Durante a semana, o presidente norte-americano Donald Trump disse que "nenhuma opção está descartada" em relação à Coreia do Norte, depois que o país disparou, na última semana, um míssil que sobrevoou o Japão.
Isso antesa de Pyongyang anunciar, neste domingo, a realização de um teste nuclear com uma bomba de hidrogênio que poderia ser instalada em um míssil de longo alcance.
Apesar de diversas sanções diplomáticas e econômicas, a Coreia do Norte não apenas se recusa a interromper seu programa nuclear como parece estar desenvolvendo capacidades mais ousadas de forma mais rápida que o esperado.
Mas como se daria uma eventual ação militar contra o regime de Kim Jong-un? A BBC ouviu Justin Bronk, analista do Royal United Services Institute, um dos principais centros do mundo em estudos de defesa e segurança.
Bronk afirma que, mesmo com todo o poderia militar americano, as opções disponíveis são limitadas.
Entenda algumas delas:
Opção 1: Aumentar a contenção atual
Trata-se de simplesmente ampliar as ações que já estão em curso. É a opção menos arriscada e provavelmente a menos efetiva, uma vez que as estratégias atuais (sancções) tiveram pouco sucesso em deter o programa nuclear norte-coreano e o desenvolvimento de mísseis balísticos no país.
Os Estados Unidos poderiam deslocar mais tropas terrestres para a Coreia do Sul. Artilharia pesada e veículos blindados estariam no pacote, além do sistema antimísseis Thaad, testado em julho, mas cercado de polêmica - moradores de onde o sistema está localizado na Coreia do Sul temem se tornar um alvo em potencial,e a China diz que ele interfere com suas operações militares".
Ainda assim, seria uma forma de mostrar disposição para usar a força.
O problema é que Seul vetou temporariamente o uso do Thaad e é frontalmente contrária ao aumento no número de tropas dos EUA em solo. O governo sul-coreano teme que a chegada de mais tropas seja vista como uma provocação pelo Norte.
E, de fato, a Coreia do Norte quase certamente interpretaria esse tipo de movimento como o prelúdio de uma invasão terrestre. É o que sugere a reação do governo norte-coreano aos exercícios conjuntos que são realizados todos os anos pelos exércitos da Coreia do Sul e dos EUA.
Russos e chineses também seriam frontalmente contrários ao aumento das tropas. E ambos têm o poder de complicar a vida dos EUA em lugares como o leste europeu e o mar da China.
A Marinha dos EUA poderia aumentar sua presença em torno da Península Coreana, enviando mais cruzadores e destroieres com capacidade para abater mísseis. Outra possibilidade é enviar uma segunda frota à região, com cerca de 7,5 mil homens e um porta-aviões. No jargão militar, esse tipo de formação é chamado de "carrier strike group".
Em conjunto com as operações navais, a Força Aérea americana poderia ampliar sua presença na região. Mais esquadrões de caças, aviões de vigilância e bombardeiros poderiam ser deslocados para bases avançadas em Guam (território dos EUA na Micronésia), na própria Coreia do Sul e no Japão.
O problema é que tanto a Marinha quanto a Força Aérea dos EUA já estão sendo empregadas pesadamente em outros países do mundo. E ambas as forças estão em um momento de desgaste, após mais de uma década de uso intenso. Operações no Iraque e no Afeganistão, por exemplo, contribuíram para a sobrecarga.
Mais importante, porém, é o fato de que o tempo está do lado da Coreia do Norte: um aumento da presença militar americana não forçaria, por si só, a interrupção do programa de armas nucleares do regime ditatorial. E o desenvolvimento dessas armas e dos mísseis balísticos está em ritmo acelerado.
Qualquer decisão de abater os mísseis balísticos norte-coreanos que deixem o espaço aéreo do país demandaria um aumento significativo da presença da Marinha dos EUA na área.
A Coreia do Norte controla um arsenal grande de mísseis balísticos. Já os foguetes interceptadores americanos, além de muito caros, são transportados em pequenas quantidades em cada navio.
Os norte-coreanos podem portanto, em tese, esgotar os estoques de mísseis dos navios americanos. Vulnerável, a frota teria de retornar ao porto.
Tal política, portanto, representaria uma opção extremamente custosa e provavelmente insustentável. Além disso, traz o risco de uma escalada ao nível de conflito armado.
Opção 2: ataques cirúrgicos
A Força Aérea e a Marinha americanas detêm a maior capacidade de realizar ataques aéreos cirúrgicos no mundo.
Pode parecer tentador, à primeira vista, empregar rajadas de mísseis de precisão Tomahawk, disparados a partir de submarinos. Ou bombardeios com aviões "stealth" B-2, que não podem ser detectados por radares, de modo a atingir posições-chave do programa nuclear norte-coreano.
É possível ainda causar danos pesados até mesmo a alvos subterrâneos e fortificados, usando a bomba conhecida como "MOP", de 14 toneladas.
O risco imediato aos aviões americanos depende de muitos fatores, inclusive a quantidade de alertas recebidos pela Coreia do Norte e o número de aeronaves envolvidas. Importa ainda a extensão do uso de aviões não-stealth, que podem ser detectados por radares, dentro da área coberta pelas defesas norte-coreanas.
De qualquer forma, o estado atual da defesa antiaérea norte-coreana é difícil de determinar. Trata-se de um mix de tecnologias russas/soviéticas, chinesas e domésticas, incluindo mísseis terra-ar e radares, adquiridos ao longo dos últimos 50 anos.
A defesa norte-coreana está entre as mais densas do mundo. Foi modificada e avançada a um grau ainda desconhecido, e é difícil avaliar o quão preparada estará para a eventualidade de um ataque.
O cenário será de pesadelo se os EUA perderem aeronaves para ataques inimigos ou devido a acidentes. A escolha será entre tentar resgatar a tripulação ou abandoná-la ao regime norte-coreano.
Mais significativo, porém, é o fato de que mesmo ataques bem-sucedidos contra instalações nucleares ou de mísseis, a centros de comando ou aos líderes do regime não impedirão a Coreia do Norte de retaliar.
O Exército do Povo, como são chamadas as Forças Armadas da Coreia do Norte, ainda poderia atacar de forma devastadora a Coreia do Sul - um aliado-chave dos EUA.
A força norte-coreana é formada por mais de 1 milhão de soldados regulares. Alguns estimam em 6 milhões o número de reservistas e grupos paramilitares.
Há ainda um número enorme de foguetes e peças de artilharia convencionais enterrados próximos à zona desmilitarizada entre as duas Coreias. Milhares desses equipamentos estão em posições que lhes permitiriam atingir áreas em Seul. E a capital sul-coreana tem cerca de 10 milhões de habitantes.
Mesmo o poderio militar dos EUA levaria dias para eliminar totalmente essas armas. No meio tempo, dezenas de milhares de disparos poderiam ser feitos.
Os danos seriam catastróficos em uma cidade moderna e populosa como Seul, e ao próprio exército sul-coreano. É por isso que a Coreia do Sul é contra tomar qualquer iniciativa militar contra o vizinho do Norte.
Mesmo sem uma arma nuclear utilizável neste momento, e sem invadir a Coreia do Sul, o regime de Kim Jong-un poderia causar devastação do outro lado da fronteira. Seria o fim da aliança entre a Coreia do Sul e os EUA como a conhecemos.
Opção 3: invasão militar completa
Essa é uma opção extremamente improvável - principalmente por conta do tamanho do Exército do Povo, o poder de sua artilharia, a densidade de suas defesas aéreas e a relutância da Coreia do Sul em apoiar qualquer ação militar dos EUA.
Qualquer tentativa de realmente invadir a Coreia do Norte requereria meses de movimentações militares visíveis dos EUA e a colaboração total da Coreia do Sul. Além de alguma forma de garantir que a capacidade nuclear norte-coreana, cuja extensão é desconhecida, seja totalmente desmantelada.
Essa opção também envolve a morte de centenas de milhares de pessoas nos dois lados do conflito.
Sobre o programa de mísseis norte-coreano:
- A Coreia do Norte vem trabalhando em seu programa de mísseis há décadas, com armas baseadas na família de mísseis soviéticos Scud.
- Disparos de curto e médio alcances são frequentes, tanto para marcar datas nacionais quanto em momentos de tensão política na região.
- Nos últimos meses, a frequência dos testes aumentou. Especialistas dizem que a Coreia do Norte parece estar próxima de atingir o objetivo de controlar um míssil confiável de longo alcance com capacidade para transportar uma arma nuclear.
- Em julho, a Coreia do Norte disparou dois mísseis que seriam do tipo balístico inter-continental (ICBM, na sigla em inglês), capazes, em tese, de atingir os EUA. Especialistas dizem que partes dos EUA poderiam ser atingidas.
- Não há consenso sobre o quão perto a Coreia do Norte está de obter uma bomba nuclear pequena o suficiente para ser transportada por um míssil, mas no último domingo o regime anunciou um teste "bem-sucedido" com uma bomba de hidrogênio "miniaturizada".
Além da artilharia pesada, o Exército do Povo norte-coreano treina há muito tempo para realizar infiltrações de larga escala na Coreia do Sul. Bimotores que voam a baixas altitudes e são por isso difíceis de detectar em radares seriam usados. Barcos pequenos e mini-submarinos (de menos de 150 toneladas) também estão no pacote.
Essas armas aumentariam o caos e a perda de vidas na eventualidade de um conflito de larga escala. Também dispersariam a atenção das forças americanas e sul-coreanas, que estariam em menor número, apesar de tecnologicamente superiores.
A última vez que os EUA e seus aliados entraram no Norte foi durante a Guerra da Coreia (1950). Na ocasião, a China entrou no conflito ao lado da Coreia do Norte, para evitar o surgimento de um regime unificado e aliado ao Ocidente em sua fronteira terrestre.
E a China ainda não está preparada para viver esta situação - evitar algo do tipo é a principal razão dos chineses para ajudar o regime norte-coreano por tanto tempo.
Finalmente, mesmo que esses imensos problemas pudessem ser resolvidos de alguma forma, uma invasão bem-sucedida da Coreia do Norte deixaria os EUA responsáveis pela reconstrução de um país devastado.
A Coreia do Norte vive em um estado sem precedentes de manipulação psicológica, dificuldades econômicas crônicas e isolamento, há mais de 60 anos.
A verdade é que todas as opções militares disponíveis para os EUA lidarem com a Coreia do Norte trazem riscos e custos elevados. E os resultados são incertos e potencialmente problemáticos.