Venezuela: crise piora após 3 meses de protestos e 44 mortes

Crise, que eclodiu em 12 de fevereiro, se agravou após prisão em massa de 250 estudantes na última semana; oposição suspendeu as negociações com o governo, enquanto parentes dos presos questionam por que manifestações pacíficas são reprimidas

15 mai 2014 - 11h56
(atualizado às 13h58)
<p>Manifestantes anti-governamentais, que trabalham como paramédicos, andam com as mãos para cima ao passar por policiais da Guarda Nacional, durante os confrontos em Los Palos Grandes Caracas, em 8 de maio</p>
Manifestantes anti-governamentais, que trabalham como paramédicos, andam com as mãos para cima ao passar por policiais da Guarda Nacional, durante os confrontos em Los Palos Grandes Caracas, em 8 de maio
Foto: Reuters

Um jovem universitário fala, com um megafone, para um pequeno grupo de pessoas que o rodeiam na praça Mene de Colinas de Bello Monte, em Caracas. Trata-se de uma assembleia de vizinhos que ocorreu na noite de terça-feira, um dia depois que completaram-se três meses da recente escalada de protestos na Venezuela, que já deixou um saldo de 44 mortes.

“Reajam! Não os convoco para a violência, mas saiam de suas casas!”, disse aos espectadores, com um chamado para que não interrompam as manifestações de descontentamento com o governo do presidente Nicolás Maduro.

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Após um trimestre de manifestações, a intensidade do conflito não parece diminuir e suas consequências têm afestado os principais atores do cenário político do país. "O governo vem pagando um custo alto: as pesquisas mostram que mais da metade da população o considera autoritário. Isso está relacionado com a forma como tem lidado com as manifestações, que tem sido vista como repressiva. A isso, se somou a escassez de de produtos básicos e a inflação que geraram uma percepção crescentemente negativa da situação", diz John Magdaleno, especialista em ciências políticas e diretor da empresa Polity.

Prateleiras do supermercado "Automercados Luvebras", em Castellana, em 17 de março
Foto: David González / Especial para Terra

A oposição, no entanto, não tem se fortalecido no período e as tensões internas se afloraram.

O método de bloqueio de vias públicas, conhecido como "guarimbas", não obteve consenso entre os que o consideram uma forma violenta que retira a legitimidade de outras maneiras de expressar descontentamento. “E também revivou uma velha divergência estratégica sobre qual é o caminho correto para enfrentar o governo. Há divisão entre os que pensam que se deve adotar uma fórmula basicamente eleitoral e aqueles que acreditam que isso não é suficiente e que deve existir pressão nas ruas", afirma Magdaleno.

Imagem mostra o ritmo com o qual cresceu o acampamento nos arredores do prédio do PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - e como manifestantes aderiram à iniciativa
Foto: David González / Especial para Terra

Detenções em massa

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Um dos marcos mais graves do conflito ocorreu na quinta-feira passada: a detenção de quase 250 jovens em quatro acampamentos espalhados por Caracas, onde pernoitavam como forma de manifestação pacífica. Funcionários da Guarda Nacional Bolivariana os apreenderam, de surpresa, no meio da madrugada. As audiências realizadas nos tribunais tem sido classificadas como as maiores da história judicial, por ativistas de direitos humanos. Os juizes mantiveram atrás das grades onze dos detidos.

Os outros jovens foram submetidos ao regime de liberdade condicional até que se defina se serão julgados criminalmente, uma situação semelhante a que se encontram 1.700 dos quase 3 mil venezuelanos que foram presos por atos ligados ao conflito nesses três meses, segundo dados da ONG Foro Penal. "

Polícia nacional da Venezuela detem um manifestante anti-governo durante confrontos em Los Palos Grandes, em Caracas, na última quinta-feira, 8 de maio
Foto: Reuters

“Se intimida com julgamentos os que participam de protestos, se criminaliza o direito de manifestar", diz Marino Alvarado, diretor da Provea, outra organização de direitos humanos.

Fernando Jaramillo foi um dos jovens detidos no acampamento instalado nos arredores da sede do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. “Nos detiveram por volta das 3h da manhã. Estávamos dormindo quando os militares chegaram. Muitos de nós chegaram descanlços na sede da Guarda Nacional Bolivariana onde nos prenderam. Os militares pegaram nossos documentos de identidade, nosso dinheiro e telefones celulares", relata o jovem, que tinha vindo do estado Bolívar, na fronteira com o Brasil. Ele foi liberado, mas terá que comparecer a cada 15 dias aos tribunais até saber será julgado.

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Entenda a crise na Venezuela: inflação, desabastecimento, violência e mais

Detonador de uma crise

Miguel Rodríguez Torres, ministro de Relações Interior, Justiça e Paz, foi a figura do governo que liderou a evacuação dos acampamentos e disse que os locais haviam sido utilizados como refúgios para os que participaram em atos violentos como os ataques a sedes do governo. Tem insistido que 49 jovens foram confirmados, com provas, de terem consumido drogas e 

Ha insistido en que 49 jóvenes tiveram teste de consumo de drogas positivo e que portavam itens como coqueteis molotov. “Não eram locais de protesto pacífico”, declarou o porta-voz, que segue a linha oficial de identificar protestos como um golpe de Estado. Ontem, durante outras marchas, mais de 100 prisões foram feitas em diversos pontos de Caracas.

Itens confiscados dos acampamentos de manifestantes contra o governo, que foram desmantelados, são exibidos durante uma entrevista coletiva do Ministério do Interior, em Caracas, em 8 de maio
Foto: Reuters

As apreensões em massa se converteram em um dos fatores que tem afetado o processo de diálogo entre o governo e a MUD (Mesa de la Unidad Democrática), a principal coalizão opositora, que declarou esta semana a suspensão de sua participação nas conversas que são supervisionados pelos Ministérios das Relações Exteriores do Brasil, Colômbia, Equador, representantes da Unasul, e do Vaticano.

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Ramón Guillermo Aveledo, porta-voz da aliança, argumenta que Maduro e sua equipe não cedem em suas posições repressivas e aos pedidos da MUD, como a libertação dos que são considerados presos políticos e o estabelecimento de uma comissão da verdade para investigar imparcialmente as responsabilidades pelos assassinatos de 12 de fevereiro.

Maduro respondeu que não vai se retirar do diálogo mas outros porta-vozes do partido do governo afirmam que a decisão opositora reflete sua pouca vontade de paz. Magdaleno opina que os diálogos tenrão esse pano de fundo: “Os atores buscarão enquadras seus rivais como responsáveis por não haver saídas".

Gerardo Carrero era um dos líderes do acampamento que se instalou nas adjacências da sede do PNUD. Hoje está preso
Foto: Twitter
Ficaram presos

Gerardo Carrero foi outro dos líderes estudantis detidos no acampamento do PNUD. Diferente da maioria, ficou detido na sede do Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional acusado de crimes de obstrução e tráfico de drogas em pequena quantidade. Carrero é estudante de criminalística na Universidade Católica de San Cristóbal, em Táchira, estado fronteriço com a Colômbia, onde os protestos foram os mais intensos do país.

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Seu pai, que tem o mesmo nome, foi informado pelas notícias sobre o que ocorreu no acampamento onde estava seu filho: "Nunca pensei que poderiam fazer isso contra uma forma tão pacífica de protestar. Até 'plantaram' drogas para que ele parecesse um traficante. Ele estava há dois meses em Caracas, era reservado e um dia me disse nada além de que ia sair para lutar pela Venezuela". Agora enfrenta a possibilidade de um julgamento, como mais de 160 venezuelas que seguem privados de liberdade por atos associados à convulsão que tem sacudido a Venezuela. Feridas políticas seguem sendo abertas no país.

Fonte: Especial para Terra
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