Eu tenho a sorte de fazer parte desse pequeno processo de cicatrização”, essas foram as primeiras palavras de Guido Montoya de Carlotto.
Após o vazamento de informações por parte da juíza responsável pelo caso, María Servini de Cubría, que não teria respeitado o acordo de sigilo revelando a identidade de Guido Carlotto, fez-se hoje sua aparição oficial.
”Houve um erro claro nesse caso, pois as coisas correram de forma completamente diferentes em outros casos”, pontua Guido sobre a revelação precipitada de sua identidade.
“Que eu esteja aqui hoje tem a ver com somar o meu grãozinho de areia às buscas. (…) Uma coisa é o aspecto público e outra coisa é o aspecto pessoal e interno de restabelecer um vínculo com a minha família”, explica o pianista de 36 anos.
Sobre sua dupla identidade, o rapaz foi firme em declarar que já está acostumado com seu nome Ignácio e que pretende mantê-lo, mas que entende que existe uma família que há 30 anos o chama por outro nome e irá respeitá-los. “Eu me sinto bem com a verdade!” e completa dizendo que “Há dois dias atrás eu tinha uma vida extraordinariamente feliz e agora, querendo ou não, entrarei nos livros de história e vou ter de arcar com isso”.
O jovem Ignácio Urbán, ou Guido Montoya Carlotto, cresceu na zona rural da província de Buenos Aires, em Olavarría. Seus pais adotivos não tinham nenhuma ligação com a arte, o que não impediu que Guido seguisse uma carreira musical. O talento artístico sempre lhe era questionado, conta o rapaz, que nesse momento tampouco sabia dizer de onde vinha o “dom”.
“Certamente algumas questões do âmbito do intangível, como o porquê de estar relacionado à arte se o meio em que eu me criei não tem nada a ver com isso”, exemplifica Guido parte das dúvidas que tinha sobre sua verdadeira identidade.
Há pouco menos de dois dias, o músico finalmente soube quem eram seus pais biológicos e, para sua surpresa, Oscar Montoya também era músico. Natural da Patagônia, o militante assassinado durante a ditadura militar empresta seu nome a uma sala de música em Santa Cruz, outra cidade do sul argentino.
O processo de descoberta
Com 36 anos completados no último dia 2 de junho, o jovem conta que foi justamente nessa data que tomou conhecimento de haver sido adotado. Segundo ele, a história que seus pais lhe contaram tinha muitas brechas que o deixaram intrigado.
“Aconteceu comigo o que deve acontecer com todos aqueles que se descobrem adotados. Nasceram alguuns ruídos na minha cabeça, umas borboletas que pairavam fora do meu campo de visão. Comecei a pensar, dar-me conta de algumas coisas. Então, resolvi começar o processo de busca”, conta o neto de Estela de Carlotto.
E se o maior medo de sua avó, Estela, era de morrer sem poder abraçá-lo, por sua vez, o maior medo de Guido, ao iniciar os processos de busca, era de nunca saber a verdade sobre seus pais biológicos.
A busca sobre a qual ele fala, durou apenas 18 dias, a contar do momento da realização da coleta de sangue para o teste de DNA. Então, há dois, Claudia Carlotto, sua irmã, informou-lhe que ele era o neto desaparecido da líder das Avós de Maio.
“Eu estava tranquilo tocando piano, tomando mate e me entretendo com alguns biscoitos, quando recebi a ligação de Claudia muito emocionada, contando-me o resultado dos exames”, relembra.
O reencontro
Ele aconteceu nesta quinta-feira na cidade de La Plata, onde Estela de Carlotto passou toda sua vida e onde nasceu Laura, a mãe de Guido.
“Eu estava meio escondido durante esses dias para poder ter um encontro mais íntimo. Eu queria conhecer a eles antes de estar aqui falando com vocês”, declara aos jornalistas durante a coletiva de imprensa desta sexta-feira.
O neto recuperado 114, e o mais famoso de todos eles, conta que estranhou um pouco a proximidade física e até mesmo os numerosos abraços que a nova família troca entre si, mas que logo se acostumou com a dinâmica.
“O reencontro foi maravilhoso, muito lindo, sempre que existe amor, um abraço (...) Faz dois dias que sei quem sou, ou seja, quem eu era, é um pouco inesperado tudo isso, mas eu recebi manifestações de afeto tão bonitas que facilitaram muito o processo em si”, desabafa Guido.