A livraria Lugar Común, localizada em frente à praça Altamira, centro nervoso dos protestos em Caracas, na Venezuela, opera de forma intermitente há semanas.
"Tem dias em que nem abrimos. Em outros funcionamos por apenas duas horas", diz o dono do estabelecimento, Garcilaso Pumar, à BBC Mundo, o serviço hispânico da BBC, apontando para as barricadas montadas nas ruas.
Apesar de não se opor às manifestações, ele admite que só conseguiu abrir sua loja em horário integral na última terça-feira.
O cotidiano de Pumar é um retrato fiel da arritmia que afeta o coração da economia venezuelana.
O país enfrenta uma das piores crises financeiras de sua história: a inflação é uma das mais altas do mundo, a escassez de alimentos chega a 23% e o déficit fiscal parece sem solução, apesar das seguidas desvalorizações do bolívar, a moeda local.
O cenário se agravou ainda mais com as manifestações, que vem dificultando qualquer esboço de recuperação da economia.
Na última quarta-feira, em uma reunião "para a paz", promovida pelo partido do presidente Nicolás Maduro com a participação de vários setores, uma das declarações mais fortes partiu do empresário Lorenzo Mendonza, presidente das Empresas Polar, do setor de alimentação e bebidas.
Segundo ele, a agenda nacional deixou de contemplar discussões sobre o andamento da economia do país.
"Enquanto 95% (do debate) envolve política, o resto - 5% - é dedicado à economia", disse ele. "O país precisa de uma reflexão profunda sobre a economia", acrescentou.
O presidente Maduro, por sua vez, reiterou que a economia é um tema central para o seu governo.
"Vamos parar com as guarimbas e com a violência, e estabelecer um bom nível de respeito à Constituição, para que possamos nos concentrar mais na economia."
As "guarimbas", como as barricadas montadas pelos manifestantes são conhecidas, vêm se espalhando por várias partes do país, especialmente na província de Táchira, onde os protestos ainda mantêm um nível alto de tensão.
Distribuição
Com medo da escalada de violência, muitos comerciantes decidiram permanecer de portas fechadas. Nas últimas semanas, os poucos estabelecimentos que abriram ficaram às moscas e milhares de venezuelanos tiveram de trabalhar de casa.
Mas enquanto o varejo e o comércio são afetados por fechamentos, o setor da economia mais atingido é o da distribuição.
O próprio Maduro já disse acreditar que a escassez de produtos é uma das principais causas das manifestações.
Já para Eduardo Garmendia, presidente da Conindustria, confederação que reúne as principais indústrias da Venezuela, "a capacidade de entregar os produtos no varejo tem sido restrita, o que aumenta a escassez".
A distribuição na Venezuela encontra-se em estado crítico, uma vez que a produção e o volume de importações, ambos a um nível consideravelmente baixo, já não são suficientes para abastecer todos os estabelecimentos do país.
Na semana passada, Giovanni Lupi, presidente da Catracentro, câmara que reúne empresas de transporte terrestre de carga pesada, disse que a tensão política provocou um aumento de 20% nas paralisações na frota de distribuição na região central do país.
Segundo o jornal de economia El Mundo, soma-se a esse fato a paralisação de 40% da frota desde o início dos protestos.
"Há motociclistas encapuzados que queimaram veículos. Por causa disso, estamos protegendo os carros, quase ninguém está fazendo viagens de longas distâncias. Na última semana, como a tensão está mais forte, muitos de nós não podemos sair para trabalhar", disse Lupi ao jornal.
Segundo as secretarias de transporte dos Estados de Vargas e Carabobo, o efetivo do escritório foi reduzido em 60% devido às recentes manifestações.
Preocupação
Garmendia, da Conindustria, disse à BBC Mundo que as empresas pediram ao governo, encarregado de autorizar as rotas de distribuição, que mantenha um efetivo trabalhando nos próximo dias, apesar do recesso de Carnaval.
"Dissemos ao governo que os funcionários públicos não podem sair de férias", afirmou Garmendia. "Depois de cinco dias com a distribuição parada, não há nada nas prateleiras."
Enquanto o governo tenta encontrar uma alternativa para a crise econômica, Pumar continua tentando manter a viabilidade do seu negócio apesar dos protestos.
"Dada a situação atual, acredito que todo empresário que opere hoje na Venezuela esteja preparado para um ou dois meses de baixa rentabilidade".
Mas, enquanto muitos enfrentam uma queda nas vendas, outros aproveitam as manifestações para catapultar os ganhos.
Este é caso da pizzaria Mesón de Altamira. De acordo com o gerente e filho do dono do estabelecimento, Alexandre Freitas, o restaurante tem vendido mais do que a média nos últimos dias. "Os jovens vêm aqui comprar pizza para comer durante os protestos", afirmou.