Nove dias após a última comunicação feita pelo submarino argentino ARA San Juan, a cada minuto aumenta a sensação de que nenhum dos 44 marinheiros sairá do episódio com vida.
"Encontrá-los vivos já será mais do que um milagre, por causa da reserva de oxigênio (limitada) do submarino", disse à BBC Brasil o engenheiro naval Martín D'Elía, professor da Universidade Tecnológica Nacional (UTN), de Buenos Aires e de Mar del Plata.
Segundo D'Elía, embora tenha havido repetidas comparações, a situação dos marinheiros argentinos confinados na embarcação é "bem diferente" da que foi vivida pelos 33 mineiros chilenos que passaram dezessete dias soterrados em uma mina em 2010.
"Apesar de estarem soterrados na mina, os mineiros chilenos tinham oxigênio. Num submarino como este (ARA San Juan, de 1985), que não é nuclear, o oxigênio tem dias contados", disse o especialista. Segundo ele, se fosse um submarino nuclear e mais moderno, ele teria suprimento de oxigênio suficiente para vários meses.
Na última semana, o porta-voz da Marinha, Enrique Balbi, disse que a reserva de oxigênio do submarino duraria cerca de oito dias, a depender da quantidade de vezes que a embarcação tivesse emergido durante a travessia. "Estamos entrando numa etapa crítica", ele repetiu algumas vezes durante coletiva de imprensa, no início desta semana.
A explosão que aniquilou as esperanças
Nesta quinta-feira, a situação tornou-se ainda mais complexa e "desoladora", como disse o familiar de um marinheiro, quando Balbi confirmou que teria ocorrido uma explosão na área onde o submarino estaria quando fez a última comunicação com a base, na quarta-feira, 15 de novembro.
A comunicação foi feita às 7h30 da manhã e, três horas mais tarde, na mesma região onde estava o submarino, foi registrado "um evento anômalo singular, curto, violento, não-nuclear, consistente como uma explosão", segundo informação dos Estados Unidos ratificada pela Organização do Tratado de Proibição Completa dos Ensaios Nucleares (CTBTO), na Áustria.
O submarino estava no caminho de volta de Ushuaia, no sul da Argentina, para a base naval de Mar del Plata, a 400 quilômetros de Buenos Aires. Antes de iniciar a viagem, a embarcação teria apresentando um problema de bateria - que teria sido corrigido ainda na véspera da partida.
A informação sobre a explosão causou comoção entre os familiares dos marinheiros, reunidos na base naval de Mar del Plata, onde esperavam informações . Alguns se ajoelharam aos prantos, outros deram socos nas paredes ou se abraçaram com outros familiares e marinheiros.
"Acabo de saber que sou viúva", disse Jessica Gopar, mulher do cabo Fernando Santilli. "Vim pendurar um cartaz que dizia que estamos esperando por ele, quando alguém saiu da base e fez um gesto negativo com o rosto. Entendi logo que tudo tinha acabado", disse chorando.
Nesta sexta-feira, Luis Tagliapietra, pai do marinheiro Alejandro Tagliapietra, de 27 anos, era um dos poucos que ainda permaneciam na base de Mar del Plata. "Durante todos estes dias falei com o chefe do meu filho, que amavelmente me atendia em seu celular pessoal e me falava da situação. Ontem (quinta-feira), ele me ligou para falar da explosão. Perguntei se estavam todos mortos, e ele disse que sim", afirmou nesta sexta-feira às TVs locais, com voz embargada.
Na entrevista coletiva desta sexta-feira, o porta-voz da Marinha foi mais de uma vez perguntado se os tripulantes ainda poderiam ser encontrados vivos. Ele preferiu ter cautela na resposta e disse que a busca do submarino e a apoio aos familiares dos marinheiros são prioridade neste momento.
Projetados para desaparecer no mar
A operação resgate do submarino ARA San Juan já envolve treze países e equipes do Canadá e da Rússia também devem chegar nas próximas horas ao país. Nos últimos dias, aviões, barcos e robôs fazem parte das buscas do submarino que foi fabricado na Alemanha. "A maior tecnologia naval do mundo está reunida nesta operação de busca", disse o coronel argentino da reserva Rubén Palomeque, da coordenação de resgate do ARA San Juan.
No entanto, até a tarde desta sexta-feira, apesar da modernidade dos equipamentos, não havia notícia do paradeiro da embarcação dos anos 1980. O ARA San Juan, segundo a Marinha argentina, realizava uma patrulha de rotina nos mares do país contra barcos ilegais. O engenheiro Martin D'Elia disse que submarinos são "uma arma de guerra" e "construídos para não serem encontrados". A profundidade do local onde poderia estar a embarcação também pode complicar o resgate, segundo ele.
Quando perguntado por que tantos países, com suas tecnologias de "última geração", não podiam encontrar o submarino, ele respondeu: "Estamos vendo a magnitude do que é um submarino, ou seja de como é difícil encontrá-lo".
Martin D'Elia afirmou que, de acordo com a última comunicação, o submarino poderia estar na fronteira entre a plataforma marítima argentina, onde a profundidade seria em torno dos 200 metros, e as águas internacionais, cuja profundidade atinge 4 mil metros. Nesse caso, mesmo os mais modernos dispositivos de busca - os veículos submergíveis americanos a controle remoto - seriam de pouca utilidade, já que suportam descer a 1,5 mil metros da superfície.
"Os submarinos podem ser usado para colocar minas flutuantes ou para ataques marinhos. E são mesmo desenhados para não serem detectados", disse o engenheiro naval. Ex-tripulante do ARA San Juan, Horacio Tobías, disse, por sua vez, que "quando o submarino está submerso, está sozinho no mundo, ele e o oceano".
D'Elia explicou que radares, por exemplo, não podem detectá-lo porque o submarino "tem pouca emissão de calor".
O especialista acrescentou que o submarino irradia calor, ondas magnéticas e de som desenvolvidos "para ser o mais discreto possível". O ARA San Juan navega com motor elétrico e também a diesel - quando está submerso funciona com o elétrico, que "é muito silencioso", e, quando emerge da água, usa combustível fóssil.
"Sem radiação térmica e com o ínfimo barulho que produz, é muito difícil encontrá-lo. O sistema, o isolamento do som, o desenho do submarino, fazem com que a detecção magnética seja a menor possível. Outros barcos que usam sensores não o detectam e, quando o detectam, percebem-no quase como uma boia", afirmou.
Ele recordou que, no fim dos anos 1960, no período da guerra fria, um submarino russo (submarino K129) afundou a mais de 4 mil metros de profundidade e, tempos depois, os americanos o encontraram. A embarcação foi localizada graças ao mesmo sistema de "hidrófonos" - que identificou a explosão - espalhados pelo oceano, que foram criados por prevenção bélica e registram permanentemente os ruídos no fundo do mar.
Sem caixa preta
O caso do submarino desaparecido gerou uma série de questionamentos entre os familiares dos marinheiros e em setores políticos do país sobre se algum dia se saberá exatamente o que aconteceu com a embarcação.
O perito naval e vice-presidente da Liga Naval Argentina, Fernando Morales, disse que um submarino militar não é como os aviões e não leva caixa preta, por questões de segurança. "Seria um perigo, caso ele caísse em mãos inimigas", afirmou.
O desaparecimento do ARA San Juan provocou ainda dúvidas sobre o procedimento da Marinha argentina. O porta-voz Balbi disse que foram respeitados protocolos internacionais, esperadas as 36 horas determinadas para o início das buscas e o pedido de ajuda internacional. Segundo ele, não é esperado que um submarino se comunique constantemente com a base porque ele é feito para ter "independência" na navegação.
Surgiram ainda questionamentos sobre as condições do submarino, que tinha passado por revisão quatro anos atrás, segundo informação oficial. E sobre os recursos destinados às Forças Armadas na Argentina.
"As Forças Armadas vivem com falta de investimentos desde o início dos anos 1990. E hoje deveríamos nos perguntar como um caso como este (do submarino) não ocorreu antes", disse o professor de defesa e de segurança internacional da Universidade de Buenos Aires (UBA), Sergio Eissa.
Segundo ele, no início da década de 1990, as Forças Armadas contavam com um orçamento de 2,4% do Produto Interno Bruto (PIB) e no fim daqueles anos somente com 0,9% do PIB - o que foi mantido até 2013, quando houve um "aumento irrisório".
Sergio Eissa disse o problema supera a restrição orçamentária: a Argentina possui frota marítima dos anos 1970 e 1980, defasada em relação à tecnologia atual.
Nesta sexta-feira, o presidente argentino Mauricio Macri falou à nação, no prédio das Forças Armadas, em Buenos Aires, dizendo que o caso do submarino deve ser investigado e lamentou a "dor dos familiares" dos tripulantes do ARA San Juan. Ele afirmou ainda que não é hora de "se aventurar em buscar culpados até que exista informação completa sobre o que aconteceu".
Na TV, na véspera, a mulher de um dos marinheiros, a advogada Itatí Leguizamón, disse: "o culpado são os anos de abandono da Marinha".