O misterioso assassinato de Kim Jong-nam, meio-irmão e 'rival' do líder da Coreia do Norte, Kim Jong-un

15 fev 2017 - 10h30
(atualizado às 12h44)
Kim Jong-nam posa com o pai, Kim Jong-il
Kim Jong-nam posa com o pai, Kim Jong-il
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

O assassinato de Kim Jong-nam, meio-irmão do líder norte-coreano, Kim Jong-un, no aeroporto de Kuala Lumpur, na Malásia, não só teve contornos de um filme de Hollywood, como também instigou a curiosidade sobre quem ele era.

Kim Jong-nam esperava um voo para Macau, na China, na segunda-feira, quando uma mulher cobriu seu rosto com um pano que queimou seus olhos. A morte foi decretada horas depois, informaram autoridades malaias.

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Nesta quarta-feira, a imprensa internacional noticiou que uma mulher foi presa na manhã de terça-feira por suspeita de envolvimento na morte. Ela foi identificada como a vietnamita Doan Thi Huong, de 28 anos.

Kim Jong-nam usava um passaporte com um nome diferente na ocasião.

O filho mais velho do ex-líder norte-coreano Kim Jong-il, morto em 2011, teria fugido da Coreia do Norte depois de ter sido preterido em detrimento do irmão, Kim Jong-un, que acabou assumindo o poder.

A forma como o ataque aconteceu ainda está cercada de mistérios. O policial malaio Fadzil Ahmat afirmou ao jornal local The Star que Kim havia alertado uma recepcionista dizendo que "alguém o teria agarrado por trás e borrifado um líquido em seu rosto".

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Mas, em entrevista à agência de notícia Bernama, o mesmo policial mudou sua versão dos acontecimentos. Ele disse que uma mulher teria agarrado Kim por trás e "coberto seu rosto com um pano embebido em uma substância".

Relatos iniciais indicavam que ele havia sido atacado com um spray ou com uma agulha.

Os olhos de Kim "sofreram queimaduras como resultado da substância", informou Ahmat à Bernama. A vítima morreu a caminho do hospital, na cidade de Putrajaya.

"Por enquanto, não há suspeitos, mas começamos as investigações e estamos analisando as possibilidades para colher pistas", disse o policial à agência de notícias Reuters.

A notícia sobre a morte de Kim só foi divulgada um dia depois, na terça-feira. A autópsia do corpo deve ocorrer nesta quarta-feira. Kim Jong-nam nasceu no dia 10 de maio de 1971. Ele tinha 45 anos.

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Não foi a primeira vez que Kim viajava com uma identidade diferente da sua. Em 2001, ele foi flagrado tentando entrar no Japão com um passaporte falso. Segundo as autoridades, Kim planejava visitar a Disneylândia de Tóquio.

O episódio teria sido o estopim para que ele caísse em desgraça.

Ignorado em detrimento de seu irmão mais novo na sucessão de seu pai em 2011, Kim Jong-nam mantinha um perfil discreto, passando a maior parte do tempo em Macau, na China e em Cingapura.

Ele seria um entusiasta das máquinas caça-níqueis de Macau, um território chinês famoso pelos jogos de azar.

Também já teria sido alvo de tentativas de assassinato no passado.

Um espião norte-coreano preso na Coreia do Sul em 2012 admitiu que tentou simular um acidente de trânsito do qual Kim Jong-nam seria potencialmente a vítima. Mas o plano não deu certo.

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A Coreia do Norte é conhecida por enviar agentes secretos para realizar assassinatos, ataques e sequestros.

Biografia

Kim era filho de Kim Jong-il com uma de suas amantes, a atriz norte-coreana Sung Hae-rim, cujos pais, intelectuais sul-coreanos, emigraram para a Coreia do Norte durante a Guerra da Coreia.

Ela era casada quando conheceu o então líder norte-coreano, e o relacionamento não contava com a aprovação de Kim Il-sung, pai de Kim Jong-il.

Naquela época, Kim Jong-il era o favorito para suceder o pai e, na conservadora sociedade norte-coreana, a notícia de que ele teria tido um filho bastardo poderia minar suas ambições.

Por causa disso, Kim Jong-nam foi isolado e cresceu em segredo em uma mansão na região central de Pyongyang.

Como sua mãe, morta em 2002, sofria de problemas físicos e mentais, o que lhe exigia buscar tratamento fora da Coreia do Norte, ele acabou crescendo com sua avó materna e sua tia, Song Hye-rang.

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Em seu livro de memórias, Song, que fugiu do país nos nos anos 90 e vive hoje escondida na Europa, disse que Kim Jong-il era apaixonado pelo filho e sentia pena de estar longe dele.

Assim como seus irmãos, ele foi enviado para estudar em uma escola internacional na Suíça. Também morou na Rússia. Durante os dez anos em que viveu na Europa, aprendeu inglês e francês. No fim da década de 80, teria retornado a Pyongyang.

Sua exposição ao mundo exterior e sua falta de entusiasmo com o relativo isolamento da capital norte-coreana fizeram com que ele questionasse o sistema econômico e político da Coreia do Norte.

Em determinado momento, Kim Jong-il ficou tão frustado com o filho que ameaçou enviá-lo a um campo de prisioneiros políticos para trabalhar em uma mina de carvão.

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Mas, em vez de ser encarcerado, Kim Jong-nam passou seus vinte anos lutando contra as demandas de seu pai e suas expectativas irrealistas.

Por causa disso, Kim nunca foi considerado um candidato viável à sua sucessão, mas chegou a integrar o governo norte-coreano. Ele teria uma posição de comando no aparato de segurança interna do regime e também nas operações de troca de divisas fora do país.

Durante a Marcha Árdua na década de 90, quando milhares de cidadãos norte-coreanos morreram de fome, Kim participou de auditorias nas quais funcionários do Partido Comunista revisaram as finanças e as práticas de negócios das fábricas estatais.

Depois dessas análises, ele teria testemunhado execuções públicas de diretores das fábricas, acusados de roubar dinheiro público.

Tudo isso teria contribuído para aumentar a desilusão de Kim sobre o país no qual nasceu e sobre o sistema político que seu pai e seu avô comandavam.

Ele casou-se no fim dos anos 80 e teve vários filhos. Nos anos 2000, passou a morar fora da Coreia do Norte, fixando residência em Macau e em Pequim.

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Ainda assim, Kim seria responsável por administrar algumas das supostas contas dafamília no exterior (que totalizariam bilhões de dólares). Ele também estaria envolvido em alguns dos negócios ilícitos do país.

Mas foi em 2010 que Kim Jong-nam quebrou definitivamente o silêncio, em uma entrevista a um jornal japonês, na qual criticou o controle da Coreia do Norte por sua família e afirmou que seu irmão, Kim Jong-un, carecia de qualidades de liderança.

Na ocasião, Kim afirmou que o país entraria em colapso sem uma reforma, mas, caso fosse implementada, ela colocaria fim à dinastia familiar. Nesse contexto, acrescentou ele, seu irmão seria nada mais do que um "fantoche", controlado pela elite dominante do país.

Um dos filhos de Kim,Kim Han-sol, que nasceu em Pyongyang em 1995, mas nunca conheceu o avô, endossou a crítica feita pelo pai.

"Meu pai nunca se interessou por política", afirmou ele à ex-sub-secretária das Nações Unidas Elisabeth Rehn em uma entrevista a uma rede de TV da Finlândia em 2012.

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Rivalidade

Segundo Michael Madden, especialista em Coreia do Norte e professor-visitante da Universidade John Hopkins, nos Estados Unidos, a rivalidade entre os meio-irmãos foi alimentada especialmente pela mãe de Kim Jong-un, Ko Yong-hui.

No fim da década de 70, quando Jong-nam deixou o país para estudar fora, Kim Jong-il começou um relacionamento com Ko, uma dançarina japonesa de etnia coreana que trabalhava para uma prestigada trupe de dança.

Com ela, Kim Jong-il teve três filhos, entre eles, Kim Jong-un, que atualmente governa o país.

Mas, diferentemente de outras mulheres ou amantes de Kim Jong-il, Ko tomou gosto pelas intrigas palacianas, e tornou-se íntima dos principais conselheiros e generais próximos ao marido.

Quando Kim Jong-nam voltou da temporada de estudo no exterior, no fim da década de 80, já havia rumores de que Ko estava posicionando seu filho (Kim Jong-un) como o sucessor de Kim Jong-il, apesar desse tipo de discussão ser proibida na Coreia do Norte e poder ser punida com a morte.

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Mas, durante o fim da década de 90 e o início dos anos 2000, Ko tornou-se a primeira-dama de fato do país, acompanhando seu marido em inspeções militares e em eventos com funcionários do alto escalão.

Na avaliação de Madden, isso pavimentou o caminho para que o filho dela, Kim Jong-un, ou seu irmão mais velho, Kim Jong-chol, se tornassem herdeiros naturais do pai.

Quando Kim Jong-nam foi flagrado viajando com um passaporte falso no Japão, Ko utilizou-se internamente desse episódio para reforçar que um de seus filhos sucedesse o líder norte-coreano.

Foi a partir daí que, segundo o especialista, a rivalidade entre os meio-irmãos aumentou exponencialmente.

Ordem do assassinato

A morte de Kim Jong-nam ainda está sendo investigada. O principal suspeito seria Kim Jong-un.

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Mas para Madden, o assassinato não serviria aos interesses políticos do líder norte-coreano.

Uma eventual ordem para matá-lo acabaria por desgastar ainda mais a imagem internacional de Kim Jong-un: ele é acusado de impor um "reino de terror" na Coreia do Norte e sua saúde mental já foi colocada em xeque.

Neste sentido, Madden afirma que o assassinato só aumentaria ainda mais os rumores sobre a figura do líder norte-coreano, "satisfazendo" a rival Coreia do Sul.

"Kim Jong-nam não era uma ameaça ou um rival crível à liderança de Kim Jong-un. Ele nunca teve interesse em governar a Coreia do Norte", diz Madden.

"Além disso, morando fora do país por tanto tempo, Kim Jong-nam não tinha condição de formar uma base de poder entre as elites norte-coreanas".

Madden lembra que Kim Jong-nam também era muito próximo das elites chinesas e viveu sob proteção das autoridades daquele país durante muito tempo.

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Nos últimos meses, Pyongyang vinha tentando fortalecer os laços com Pequim, seu maior aliado e seu principal parceiro comercial.

"A menos que a utilidade de Jong-nam dentro do governo chinês tenha acabado, não seria do interesse geopolítico de Kim Jong-un assassinar seu meio-irmão", opina.

No entanto, ressalva Madden, Kim Jong-nam era visto pelas elites da Coreia do Norte como uma espécie de "neto da nação".

"Essas elites eram muito próximas de Kim Il-sung. Elas conheciam a história pessoal de Kim Jong-nam, os bastidores, e assim ele era tratado com um carinho especial pelos maiores heróis do país", diz.

"Esse carinho e essa relação não necessariamente formariam a base doméstica para apoio político, mas teria sido útil caso Kim Jong-nam se quisesse se apresentar como uma alternativa a Kim Jong-un", acrescenta.

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