Em meio aos pedidos de desculpas de Francisco por causa dos escândalos de pedofilia no clero, uma carta de um ex-representante católico nos Estados Unidos pode ampliar a crise na Igreja decorrente dos repetidos casos de abuso que abalaram sua imagem em vários países.
Divulgado pela imprensa norte-americana, o documento foi escrito pelo arcebispo italiano Carlo Maria Viganò, ex-núncio apostólico (espécie de embaixador da Igreja) em Washington, que diz que o papa Francisco sabia dos crimes cometidos pelo cardeal Theodore McCarrick.
O prelado de 88 anos foi tirado do colégio cardinalício em julho passado, após ter sido acusado de violentar um adolescente 45 anos atrás, quando era padre em Nova York, e de forçar relações sexuais com seminaristas adultos.
Viganò, no entanto, alega que Francisco sabia dessas denúncias desde o início de seu Pontificado, em 2013, mas permitiu que McCarrick continuasse atuando livremente até o caso vir a público.
Na carta, o ex-núncio diz que o papa Bento XVI sancionara o cardeal a uma vida de reclusão e oração por causa das alegações referentes a seu comportamento sexual com seminaristas.
Em 2013, pouco depois da entronização de Francisco, Viganò teria alertado pessoalmente o novo Pontífice sobre a ordem para McCarrick se afastar da vida pública, o que só aconteceria no fim de julho de 2018.
"O Papa não fez o menor comentário sobre aquelas graves palavras minhas e não mostrou qualquer expressão de surpresa em seu rosto, como se ele já soubesse do caso, mudando imediatamente de assunto", diz a carta do ex-núncio.
Viganò ainda acrescentou que Jorge Bergoglio afirmara que os bispos norte-americanos não poderiam ser "ideologizados". "Nem de direita, nem de esquerda, e quando eu falo de esquerda, quero dizer homossexual", ressaltara Francisco, segundo o italiano.
Procurado pelo jornal "The Washington Post", Viganò confirmou o teor da carta, mas se negou a fazer comentários. O Vaticano, por sua vez, não se pronunciou. O documento vem a público em meio à viagem do Papa à Irlanda, um dos países onde a imagem da Igreja mais sofreu com escândalos de pedofilia.
O tema tem dominado a visita de Francisco, que já pediu perdão em pelo menos três ocasiões e ainda se reuniu com oito vítimas em Dublin.
Disputas
A carta também simboliza a divisão dentro da Igreja por questões que vão além da pedofilia. Viganò era núncio em Washington desde 2011, mas foi chamado de volta a Roma em 2016, após ter se enredado na luta dos conservadores dos EUA contra o casamento gay.
Hoje com 77 anos, ele se tornou opositor de Bergoglio e, na carta divulgada neste fim de semana, chega até a pedir a renúncia do Pontífice, como cardeais conservadores já haviam feito por causa das aberturas de Francisco a divorciados.
No Vaticano, suspeita-se que alas do episcopado dos EUA estejam por trás da divulgação da carta de Viganò, por causa de sua insatisfação contra a "linha dura" do Papa contra expoentes de um clero manchado por "crimes".
Em 2015, ainda como núncio, Viganò arranjou um encontro entre Francisco e uma tabeliã norte-americana, Kim Davis, que se negara a casar homossexuais em seu estado, Kentucky. Mais tarde, o Vaticano teve de vir a público para explicar que Davis era apenas convidada da Nunciatura Apostólica em um evento e não tivera nenhuma conversa privada com o líder católico.
Além disso, explicou que o suposto encontro não poderia ser considerado um "apoio" do Papa à causa de Davis.