Ghassan Abu Sittah é um cirurgião plástico e reconstrutivo britânico que atualmente trabalha no Hospital al-Shifa, na cidade de Gaza.
"Não há lugar mais solitário no mundo do que a cama de uma criança ferida que já não tem família para cuidar dela", escreveu o médico nas redes sociais.
Abu Sittah trata feridos dos lançados por Israel após o ataque do Hamas que deixou pelo menos 1.400 mortos em território israelense.
Até o momento, os bombardeios israelenses em Gaza deixaram pelo menos 3.300 mortos e 13.000 feridos, disse Mai al-Kaila, ministra da Saúde palestina, na quarta-feira (18/10).
Abu Sittah disse à BBC que cerca de 40% dos feridos que chegam ao hospital são crianças.
"Todos têm ferimentos causados por explosões, há ferimentos horríveis com estilhaços e queimaduras, pessoas que foram retiradas dos escombros de suas casas", disse.
O cirurgião descreve as cenas que vê em Gaza como "o fenômeno da criança ferida, sem família sobrevivente".
"Todos os dias temos casos em que nos dizem que este é o único membro sobrevivente da família", disse ele.
O médico informou que tratou uma menina de cinco anos com queimaduras e outra menina de quatro anos também com queimaduras faciais e ferimento na cabeça.
"Elas foram as únicas desenterradas vivas dos escombros da casa da família."
O cirurgião observou que dias antes havia operado a filha de uma médica no hospital al-Shifa, em Gaza. A médica morreu nos bombardeios junto com seu outro filho, e a menina ferida foi a única sobrevivente.
Caroline Hausmann dirige a CFAB, uma organização internacional que ajuda órfãos vítimas da guerra.
Neste momento, a organização não pode estimar o número de crianças sem família. Mas ela observou que o número será "enorme".
Hausmann diz que as crianças são frequentemente exploradas. O Hamas trouxe quase 200 reféns, incluindo crianças e deficientes, para Gaza. Acredita-se que estejam em andamento negociações para libertá-los junto a mulheres.
"Trabalhamos para conectar as crianças de ambos os lados com as suas famílias, independentemente das circunstâncias", disse a diretora do CFAB.
"Qualquer criança que perca os pais como resultado da guerra ficará traumatizada e enfrentará um longo caminho para a recuperação", disse ela. "Haverá centenas, senão milhares de crianças afetadas."
Em Gaza, grupos que trabalham com refugiados afirmaram que já houve enorme procura por apoio psicológico e social para as crianças afectadas pelos ataques após 7 de outubro.
"Com o trauma, o transtorno de stress pós-traumático e a depressão que as crianças sofrem, a situação só pode piorar", disse Tamara Alrifai, da agência das Nações Unidas para os refugiados palestinianos, UNRWA.
O médico Abu Sittah disse que a sua família no Reino Unido foi visitada pela polícia antiterrorista britânica.
Numa entrevista ao programa Newsnight, da BBC, o médico disse que a sua família foi interrogada e que agora está consultando advogados.
"Preciso descobrir por que alguém achou uma boa ideia perguntar à minha esposa onde estou, quem pagou minha passagem e para qual instituição filantrópica eu trabalho", disse o cirurgião.
"É uma tentativa brutal de assédio... como se minha esposa não tivesse o suficiente com que se preocupar", acrescentou.
Em comunicado, a polícia local disse à BBC: "Em 16 de outubro, agentes da polícia que responderam a uma denúncia de que um homem planejava viajar para uma zona de guerra compareceram a um endereço no norte de Londres, onde falaram com um dos ocupantes".
A polícia acrescentou ter estabelecido que "o homem havia deixado o Reino Unido para fins humanitários".
Abu Sittah diz que muitas pessoas no norte de Gaza não seguiram o aviso do exército de Israel para se deslocarem rumo ao sul para evitarem serem atacados.
Elas permaneceram em suas casas, diz ele, porque áreas supostamente seguras estão sendo atacadas "com a mesma ferocidade" que aquelas que não são.
O médico afirmou que "não é possível" evacuar o hospital al-Shifa, onde a maioria dos pacientes está "gravemente ferida".
Muitos dos que permanecem em suas casas no norte de Gaza também temem ser forçados a abandonar totalmente o território.
"Tornar-se refugiado é uma parte muito importante da identidade palestina. As pessoas simplesmente não querem passar por isso novamente e é por isso que ficam", disse o cirurgião à BBC.