Os números das eleições gerais na Índia, que iniciam nesta segunda e terminam somente em 12 de maio, impressionam. 814 milhões de pessoas – 100 milhões a mais do que há cinco anos – poderão votar em 930 mil colégios eleitorais, equipados com 1,4 milhão de urnas eletrônicas, que serão levadas até as regiões mais remotas, por transportes aéreo, marítimo-fluvial e até mesmo mulas.
No total, 11 milhões de indianos trabalharão no processo eleitoral, que ocorre em um cenário de desaceleração da economia, desemprego, escândalos de corrupção e graves problemas sociais.
O principal embate se dará entre os nacionalistas hindus do Partido do Povo Indiano, representado pelo candidato Narendra Modi, e o partido do Congresso, da tradicional família Gandhi, representado por Rahul Gandhi. Pesquisas apontam para a vitória do Partido do Povo Indiano, já que grande parte dos jovens está insatisfeita com o desemprego e a corrupção, e busca, portanto, uma mudança depois de uma década com a esquerda no poder.
Narendra Modi, filho de um vendedor de chá, já governou o estado de Gujarat três vezes e promete realizar reformas para recuperar a economia – que cresceu ‘apenas’ 5% em 2013 –, criar empregos e combater a corrupção, que explodiu no mandato do governo do Partido do Congresso.
Seu maior rival, Rahul Gandhi, de 43 anos, herdeiro da dinastia que governou o país desde a independência, não tem nada que pese a seu favor. Muito pelo contrário. Gandhi, que foi escolhido por sua mãe – dirigente do Partido do Congresso – para representar o grupo, tem pouca experiência, e os casos de corrupção do partido do governo, do qual é vice-presidente desde 2013, e a desaceleração da economia minam completamente uma remota possibilidade de vitória.
Na visão do professor de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) de São Paulo, Oliver Stuenkel, o governo atual parece não ter determinação para enfrentar os maiores desafios do país, e a maior parte da Índia não acredita que ele tenha capacidade para gerenciar e fortalecer a economia. Nesse sentido, Modi se mostra uma figura mais promissora, que promete implementar medidas que farão a economia crescer. “Ele (Modi) se apresenta como alguém dinâmico, que entende o setor privado e que entende que os interesses das empresas são um fator essencial para fazer a economia crescer”, conta Stuenkel.
Mas, segundo Stuenkel, a corrupção dos últimos quatro anos não é necessariamente um problema do Partido do Congresso, mas também de outros partidos que fazem parte do governo. Da mesma opinião compartilha Shobhan Saxena, correspondente do jornal The Times of India na América do Sul, e parceiro de Glenn Greenwald na produção de uma série de reportagens sobre a atuação da agência de espionagem americana NSA na Índia. Ele conta que todos os partidos da Índia têm problemas de corrupção, e que o governo não foi permeado por tanta ineficiência quanto fazem parecer as recentes acusações. Segundo Saxena, o governo atual teve seus momentos positivos.
“O atual governo promoveu programas de bem-estar social que beneficiaram os mais pobres com leis que garantem o direito à educação, o direito à comida, entre outros”, conta o jornalista. Segundo ele, esses programas sociais provocaram um imenso desagrado das grandes corporações, que passaram, por esse motivo, a apoiar Narendra Modi. “Em 2010, os principais bilionários indianos se reuniram em um evento em Ahmedabad e declararam que Modi deveria ser o primeiro-ministro. Agora, com o apoio de grandes corporações, ele controla a mídia e promove uma onda de neoliberalismo e neofascismo. As pessoas vão votar contra o Congresso porque o partido perdeu a batalha da percepção”, explica Saxena.
Como recuperar o vertiginoso crescimento econômico?
Saxena lembra que quando a economia global estava afundando, de 2008 a 2010, a Índia crescia quase 10% ao ano, mas que, naquele ano, as coisas mudaram de forma drástica.
“Sob a supervisão da Suprema Corte do país e da Controladoria e Auditoria-geral da Índia, vieram à tona alguns escândalos que aconteceram em setores que estavam alimentando a economia indiana: telecomunicações, carvão, mineração, setor imobiliário e gás. Em todos eles, as grandes corporações fizeram grandes lucros e causaram imensas perdas - de bilhões de dólares - para o Estado. Como a Suprema Corte ordenou que o Escritório Central de Investigação analisasse todos os escândalos, todas as atividades econômicas nesses setores foram paralisadas e a economia começou a declinar”, conta.
Segundo o jornalista, a forma mais eficiente de a Índia retomar o crescimento econômico é aumentar os escopos dos setores que dirigem a economia indiana, como a agricultura, da qual dependem 70% da população.
No ponto de vista de Stuenkel, “o mais importante para a Índia é reduzir os aspectos burocráticos, que impossibilitam a atratividade da Índia como país que recebe investimentos de fora”. Ele acredita que, se o candidato da oposição Narendra Modi, realmente assumir o cargo de primeiro-ministro, tentará facilitar o comércio da Índia com outros países. “Ele vai ser uma pessoa que, com certeza, vai participar das reuniões de Davos e que vai viajar muito com grandes comitivas de executivos para apresentar a Índia como potência mercantil. Ele vai enxergar na cúpula do Brics, no dia 15 de julho em Fortaleza, uma oportunidade para mostrar a Índia grande, a Índia que não sofre com dificuldades”, prevê o professor da FGV. Ainda segundo Stuenkel, além de tentar fortalecer laços econômicos com a União Europeia, os Estados Unidos e a África, Modi vai tentar se aproveitar do enfraquecimento das relações da Rússia com a Europa - que não quer mais depender da energia de Moscou - para fortalecer as relações comerciais com o país liderado por Vladimir Putin.
O combate à pobreza e à miséria
“Mais de 800 milhões de indianos vivem com menos de US$ 2 por dia. Mais de 75% das pessoas não têm acesso a toaletes e sistema sanitário. Mais de 70% não têm acesso á água potável e mais de 60% das crianças estão subnutridas. O equilíbrio de gêneros na Índia é um dos piores do mundo”, conta o jornalista Shobhan Saxena. Os problemas que existem em países de todo o mundo tomam na Índia imensas proporções por conta de sua população, a segunda maior do planeta. Contudo, na opinião de Saxena, ainda que o Congresso esteja há décadas no governo, ele não pode ser o único culpado pelos baixos índices sociais da Índia. Eles se devem também aos governos estaduais, principais responsáveis por planos de bem-estar social, que ignoraram completamente suas atribuições nessa área.
A centralização do sistema econômico também se revela um grande obstáculo. Na visão de Saxena, os governos do Congresso falharam ao priorizar, “erradamente, determinados setores”. “Enquanto a Índia estabelecia grandes instituições de educação superior, a educação primária foi ignorada. A Índia criou instituições de pesquisas nuclear e espacial, mas ignorou o sistema de saúde e questões prioritárias. Assim, o país tem bombas nucleares e satélites, mas não tem água potável , escolas, toaletes, empregos e estradas. Hoje, a Índia gasta US$ 100 bilhões comprando armas de outros países, mas investe apenas 1% de seu PIB em saúde pública. Mas nenhum partido político fala dessas questões na campanha”.
O que parece ser mesmo o maior desafio do novo governo indiano é fazer com que o crescimento econômico beneficie também as camadas mais pobres da sociedade. “Ainda hoje, há mais pessoas pobres na Índia do que na África inteira. A Índia é um país extremamente desigual. O milagre econômico dos últimos anos continua beneficiando poucos. Cerca de 400 milhões de pessoas ainda vivem na pobreza”, ressalta o professor de Relações Internacionais Oliver Stuenkel.
A política externa indiana e as relações de ‘amor e ódio' com Paquistão e China
A Índia tem um passado de conflitos de fronteira com a China e de guerras com o Paquistão. Desde que iniciou sua campanha, Narendra Modi tem alertado a China sobre suas políticas expansionistas, sugerindo que os dois países poderão travar novas disputas sobre a fronteira. Por outro lado, China e Índia têm mísseis nucleares e são grandes parceiros comerciais, o que, talvez, possa indicar que ambos não travarão disputas agressivas. “Embora seja possível que haja momentos de tensões, Modi sabe muito bem que para crescer economicamente, a Índia precisa fazer negócios com a China; o governo tem que ser muito estúpido para arriscar esse comércio por causa de disputa de fronteira”, explicam Stuenkel e Saxena.
Contudo, o jornalista indiano alerta para uma provável união da Índia com os Estados Unidos, o que poderia contrabalançar o poder da China e provocar “tensões com consequências imprevisíveis”.
Se a Índia não será dura com a China, o mesmo não se pode dizer da relação que o país manterá com o Paquistão, com o qual a Índia travou três guerras, e que tem sido amplamente criticado pelo candidato favorito, Narendra Modi, por conta dos ataques de militantes muçulmanos em território indiano.
Shobhan acredita que Modi assumirá uma postura severa em relação ao país. Ele lembra que, em 2011, depois de o Parlamento indiano ser atacado por terroristas, o governo, então liderado pelo partido de Modi (BJP), mobilizou o Exército para deslanchar um ataque contra o Paquistão, que só não foi realizado porque houve uma intervenção do então presidente americano Bill Clinton. Um ano após chegar ao poder, em 1999, o partido financiou uma guerra da Índia com o Paquistão nas montanhas da Caxemira, que acabou com 500 soldados indianos mortos.
“Modi é um fanático religioso que se autodenomina um nacionalista hindu. Ele ataca o Paquistão abertamente em seus discursos e se se tornar primeiro-ministro, nós poderemos ver uma postura mais agressiva contra o Paquistão e mais ataques a muçulmanos na Índia, como aconteceu em 2002, quando o BJP controlava o governo central” , diz Saxena.
Segundo o jornalista, o Paquistão tem estado com os olhos voltados para a Índia: “Enquanto os paquistaneses liberais estão apreensivos com relação a uma possível vitória de Modi, os fundamentalistas querem que ele vença para que possam usá-lo como desculpa para aumentar suas bases no Paquistão”.
Se o Paquistão está com os olhos voltados para a Índia, esta tem focado sua atenção no Afeganistão. Stuenkel explica que a Índia tem um histórico de sofrer com ameaças terroristas vindas deste país, e teme uma maior presença do Paquistão e especialmente dos talibãs no Afeganistão: “Uma guerra civil no Afeganistão pode desestabilizar a Índia e comprometer toda a estabilidade regional, existe uma grande preocupação indiana que o Paquistão possa novamente virar um país que protege terroristas”.
Um líder hindu e um país multicultural
A vitória de Modi, que é hindu, preocupa as minorias muçulmanas por sua frequente hostilidade com os muçulmanos.
Os distúrbios religiosos que ocorreram em 2002, no estado que governa, serviram de alerta para a comunidade, que não vê a candidatura e a vitória de Modi com bons olhos. Pouco após assumir o seu mandato, ativistas hindus mataram mais de mil muçulmanos em Gujarat, depois que 59 peregrinos hindus morreram quando o trem em que viajavam pegou fogo. A reponsabilidade de Modi no massacre nunca foi provada, mas uma secretária de seu governo foi condenada à prisão perpétua pelo envolvimento no atentado.
Diante das acusações de que Modi tenha participado ou feito “vista grossa” no atentado de Gujarat, as minorias religiosas temem que Modi não seja capaz de administrar um país com tantas diferenças culturais e religiosas. Para Saxena, a questão não é se Modi irá falhar, mas quando irá falhar.
“A Índia é um país multireligioso, multilinguístico, multicultural e multiétnico, com milhares de castas. A Índia conseguiu se manter todos esses anos como uma democracia com todas essas diferenças. No momento em que a democracia está sob ameaça, os problemas de religião, castas e classe vão aflorar e ameaçar a ideia de Índia. A Índia não tem apetite para um líder ditatorial. Em Gujarat, Modi é conhecido por sua política e estilo de trabalho ditatorial. Ele não gosta de oposição ou de desafios”.
Stuenkel também aponta para os problemas que Modi provavelmente terá com líderes de países muçulmanos e europeus, “onde a questão dos direitos humanos é importante”, e dentro do próprio governo formado por partidos com diferentes visões. “(...) ele não poderá implementar políticas muito radicais porque vai depender de partidos da coalização que não defendem os ideais dele”, relata o professor.
De acordo com Saxena, “muitas pessoas já começam a ver a ascensão de Modi como uma falha da ideia de uma Índia moderna, secular e democrática”. Agora só resta esperar até o dia 16 de maio para saber como os indianos terão se posicionado diante de um candidato que promete revolucionar a Índia, como diz Saxena, para o bem ou para o mal.