Os primeiros 42 refugiados sírios que viajaram do Líbano ao Uruguai no início de outubro começarão a trabalhar e viver em casas cedidas por uruguaios no final do mês que vem, segundo informou ao Terra o secretário de Direitos Humanos da Presidência, Javier Miranda.
O Uruguai é o primeiro país da região a elaborar um plano de reassentamento de refugiados sírios. E o pioneirismo do vizinho sul-americano deve estar em pauta na reunião ministerial "Cartagena + 30", que reunirá autoridades da América Latina e do Caribe, nos dias 2 e 3 de dezembro, em Brasília. Na ocasião, o Uruguai deverá propor, “em conjunto com o Brasil”, que mais países latino-americanos recebam refugiados sírios, segundo o Ministério de Relações Exteriores uruguaio.
A iniciativa conta com 69% de aprovação da população uruguaia, de acordo com pesquisa difundida este mês pelo instituto Cifra. O programa, que atenderá um total de cerca de 120 sírios ao longo de dois anos, custará ao Estado 2,3 milhões de dólares. A previsão do governo é que boa parte dos reassentados possa viver por seus próprios meios, antes do término desse período.
Depois de uma viagem de 30 horas, os refugiados chegaram ao Uruguai na primeira semana de outubro. Atualmente, os adultos já têm convites para trabalhar especialmente no setor agrícola, de gastronomia e na construção, e as crianças começaram a ser inseridas, a partir desta semana, em instituições de ensino público. Por enquanto, estudam em escolas da capital. A partir de novembro, passarão a frequentar institutos próximos aos lugares que estão sendo oferecidos para moradia, em Montevidéu e no interior. O objetivo é que os núcleos familiares se mantenham unidos e que trabalhem e vivam juntos.
A experiência de acolhimento planejado e oficial de pessoas que estão fugindo da guerra civil na Síria -- conflito iniciado em 2011 e que já deixou mais de três milhões de refugiados -- foi concebida pelo governo uruguaio em abril. Deve se repetir no final de fevereiro, quando o país trará outras 72 pessoas. As famílias foram pré-selecionadas pelo Acnur (Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados) e, posteriormente, entrevistadas por uma delegação do governo de José Mujica.
“Essas pessoas são livres, vêm morar aqui voluntariamente. Até novembro, têm uma rotina integrada por três horas diárias de aulas de espanhol e, a partir da próxima semana, os adultos terão cursos de capacitação, adequados aos perfis e às capacidades do grupo, para que possam se integrar ao mercado de trabalho local”, explica Miranda. Nesta semana, os refugiados concluem as aulas de introdução à sociedade uruguaia, onde compreendem alguns dos costumes básicos do país.
“Pensem no futuro”
No momento, os refugiados recebem alimentação e cursos em uma instituição religiosa na região metropolitana de Montevidéu. Além de contarem com tradutores, são acompanhados por uma psicóloga e um assistente social.
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Também recebem a visita semanal de Hassan Mamari, catedrático de língua e literatura árabe da Faculdade de Humanidades da Universidad de la República. Mamari nasceu em Homs, na Síria, e há 50 anos mora no Uruguai. “Fizemos na faculdade um grupo com 20 alunos para lhes ensinar árabe coloquial, de forma que pudessem conversar com os refugiados quando chegassem. Hoje alguns desses alunos acompanham os recém-chegados a atividades recreativas, por exemplo”, conta Mamari ao Terra.
“Do grupo que chegou até agora, 60% são crianças. As crianças vão se adaptar facilmente. Onde têm brincadeira e a possibilidade de estudar, elas não têm problema”, opina o professor. “Entre os adultos, há duas viúvas, uma com dez filhos, e outra com oito. São camponeses, em sua maioria, e na Síria tradicionalmente essas senhoras não trabalhariam, mas aqui, aos poucos, vão aprender um ofício para poder criar seus filhos.”
Apesar da necessidade de aprendizado rápido de um novo idioma e cultura, as atividades são entremeadas por intervalos de recreação. “A ideia é que haja pouco tempo de ócio, na medida em que isso pode permitir sentimentos de nostalgia, por exemplo, mas que a rotina também não seja a de um quartel, que tenham espaço para fazer o que quiserem, se quiserem”, explica Miranda.
Mamari concorda e diz que o maior sofrimento dos refugiados “é a saudade”. “Os adultos vão se integrar totalmente quando virem seus filhos felizes”, pondera o catedrático. “Eu sempre digo a eles: não pensem no passado. Pensem no futuro.”