Conheça a cidade onde um policial é morto todos os dias

A cidade de Karachi, no Paquistão, registra índices de assassinatos de agentes da lei tão altos quanto todo o Brasil em um ano

21 nov 2014 - 11h30
Luta contra o Taleban resulta em alto número de mortes de policiais em Karachi
Luta contra o Taleban resulta em alto número de mortes de policiais em Karachi
Foto: BBC News Brasil

No coração econômico e cultural do Paquistão, a mais de mil quilômetros da conturbada fronteira norte com o Afeganistão, uma cidade registra tantas mortes de policiais por dia quanto o Brasil inteiro.

A linha de frente da batalha contra o Taleban se estende até Karachi, a cidade mais populosa e pujante do Paquistão. Com um efetivo de cerca de 15 mil homens, a polícia local registra em média uma morte de policial por dia.

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Para se ter ideia, a média é semelhante à do Brasil como um todo (1,3 morte registrada por dia) no ano de 2013, segundo o anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. No Rio de Janeiro a média é de uma morte a cada 3,5 dias e em São Paulo uma a cada quatro dias.

Cinco meses atrás, o Taleban protagonizou um ataque audacioso. Dez homens fortemente armados vestidos de funcionários da segurança invadiram o terminal de cargas do aeroporto de Karachi, o mais movimentado do país, com o objetivo de sequestrar um avião.

O confronto com a polícia se estendeu por toda a noite e os combatentes foram mortos ou cometeram suicídio. Ao todo 28 pessoas morreram no episódio.

A polícia de Karachi está revidando os ataques do Taleban e tentando expulsar os militantes do grupo que se escondem nos subúrbios da cidade.

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"Eles (os militantes do Taleban) são criminosos comuns", diz à BBC Ijaz, um oficial do Departamento de Investigação Criminal da polícia de Karachi.

"Eles geram dinheiro com a venda de drogas, extorsões e sequestros para financiar sua guerra. O Taleban está envolvido em todo tipo de crime que você possa imaginar. Você vai encontrá-los em cassinos ilegais, na venda de bebidas e frequentemente controlando a prostituição."

Ijaz tem apenas 30 anos, mas aparenta mais velho. A reportagem da BBC o encontra em seu escritório, envolto em uma núvel de fumaça de cigarro. Ijaz sempre leva um telefone em uma mão e um cigarro na outra.

"É mais fácil lutar com o Taleban no norte do Paquistão porque há uma alvo claro. Mas na cidade de Karachi isso fica muito difícil porque há mais de 70 células operando aqui e você não sabe onde o seu inimigo está. Estamos em uma guerra real."

Incursões noturnas

Há mais de uma década a capital econômica do Paquistão tem sido assolada por assassinatos motivados politicamente. Agora a maioria dos partidos tem como inimigo comum o Taleban, que se aproveita da diversidade étnica da cidade para ficar incógnito.

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"Eles se escondem em favelas onde ninguém estranha se você for Pathan ou Punjabi, ou de áreas tribais", diz Ijaz. "Você pode vir de qualquer parte da Ásia e ninguém vai olhar torto para você. Passará completamente despercebido."

Ijaz e sua equipe de 25 agentes armados fazem operações noturnas regularmente em áreas que servem de esconderijo para os milicianos. São locais dos quais as unidades regulares da polícia não se aproximam.

Durante uma dessas patrulhas, Ijaz explica que estamos a caminho da casa de um suspeito de treinar homens bomba. A polícia acredita que ele é quem transporta os extremistas aos locais onde detonarão os explosivos.

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Logo as luzes brilhantes do centro de Karachi ficam para trás. Dirigimos passando por prédios que parecem vazios. Ijaz explica que suas operações ocorrem entre 1h e 4h, em regiões muito populosas. Nelas, a população tem que pagar taxa de proteção para o Taleban e estranhos são impedidos de entrar.

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"Há esconderijos, simpatizantes e provavelmente armas, por isso temos que ter cuidado", diz ele.

Mas quando nosso comboio de cinco veículos deixa a rua principal e entra ruidosamente em uma trilha, não consigo tirar da cabeça que nossa aproximação é qualquer coisa, menos discreta.

O policial explica que quando chegarmos alguns agentes vão usar escadas para subir ao segundo andar da construção, enquanto outros vão realizar buscas na área. Os motoristas posicionarão os carros para uma retirada rápida.

O carro é estacionado e Ijaz veste uma máscara para esconder sua identidade. A polícia é rotineiramente feita de alvo por grupos ligados ao Taleban.

Alguns policiais iluminam a área com lanternas. Outros escalam uma cerca apontando armas. Outro grupo arromba uma porta.

Momentos depois, um homem ainda grogue de sono é trazido para fora da casa. A polícia tenta confirmar sua identidade enquanto o empurra para dento do carro - que logo parte para a delegacia de polícia.

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Interrogatórios

No complexo policial onde Ijaz trabalha há diversas pessoas detidas por suspeita de conexão com o Taleban. Ele fala abertamente sobre uma técnica que chama de "torção de braço".

O policial também admite que a polêmica técnica de interrogatório chamada "waterboarding" - que provoca no interrogado a sensação de afogamento e é considerada uma forma de tortura - é usada ocasionalmente.

"Você não pode presentear um suspeito com um buquê de flores e pedir a ele que diga a verdade. Você não pode dizer: 'Vou te dar uma barra de chocolate se contar a verdade', porque eles não são crianças, são criminosos perigosos e devem ser tratados como tal", afirma Ijaz.

A Comissão de Direitos Humanos do Paquistão, entretanto, tem uma visão diferente sobre o assunto. O órgão já acusou a polícia paquistanesa de praticar tortura contra suspeitos presos e até promover execuções extrajudiciais.

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A reportagem da BBC não é autorizada a falar com o suspeito recém capturado. Mas Ijaz permite abordar outro suspeito de envolvimento com o Taleban.

O homem tem suor escorrendo pelo pescoço, mas não está nervoso e quer falar. Ele está algemado e vendado – medida que serviria para evitar represálias contra os policiais.

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É impossível saber se ele responderá honestamente às minhas perguntas, especialmente porque Ijaz está a seu lado segurando um bastão. Mas parece ansioso para conversar.

"Eu preparo os garotos para as missões suicidas. Nós pegamos acolescentes de 13 a 17 anos. Incutimos neles a paixão pela jihad (guerra santa) violenta e dizemos que eles têm que se sacrificar por sua religião", diz.

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"Plantei bombas na cidade. Posso colocar bomba em um carro, um riquixá ou um bloco de cimento. Matei entre 20 e 25 pessoas nesses ataques", ele prossegue.

"Quando leio nos jornais as notícias sobre pessoas morrendo eu fico feliz, porque são todos uns hipócritas. Também sei usar armas: matei quatro ou cinco policiais usando uma pistola 9 mm."

O preso afirma ter realizado seus ataques por acreditar que suas vítimas tinham ligação com os Estados Unidos.

Eu digo a ele que assassinatos, extorsões e venda de drogas são condenados pelo Islã.

Ele responde: "Nós temos que pagar por nossas armas e balas. Você pensa que essas coisas são de graça? Nosso líder nos disse que não há problema em fazer isso porque estamos em guerra. Estamos lutando uma guerra santa".

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'Desmoralizado'

Mais tarde fico sabendo que ele é acusado de assassinato e conspiração contra o Estado. Mas é difícil saber quando irá a julgamento, devido à morosidade da Justiça paquistanesa.

De setembro de 2013 a agosto deste ano ninguém foi condenado pela Justiça por terrorismo. Ijaz diz que isso desmoraliza seus colegas.

"As testemunhas têm medo. Testemunhar em um tribunal contra o Taleban é um risco que muitas pessoas não querem correr hoje em dia."

"Também enfrentamos falta de recursos para fazer escutas telefônicas e perícias. Um caso pode durar até mais de dez anos. Justiça atrasada é Justiça negada."

Mas ele diz que se mantém motivado. "Não seremos intimidados por esses terroristas. Já vencemos moralmente e um dia venceremos fisicamente", afirma.

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