Mortes por excesso de trabalho são um problema tão antigo no Japão que há até uma palavra para designá-las: karoshi.
Agora, o governo e a iniciativa privada estão tomando uma medida para tentar diminuir o problema: trabalhadores poderão sair do trabalho mais cedo uma vez por mês.
O plano "Sexta-Feira Prêmio" incentiva empresas a liberarem seus funcionários às 15h da última sexta-feira do mês, a partir de fevereiro. Ainda não se sabe quantas companhia vão aderir.
A ideia ganhou força após o suicídio de uma funcionária da Dentsu, maior agência de publicidade do país, que costumava fazer mais de 100 horas extras mensais.
Sua morte foi apontada como um caso de karoshi e gerou uma investigação, levou ao pedido de demissão da presidente da companhia e causou muita preocupação em relação à cultura de trabalho japonesa.
Mas, com cerca de 2 mil mortes anuais ligadas ao excesso de trabalho no Japão, muitos dizem que o plano é apenas um pequeno passo rumo a uma mudança de atitude.
E não é a primeira vez que isso é visto como um problema no país, nem se trata da primeira tentativa de remediá-lo.
Descanso forçado
O governo já tentou - sem sucesso - fazer com que os japoneses aproveitem todo seu tempo de folga, porque, segundo o Ministério do Trabalho, eles usam só metade do que têm direito.
O número de feriados foi elevado para 16 por ano - em parte, para forçar as pessoas a descansarem.
O governo também encorajou a adoção de horários flexíveis, permitindo que funcionários públicos entrassem e saíssem mais cedo do escritório durante o verão.
Outra tentativa foi cortar a energia nos escritórios tarde da noite - algo que a Dentsu está tentando agora.
Isso contribuiu para mudar a ideia de que trabalhar além do horário é algo bom e fez alguns trabalhadores passarem a ir para casa na hora certa em alguns dias e a anunciarem a mudança nas redes sociais para encorajar outros a fazerem o mesmo.
Ainda assim, a carga horária não foi muito reduzida. Cerca de 22% da população trabalha mais de 49 horas por semana, de acordo com dados de 2014 do Instituto de Política do Trabalho e Treinamento do Japão.
Os dados colocam o país atrás da Coreia do Sul, com 35% dos trabalhores cumprindo uma jornada assim, e na frente dos Estados Unidos, onde o índice é de 16%.
Por que mudar?
Para o governo e empresas, há um interesse próprio, já que a economia do Japão está estagnada há mais de duas décadas.
A situação ficou pior com uma redução do consumo e da taxa de natalidade, dois fatores agravados pelo fato da maioria dos trabalhadores passar a maior parte do tempo útil em uma mesa de escritório.
A produtividade e a eficiência também estão sendo prejudicadas à medida em que os trabalhadores estão sempre à disposição. Dessa forma, as empresas não investem em tecnologias que economizam mão de obra.
Toshihiro Nagahama, economista-chefe do Instituto de Pesquisa de Vida Dai-ichi, disse que o consumo privado poderia subir 124 bilhões de yens (R$ 3,24 bilhões) em cada "Sexta-Feira Prêmio" se 100% dos empregados incluídos no programa forem para casa às 15h.
Mas ele diz não saber quantas pessoas de fato farão isso, o que pode minar o impacto positivo na economia caso muitos ignorem a ideia.
Mas por que companhias e empregados não adeririam ao plano? Bom, ser o primeiro a mudar seria difícil. As empresas estão enfrentando custos elevados, e os trabalhadores japoneses se sentem culpados de deixar colegas para trás.
"Há senso aguçado de trabalho em equipe e uma preocupação em não desapontar os colegas", disse Magahama.
Menos lealdade
Ter menos mão de obra ainda é especialmente difícil para pequenas empresas e negócios que estão batalhando para reduzir seus custos. O fato de muitas empresas serem familiares também torna antecipar o fim do expediente algo ainda mais complicado.
Mesmo com a "Sexta-Feira Prêmio", Nagahama acredita que muitos empregados compensarão as horas de trabalho em outros dias da semana ou se comprometerão com tarefas no horário de folga recém conquistado.
E não está claro se o governo do Japão implementará a ideia em sua própria estrutura - apesar do ministro da Economia, Trabalho e Indústria, Hiroshige Seko, ter dito que não marcará compromissos depois das 15h nestes dias.
Ainda que mudar uma cultura de trabalho tão enraizada seja difícil e que muitas tentativas anteriores tenham fracassado, ironicamente, o esforço atual pode ter a seu favor um declínio na lealdade dos trabalhadores às empresas.
Afetados pela reestruturação dos contratos de emprego que duravam a vida toda e faziam seus pais trabalharem em apenas uma companhia, os jovens podem achar que a chance de ir para os izakayas (bares) mais cedo em algumas sextas-feiras é o estímulo que faltava para adotar uma rotina de trabalho mais equilibrada.