A campanha eleitoral do republicano Donald Trump foi marcada por um "namoro" com o presidente russo, Vladimir Putin, mas esta relação pode ter data para acabar, de acordo com especialistas consultados pela ANSA. Apesar de prometer elevar o patamar das relações diplomáticas, o magnata encontrará uma série de interesses opostos entre Moscou e Washington no cenário internacional quando assumir a Presidência dos Estados Unidos, em 20 de janeiro.
"Nós temos vários Trumps. Temos o Trump no início da campanha, o Trump que enfrentou Hillary Clinton e, agora, o Trump que é o presidente dos EUA. Durante a campanha, ele jogou com essa suposta amizade com Putin, porque também era conveniente para o líder russo tirar os democratas do poder", disse à ANSA Sidney Ferreira Leite, professor de Relações Internacionals da Faculdade Belas Artes e especialista em Oriente Médio.
O maior adversário político dos Estados Unidos desde o fim da Segunda Guerra Mundial não economizou palavras para elogiar nem para explicitar sua preferência pelo polêmico empresário à frente da Casa Branca. Um mês depois da vitória do republicano nas eleições, ainda pairam as acusações de que hackers russos teriam interferido no processo eleitoral, com vazamento documentos sigilosos da candidata democrata e invasão de computadores para favorecer Trump.
"Mas agora, na Presidência, Trump terá que analisar os interesses de Washington em áreas estratégias. Essa relação com Putin não será tão fácil, porque os interesses são opostos, principalmente no Oriente Médio", analisou o especialista. Um dos pontos mais intricados é a crise na Síria. Se seu governo buscar uma aliança com a Rússia para combater o Estado Islâmico (EI), terá que prever o cenário posterior, ou seja, se aceitará o governo do ditador Bashar al-Assad.
"Se Assad ficar no poder, significa uma importante vitória para Putin, quem, desde o início da guerra na Síria, dizia que a oposição era formada por terroristas, enquanto os EUA armaram rebeldes e apoiaram a destituição do governo de Damasco", disse Sidney Leite. "Trump terá que pensar duas vezes antes de fazer uma aliança com a Rússia, porque é um preço muito caro a se pagar".
Para o cientista político e professor de Relações Internacionais da ESPM Heni Ozi Cukier, uma das opções de Trump é se aliar à Rússia apenas no combate ao Estado Islâmico, sem vinculá-lo ao futuro da Síria. "Os EUA terão que escolher quando se aproximam e quando recuam de Moscou. O governo George W. Bush tinha uma relação amigável com Putin e isso não refletia uma aliança de fato", disse.
Além da crise síria, outros assuntos aparecerão logo no início da gestão de Trump, como o acordo nuclear com o Irã. O magnata já anunciou que pretende se opor ao tratado, alcançado em julho de 2015 para inspecionar a produção nuclear de Teerã.
Segundo o republicano, ele tentará renegociar os termos do acordo, o qual diz ser "um dos piores que os Estados Unidos já assinaram". O governo iraniano também está descontente com o tratado e acusa Washington de não aliviar as sanções. Mas a Rússia, que apoiou as negociações junto com Reino Unido, França e China, entrará em alerta caso Trump reabra o tema.
No entanto, para não bater de frente com Moscou em todos os assuntos externos, o magnata republicano poderá adotar a estratégia de amenizar a pressão contra a Rússia no conflito na Ucrânica. "Trump vai dizer que a Rússia é uma parceira, amiga, e pode acabar aliviando na questão da Ucrânia, que é exatamente o que a Rússia quer", disse Cukier. "Mas essa decisão terá uma consequência chocante para a Europa", concluiu o professor da ESPM.
Isso porque outro mote da campanha de Trump foi confrontar a atual configuração do Tratado do Atlântico Norte (Otan). O republicano prometeu que, se eleito, exigiria mais participação financeira e militar dos países-membros e "não se sentiria obrigado a defender seus parceiros". "Falar que a Europa precisa invstir mais sozinha em defesa, e dar poder para seu inimigo, a Rússia, não faz sentido. Alguns países entrarão em pânico", afirmou Cukier. "Os EUA são como um cobertor de segurança, se decidirem se retirar, as animosidades vão aumentar entre os europeus. Alguns países do leste começarão a se armar, a sentir insegurança, questionando qual posição tomar também em relação à Rússia", analisou o especialista.