'Americanos não devem lutar guerra que afegãos não querem lutar', diz Biden em primeiro discurso após queda de Cabul

Biden não reconheceu erro de estratégia, disse que EUA jamais quis construir um país e culpou os líderes políticos e o exército do Afeganistão por cenas de caos no país.

16 ago 2021 - 18h53
'Estou triste pelas cenas que estamos vendo, mas não me arrependo', disse Biden sobre cenário posterior a saída dos EUA do Afeganistão
'Estou triste pelas cenas que estamos vendo, mas não me arrependo', disse Biden sobre cenário posterior a saída dos EUA do Afeganistão
Foto: EPA / BBC News Brasil

Em seu primeiro discurso após a queda do poder central do Afeganistão para o Talibã, o presidente americano Joe Biden disse que defende "integralmente" sua decisão de retirar as tropas dos EUA do país apesar das recentes cenas de caos na capital afegã Cabul.

"Estou triste pelas cenas que estamos vendo, mas não me arrependo."

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Biden afirmou que jamais haveria um bom momento para a retirada militar do Afeganistão, o que explica por que a ocupação durou 20 anos. O democrata disse, porém, que ele não passaria a um quinto presidente a tarefa de tomar tal decisão nem envolveria mais as forças armadas americanas em "uma guerra civil em outro país".

Biden afirmou que os objetivos americanos no país foram cumpridos. Segundo ele, para os EUA era fundamental impedir que o Afeganistão funcionasse como um Estado protetor para a organização fundamentalista Al Qaeda e capturar seu líder, Osama Bin Laden, considerado o artífice dos ataques de 11 de setembro de 2001 no território americano.

O democrata disse que o foco de sua gestão está em impedir "atos terroristas" dentro dos EUA e que a condição no Afeganistão não faz parte das prioridades de "segurança nacional".

"Nosso objetivo nunca foi construir um país", afirmou o presidente americano.

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Biden interrompeu as férias em Camp David, Maryland, para fazer o pronunciamento de menos de 20 minutos à nação, durante o qual tentou defender que não houve erro na retirada de cerca de 2 mil soldados do país, nem na subsequente necessidade de enviar 6 mil homens para garantir a evacuação da Embaixada americana quando a situação se complicou.

Os soldados dos EUA deixaram o país em julho e a expectativa dos americanos era de que o governo nacional, treinado e equipado pelos americanos, fosse capaz de resistir às investidas do grupo islâmico Talibã, que controlava o país até 2001, quando os EUA invadiram o Afeganistão. Para surpresa da Casa Branca, não foi o que aconteceu.

"A verdade é: a situação se desenrolou mais rapidamente do que esperávamos", admitiu Biden.

Soldados americanos atuando no sul do Afeganistão, em foto de 2011
Foto: Reuters / BBC News Brasil

O presidente americano chegou a dizer que as últimas ações foram "duras e bagunçadas". Ele, no entanto, não reconheceu nenhum erro em sua estratégia e optou por culpar os afegãos pelos desdobramentos das últimas semanas.

Segundo Biden, o governo do país não quis se engajar em negociações diplomáticas com o Talibã nem foi capaz de resistir ao avanço militar do grupo fundamentalista islâmico.

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"Os americanos não podem e não devem lutar e morrer em uma guerra que os próprios afegãos não querem lutar", disse Biden.

Fuga do presidente

O presidente do país, Ashraf Ghani, fugiu do Afeganistão no último domingo. E os militantes do grupo fundamentalista islâmico agora desfilam seu poder com as recém-obtidas armas americanas, tomadas do Exército do país.

A Casa Branca tem adotado uma postura defensiva diante do problema e argumenta que as bases da retirada foram determinadas pelo ex-presidente Donald Trump, que abriu negociação direta com o Talebã enquanto estava no governo, um ato que teria aumentado o poder do grupo e esvaziado o governo democrático afegão.

Trump havia determinado o mês de maio de 2021 como a data de saída das tropas dos EUA. Para o conselheiro de segurança nacional de Biden, Jake Sullivan, a negociação do republicano deixou a Biden apenas duas opções: seguir com a partida do país ou ficar e arriscar confronto aberto com o Talibã.

Biden repetiu o discurso à nação e disse que após maio já não havia nenhum tipo de acordo vigente para proteger os americanos no Afeganistão de ataques do Talebã. Segundo Biden, se optasse por ficar, ele teria que aumentar o contingente americano no país. E afirmou que ver os americanos arcando com os custos humanos e financeiros de estabilizar o Afeganistão era exatamente o que China e Rússia, os dois maiores antagonistas dos EUA, queriam ver.

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Combatentes do Talebã após ocupação da província de Gázni, em 12 de agosto
Foto: EPA / BBC News Brasil

A decisão de Biden de retirar as tropas americanas agora era popular com seu público doméstico. Em julho, quase 60% dos americanos queriam o fim da ocupação americana no Afeganistão, segundo uma pesquisa do Instituto YouGov. Entre os democratas, a fatia que apoiava a saída chegava a 72%

A ação, no entanto, está se transformando em um dos maiores reveses para Biden desde o início do governo, em janeiro. As cenas da retirada às pressas de diplomatas americanos da embaixada em Cabul relembraram os americanos de sua derrota em Saigon, no Vietnã.

Além disso, os críticos afirmam que os americanos deixaram para trás milhares de afegãos que colaboraram com as ações americanas nos últimos 20 anos. Essas pessoas podem ser presas ou até mortas pelo Talibã agora. Biden apenas vagamente disse que vai continuar a liberar vistos aos afegãos que tenham direito a eles.

E afirmou que, como faz no restante do mundo, defenderá os direitos de mulheres e meninas. Até 2001, elas não eram autorizadas pelo Talibã a estudar e trabalhar.

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