Enquanto caminhava despreocupadamente por uma praça pública ensolarada, o contrabandista parecia não ter ideia de que estava sendo seguido.
Ele é um homem baixo, atarracado, de 39 anos, usando um terno verde claro e um boné de beisebol — uma figura comum dando um passeio vespertino, do centro de recepção de migrantes até uma estação de bonde próxima.
Nossa equipe começou a correr.
"Nós sabemos quem você é", eu disse, quando o alcançamos no meio da praça da capital de Luxemburgo.
"Você é um contrabandista."
Foi um confronto que marcou o ápice de uma investigação da BBC que havia começado 51 dias antes — horas depois de cinco pessoas, incluindo uma menina de sete anos chamada Sara, terem morrido no mar ao norte da França. Ela havia sufocado ao ser imprensada sob corpos amontoados dentro de um barco inflável.
Esta investigação nos levou dos acampamentos informais de migrantes ao redor de Calais e Boulogne, a uma unidade da polícia francesa em Lille, uma cidade mercantil em Essex, ao porto belga de Antuérpia, Berlim, e finalmente a Luxemburgo — e a uma tocaia de três dias na porta do centro de recepção de migrantes do país.
O homem agora à nossa frente — de olhos apertados, com os ombros e mãos erguidos meio que num encolher de ombros — era, tínhamos a certeza, o contrabandista que havia sido pago para organizar a perigosa travessia de Sara e da sua família para a Inglaterra.
Esta é a história de como o localizamos.
"Juro que não sou eu", declarou repetidamente o contrabandista, recuando em direção a uma estação de bonde próxima, ao lado do Tribunal de Justiça Europeu de Luxemburgo.
Mas já tínhamos visto seu passaporte iraquiano e uma carteira de identidade italiana. Pouco depois de começarmos a confrontá-lo, uma última peça do quebra-cabeça se encaixou, quando o telefone que estava dentro do bolso dele começou a tocar.
A princípio, ele ignorou, mas quando finalmente tirou o celular do bolso, e vimos o número de telefone da ligação recebida na tela, tivemos a prova conclusiva de que ele era culpado.
Por que? Porque fomos nós que ligamos para ele.
Nas semanas anteriores, um membro da nossa equipe da BBC havia se passado por um migrante que pretendia atravessar o Canal da Mancha para Inglaterra. Depois de entrar em contato com vários supostos intermediários que trabalhavam na rede mais ampla do contrabandista, nosso colega, "Mahmoud", foi finalmente colocado em contato direto com ele.
Havíamos gravado secretamente várias conversas telefônicas com o contrabandista — falando com ele no mesmo telefone que ele agora segurava na mão. Nessas ligações, ele havia confirmado sua identidade, e nos disse que ainda trabalhava no mercado de contrabando.
Por uma taxa, ele disse que poderia nos oferecer "uma viagem tranquila" com "seguranças extras, todos portando armas" no próximo barco de pequeno porte que saísse do norte da França. O custo era de 1,5 mil euros (cerca de R$ 8,8 mil) por pessoa.
Enquanto estávamos diante dele agora, podíamos ver claramente o nosso número de telefone na tela do celular.
Havíamos encontrado o nosso homem.
A nossa investigação foi motivada pela experiência de assistir a um incidente desesperador que aconteceu na costa francesa em 23 de abril.
Estávamos aguardando, à noite, em uma praia perto da cidade turística de Wimereux — sabíamos que aquele era um dos locais preferidos de embarque.
Havíamos filmado um grupo de policiais franceses que tentava interceptar um barco, colidindo violentamente com dois grupos de contrabandistas e seus passageiros.
A polícia não conseguiu impedi-los de embarcar, e assistimos ao caos enquanto os dois grupos separados de passageiros brigavam por espaço no barco inflável perigosamente superlotado. Os contrabandistas costumam levar mais de 60 pessoas nesses barcos, mas este tinha mais de 100.
Uma garotinha de jaqueta rosa — mais tarde identificada como Sara — ficou brevemente visível nos ombros do pai.
Minutos depois, a poucas dezenas de metros da costa, ela e outras quatro pessoas estavam mortas.
Alguns sobreviventes e os corpos dos mortos foram levados de volta à costa por equipes de resgate francesas — mas o barco, com dezenas de pessoas ainda a bordo, acabou seguindo para a Inglaterra.
Foi o segundo incidente fatal do ano com um bote perto de Wimereux. Já havíamos noticiado ambos.
Nos dias que se seguiram, encontramos a família de Sara e conversamos com o pai dela, Ahmed, sobre o luto, sobre a culpa que ele e a esposa sentiam por terem colocado os filhos em risco, e sobre o medo da deportação iminente da Europa, o que motivou sua decisão de tentar a travessia para o Reino Unido.
Após fugir do Iraque, 14 anos atrás, a solicitação de asilo de Ahmed na Bélgica havia sido negada repetidamente, sob o argumento de que sua cidade natal, Basra, era agora classificada como uma área segura. Recentemente, ele foi avisado de que poderia ser deportado da Bélgica em poucos dias. Seus filhos — todos nascidos na Europa — cresceram vivendo com parentes na Suécia, mas também tinham acabado de receber a ordem final para deixar o país.
Só que queríamos ir mais fundo, encontrar os grupos criminosos específicos que eram responsáveis por aquele barco, e entender como se encaixavam dentro de uma rede maior e lucrativa que continuava a direcionar dezenas de milhares de migrantes para uma pequena faixa da costa francesa.
No dia 18 de junho, 15 barcos de pequeno porte transportaram 882 pessoas pelo Canal da Mancha — um recorde para um único dia em 2024, o que contribuiu para aumentar o número total que chegou ao Reino Unido até agora neste ano, superior a 12 mil.
Após a morte de Sara, a polícia britânica logo anunciou que havia detido dois supostos contrabandistas, que estão aguardando agora a extradição para a França. Mas eles eram jovens que supostamente estavam trabalhando no barco. Não os chefes todo poderosos que estão no comando nos bastidores.
Decidimos encontrar e conversar com o maior número possível de sobreviventes daquela noite de abril, nos reunindo com alguns nos acampamentos informais de migrantes ou nos albergues para solicitantes de asilo perto da costa na França. A maioria pediu que não divulgássemos seus nomes, até porque alguns planejavam fazer novas tentativas de atravessar o Canal da Mancha.
Um rapaz kuwaitiano, que esteve ao lado de Sara quando ela morreu e telefonou para a polícia francesa para pedir ajuda, conseguiu chegar ao Reino Unido algumas semanas depois. Nós o localizamos em Essex.
Muitas das dezenas de pessoas que embarcaram no barco com Sara e sua família não sabiam nada sobre os responsáveis pela operação. Elas haviam conversado apenas com agenciadores relativamente novos, que muitas vezes podem ser encontrados fora das estações de trem de Calais ou Boulogne, em busca de clientes em potencial.
Depois de acordado o preço — e raramente havia muita negociação —, a maioria das pessoas depositava o dinheiro eletronicamente junto a intermediários. Elas nos contaram que geralmente eram comerciantes de confiança, às vezes operando em barbearias ou supermercados, em lugares como Turquia, Paris ou Londres. Os intermediários repassariam então o dinheiro para a gangue de contrabandistas imediatamente após a travessia bem-sucedida.
Mas três pessoas — incluindo duas que estavam no mesmo barco que Sara — nos disseram que o grupo de contrabandistas com quem haviam negociado operava no porto de Antuérpia, cidade belga conhecida pelas redes criminosas e pelo comércio ilegal de drogas. Eles também informaram que a gangue era liderada por um homem apelidado de Jabal — "A Montanha", em árabe. Dois deles conheceram Jabal pessoalmente. Um havia falado com ele por telefone.
As pistas também nos levaram mais a leste, até Berlim, onde outra fonte confirmou a identidade de Jabal, e nos disse que ele havia prometido uma segunda tentativa de travessia, depois que a primeira deu errado.
Todas as nossas fontes, a esta altura, estavam nos dizendo que "A Montanha" estava na Bélgica, provavelmente em Antuérpia.
Chegamos a Antuérpia em maio, e começamos a elaborar um plano para localizar e confrontar "A Montanha". Um dos seus clientes anteriores havia compartilhado uma foto, e outra fonte havia nos fornecido uma cópia do seu passaporte iraquiano e de uma carteira de identidade europeia que parecia ter sido emitida em 2021, em uma remota cidade montanhosa italiana, onde estão em andamento investigações sobre o crime organizado.
Descobrimos que o verdadeiro nome de "A Montanha" era Rebwar Abas Zangana, um curdo do norte do Iraque. Solteiro. Aparentemente um muçulmano devoto. Ele próprio um migrante — com um status de imigração pouco claro — que teria morado recentemente em Calais, Bruxelas e Antuérpia. Nos disseram que ele trabalhava com dois sócios, e que poderia haver uma pessoa acima deles no Iraque.
Mahmoud — nosso colega que fala árabe e estava se passando por um migrante à procura de uma rota para o Reino Unido — encontrou um intermediário em uma barbearia em Antuérpia, que confirmou que conhecia "A Montanha", e que providenciaria para que ele nos telefonasse.
Esperamos quase duas semanas por aquela ligação, até que, finalmente, tarde da noite, nosso telefone tocou.
"Olá. Então você quer ir para a Grã-Bretanha? De quantos lugares (no barco) você precisa? Você está pronto?"
"A Montanha" falou usando frases curtas e concisas. Neste telefonema, e em duas conversas telefônicas subsequentes, ele confirmou que ainda estava em atividade, nos assegurando que a travessia do Canal da Mancha era "uma missão segura", e que havia aperfeiçoado suas táticas desde a morte de Sara.
"Quantos de vocês estão prontos?", ele perguntou, acrescentando que o tempo em Calais não estava bom o suficiente para uma travessia no dia seguinte.
Mas horas depois daquela primeira ligação para nós, soubemos por uma fonte que "A Montanha" havia deixado recentemente Antuérpia às pressas. O subentendido era que ele temia ser preso por seu papel nas cinco mortes de abril. Ele estava fugindo.
Nossa fonte compartilhou então uma captura de tela do telefone de "A Montanha". A imagem mostrava uma grande tenda branca com fileiras de camas pretas, o tipo de coisa que você veria em um acampamento de refugiados. Quando procuramos imagens semelhantes na internet, logo encontramos uma única imagem correspondente e muito parecida, em um artigo de 2022 sobre um novo centro oficial de recepção de refugiados e migrantes em Luxemburgo.
Dirigimos imediatamente até lá.
Luxemburgo é um país pequeno. Seu principal centro de recepção de refugiados e migrantes está localizado no moderno centro administrativo da capital. Por que será que "A Montanha" viria aqui? Talvez ele simplesmente esperasse ficar na encolha por um tempo ou solicitar asilo com um novo nome.
Mas como ter certeza de que ele sequer estava aqui? Não podíamos simplesmente vagar por ali. O complexo era fechado ao público em geral, com um único ponto de entrada/saída vigiado por pelo menos quatro agentes de segurança privados.
Naquela primeira noite em Luxemburgo, nosso colega, novamente se passando por um migrante chamado Mahmoud, conseguiu falar com "A Montanha" por telefone. Em uma ação coordenada, outro colega da BBC dirigiu ao mesmo tempo pela periferia do complexo, tocando a buzina do carro em intervalos regulares. Ouvindo a conversa, conseguimos escutar claramente o som da buzina pelo telefone do contrabandista. "A Montanha" estava aqui.
Mas como atraí-lo sem levantar suspeitas? Se ele fugisse novamente, e nós o perdêssemos, estaríamos de volta à estaca zero.
A única opção era montar tocaia.
E assim, durante três dias, a nossa equipe ficou de vigia, monitorando a entrada do complexo e observando de um ponto mais elevado com vista para o centro, o que nos oferecia uma visão de dentro.
Finalmente, pouco antes das 15h do terceiro dia, avistamos "A Motanha" saindo com um grupo de outros migrantes. Ele virou à esquerda, em direção à estação de bonde. Começamos a correr.
"Não sou eu, irmão. Não sei de nada. Qual é o seu problema?", ele disse, quando o alcançamos.
Ele parecia ansioso, mas manteve o tom de voz baixo e não partiu para o confronto, enquanto recuava em direção à estação de bonde.
Peguei uma foto de Sara, e perguntei se ele era o culpado pela morte da menina de sete anos. Ele balançou a cabeça novamente, negando.
Ligamos então para o número de telefone dele. Ele poderia ter ignorado a chamada. Poderia ter esperado em silêncio até o bonde chegar. Mas quando pedimos que ele atendesse o telefone, e nos mostrasse, ele pareceu momentaneamente confuso, e fez o que pedimos.
Chegando mais perto, vimos a tela e identificamos o número de telefone que vínhamos usando para ligar para ele há dias para organizar a travessia de barco até o Reino Unido.
Não poderia haver dúvidas sobre sua identidade.
Após confrontá-lo, comunicamos a polícia francesa — que está liderando a investigação sobre as mortes de abril — sobre as nossas descobertas. Eles disseram que não fariam comentários neste momento.
O Reino Unido está gastando meio bilhão de libras ao longo de três anos para apoiar os esforços da polícia francesa para proteger sua costa e para rastrear e desmantelar as redes de contrabando de pessoas em toda a Europa.
Mas a polícia de fronteira francesa nos disse que estava profundamente alarmada com a crescente violência dos contrabandistas, e — embora aleguem algum sucesso na prisão de líderes de gangues — autoridades franceses sugeriram reservadamente que uma solução a longo prazo vai depender de o Reino Unido mudar suas próprias políticas de imigração e trabalho.
Hoje, a família sobrevivente de Sara — seu pai, Ahmed, sua mãe, Nour, sua irmã Rahaf, de 12 anos, e seu irmão Hussam, de nove — estão alojados em um albergue temporário para migrantes em um pequeno vilarejo nos arredores de Lille, no norte de França. As crianças não têm acesso à escola, e não têm direito a permanecer na França além do outono.
"[Eu quero] uma vida normal, como todo mundo. Estou perdendo muita coisa. Quero estudar na Inglaterra porque tenho uma prima lá. Ela tem a minha idade. Sinto falta… dos meus amigos", diz Rahaf, antes de começar a chorar.
Ahmed está em contato com a polícia francesa, que mostrou a ele fotos de vários supostos contrabandistas como parte da sua própria investigação sobre as mortes. Ele afirmou no passado que contratar um contrabandista era sua única opção. Seja isso verdade ou não, ele diz que aprendeu uma lição difícil.
"Essas pessoas são gananciosas. Eles se preocupam apenas com dinheiro. Espero que eles respondam perante a Justiça. Todos eles", afirma Ahmed.
"A morte da minha filha não deve ser em vão."
Reportagem adicional: Feras Kawaf e Kathy Long.
Trabalho adicional de produção/câmera: Paul Pradier, Marianne Baisnee, Riam El Dilati, Mohanad Hashim, Bruno Boelpaep, Xavier Vanpevenaege, Pol Reygaerts, Maarten Willems e Lea Guedj.