Venezuelanos de todos os matizes políticos testemunharam pela televisão na noite de quinta-feira um evento histórico, o encontro do presidente Nicolás Maduro com representantes da oposição.
Foram seis horas, dezenas de declarações, muitas acusações e olhares de desafio. O encontro não resultou em nenhum acordo e oposicionistas e chavistas ainda se enfrentam nas convulsionadas ruas da Venezuela, onde já cairam mais de 40 mortos.
A reunião dá esperança a alguns e gera descrédito em muitos outros, deixando a principal questão em aberto: o diálogo vai ser efetivo o suficiente para tirar o país da crise?
A reunião contou com membros da oposição venezuelana como o governador Henrique Capriles, que disputou a presidência com Maduro e perdeu por uma estreita margem de votos. O encontro foi acompanhado ainda por um representante enviado pelo Vaticano para ajudar na mediação. Também presentes estavam os ministros das Relações Exteriores do Brasil, Luiz Alberto Figueiredo, da Colômbia, Maria Angela Holguín, e do Equador, Ricardo Patiño, que representam a Unasul (União das Nações Sul-Americanas (Unasul).
Representantes mais radicais da oposição, como a deputada cassada María Corina Machado e pessoas ligadas ao líder preso Leopoldo Lopez, nao participaram do encontro.
As declarações feitas no Palácio de Miraflores, no entanto, dão margem pequena para o avanço das conversas. Maduro voltou a dizer que os protestos que há meses tomam as ruas do país são parte de um plano "fascista" dos Estados Unidos, minimizando os possíveis resultados do encontro.
"Não há negociações aqui. Não há pactos. Todos estão procurando por um modelo de coexistência pacífica, de tolerância mútua", disse.
Maduro afirmou que qualquer tipo de acordo com a oposição o transformaria em um "traidor do chavismo" e pediu que a oposição renuncie à violência.
O encontro se deu dois dias após as declarações de um amigo do chavismo, o ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva, que sugeriu um governo de coalizão na Venezuela. Mas as declarações de Maduro já mostram que essa não é uma opção neste momento, com a radicalização das opiniões dos dois lados.
Segundo analistas, por trás das manifestações há um descontentamento social, principalmente por parte da classe média, que se agravou devido aos altos índices de criminalidade, inflação e uma crônica escassez de produtos básicos.
Sem golpe
Durante a reunião de quinta-feira, Maduro pediu que a oposição renunciasse à violência.
Henrique Capriles, que foi derrotado por uma margem estreita de votos na eleição presidencial de 2012, afirmou por sua vez que a oposição não quer um golpe de Estado contra o governo.
"Não queremos um golpe de Estado. Não queremos uma explosão nas ruas. Ou esta situação muda, ou arrebenta. Espero que mude, pois não quero violência", disse.
Capriles também acusou Maduro de desrespeitar o povo venezuelano.
"Como você vai pedir ao país para te aceitar se você chama metade do país de fascistas ou os ameaça? Acho muito difícil governar um país onde metade das pessoas está contra você", disse.
Durante a fala de Capriles, o número dois do chavismo, o presidente da Assembleia Geral Diosdado Cabello, tuitou em tom de crítica.
"Definitivamente o assassino fascista Capriles tem problemas, não entende que perdeu as eleições de abril. Parece que lhe falta alguma coisa", disse na rede social.
A reunião foi transmitida ao vivo pela televisão venezuelana. O papa Francisco enviou uma carta de apoio à negociação.
"Peço que vocês não fiquem presos ao conflito do momento, mas se abram uns para os outros e se transformem nos verdadeiros construtores da paz", disse o líder da Igreja Católica na carta que foi lida durante a reunião.
Mais reuniões entre governo e oposição devem ocorrer na terça-feira.
Ingovernabilidade
Analistas afirmam que apenas o fato de Maduro ter permitido a participação de mediadores para iniciar um diálogo interno com setores da oposição já é o reconhecimento de que a situação beira a ingovernabilidade.
Poucos acreditam, no entanto, que o governo vá ceder espaço à oposição em um eventual governo de coalizão, como o sugerido por Lula.
"Para as pessoas que votaram em Nicolás Maduro, e estou quase certo que também para as pessoas que votaram na oposição, não é uma via de solução, mas um potencial gerador de um conflito ainda maior do que já existe agora no nível político e no nível social. Os dois setores radicalizados e polarizados assumiriam que, quem quer que participe de um governo de coalizão, estaria traindo o que durante anos foi a luta de cada um dos setores", disse o analista político Nicmer Evans.
"Respeitando a talvez muito boa intenção do presidente Lula, seu diagnóstico da realidade da Venezuela desconhece a possibilidade do nível de conflito que um governo de coalizão como o que ele pede poderia gerar", acrescentou.
No entanto, nem todos estão totalmente céticos a respeito das negociações.
"Poucas vezes a oposição e o governo se encontraram cara a cara. Poucas vezes dialogaram com respeito e isso é uma coisa que promoveu muita polarização. Cada lado demoniza o outro e isso se facilita, pois não se encontraram cara a cara", afirmou David smilde, especialista em temas venezuelanos do Escritório de Washington para a América Latina (WOLA, na sigla em inglês, uma ONG com sede na capital americana.
"Me parece que este diálogo não é necessariamente um show, nem um fracasso. Incluisve poderia dar um resultado inesperadamente bom", disse.
"O chavismo tem todos os ramos do governo, tem a grande maioria dos governos locais e estaduais. A oposição e a maioria das pessoas que protestam nas ruas sentem que não têm voz. Para que este conflito não se estenda o governo precisa falar com a oposição e dar a eles algum tipo de voz", acrescentou.