No dia de Natal, o adolescente Brian Aguinaco, de 14 anos, estava em um carro com o avô quando os dois ficaram no meio de um assalto em uma esquina no bairro de Flores, na cidade de Buenos Aires.
Os ladrões, que estavam de moto, acharam que o avô de Brian os perseguia e atiraram contra o carro. Uma bala atingiu a cabeça do adolescente, que morreu dois dias depois.
A polícia prendeu um dos supostos autores do crime, um jovem também chamado Brian, de 15 anos, que tinha fugido para Santiago, a capital chilena, com suposta ajuda dos pais, de acordo com a polícia.
Brian, o acusado, foi localizado depois de policiais vasculharem seu Facebook e o de seus familiares - e após uma operação conjunta com a Interpol no Chile.
Seu desembarque em Buenos Aires, no último dia 30 de dezembro, foi mostrado ao vivo pelas câmeras de TV - algumas emissoras interromperam a transmissão da primeira entrevista da nova equipe econômica de Mauricio Macri para mostrar a chegada.
Ele estava com o rosto coberto e um boné da Polícia Federal. A hashtag #Brian estava, então, entre as mais comentadas no Twitter na Argentina.
Em meio à comoção, na rede social foram reproduzidas diversas vezes falas do ministro da Justiça e Direitos Humanos, Germán Garavano, a jornalistas locais: "É necessário um debate sobre o sistema penal juvenil. Falei com o presidente Macri sobre a necessidade da reforma na idade da penalidade juvenil".
Discussão polêmica
Hoje, a maioridade penal - que define a idade a partir da qual um indivíduo responde como adulto perante a lei - é de 16 anos na Argentina - a ideia seria reduzi-la para 14.
No Brasil, o assunto também causa muita polêmica e uma PEC aprovada pela Câmara reduzindo a maioridade penal de 18 para 16 anos está sendo analisada pelo Senado.
O governo argentino informou na semana passada que a criação de uma comissão de especialistas, entre juristas e educadores, para debater a redução da maioridade penal.
Na sexta-feira, Garavano disse à imprensa local que as normas vigentes são ultrapassadas e reiterou a discussão sobre a idade penal. Para o governo, o caso Brian não seria "isolado".
A proposta provocou imediatamente um intenso debate no país.
"Teria sido melhor que o presidente tivesse começado o ano querendo colocar mais adolescentes nas escolas e não querendo ver mais deles presos", escreveu a deputada Margarita Stolbizer no Twitter.
"Discordo totalmente. Na Argentina, uma minoria de menores está envolvida com a delinquência", disse à BBC Brasil a ativista em direitos humanos Graciela Fernández Meijide.
"E quase todos - ou mesmo todos -, não tiveram oportunidades e um horizonte que os tire da pobreza e da falta de oportunidades. Deixaram a escola e foram atraídos por adultos para o crime", acrescentou.
"O melhor caminho para eles é a própria escola e uma casa."
Já o constitucionalista Daniel Sabsay defendeu que a prevenção é a ferramental principal contra o delito, mas que "não se pode deixar de ver a realidade desse número crescente de jovens que cometem atos aberrantes".
"Por isso, acho importante preservar e observar a segurança da sociedade. Nesse sentido, se pode pensar sim na redução da idade penal", concluiu ele.
Mais jovens presos
A atual legislação argentina dá ao juiz a prerrogativa de internar jovens com idades entre 16 e 18 anos nos institutos para menores - onde jovens infratores ficam privados de liberdade -, caso tenham cometido crimes passíveis de penas superiores a dois anos de prisão.
A lei determina ainda que, ao completar 18 anos e deixar o instituto, esse jovem poderá ou não continuar respondendo pelo crime, dependendo da situação judicial do caso.
O especialista Roberto Cipriano García, da Comissão Provincial pela Memória, afirmou à BBC Brasil que uma redução da maioridade penal resultará num maior número de adolescentes nesses institutos de detenção.
"Até por uma questão cultural, porque se um garoto (a partir dos 14 anos) estiver envolvido em algum crime, setores da opinião pública defenderão sua detenção e isso pressionará os juízes para que os coloquem nesses institutos, que são verdadeiras prisões", afirmou.
Ele explica que os jovens não podem deixar esses institutos até completarem 18 anos - e, caso o juiz determine, podem ser transferidos para prisões ao chegarem a essa idade.
"Nos institutos eles não têm acesso a ensino de qualidade, não têm acesso a apoio psicológico e não são preparados profissionalmente. Reduzir a idade não resolve a problemática", disse.
O último censo, realizado em 2015, indicou que existiam no país cerca de 77 mil adultos presos e 1,1 mil menores detidos em instituições para menores - desse total, 96 tinham idades entre 14 e 15 anos, de acordo com a imprensa local.