"A cada ataque, parece que um terremoto atinge o prédio. Posso sentir meu coração batendo forte de medo e todo o meu corpo tremer", diz Nadiya, que preferiu não revelar seu nome verdadeiro nesta reportagem.
Ela é uma das moradoras da Cidade de Gaza, que nos últimos dias vem sofrendo bombardeios quase ininterruptos das forças de Israel, que agem em retaliação ao ataque do Hamas ao país, no sábado.
Até a tarde desta terça-feira (10/10), o número de mortes em Israel era estimado em mil pessoas - já em Gaza chegava a 800.
Na manhã de segunda-feira, Nadiya foi acordada pelo som de portas e janelas sendo quebradas. "O bombardeio começou às 8h e durou até meia-noite. Não parou por um segundo."
Mãe de dois meninos - um de cinco anos e outro de três meses -, Nadiya estava hospedada no apartamento que sua família acabara de comprar e decorar.
Ela estava sozinha com as crianças enquanto seu marido - médico de uma organização de ajuda internacional - ajudava os feridos.
"O que está acontecendo? E quando isso vai acabar?", seu filho mais velho perguntava.
Nadiya diz que a única maneira de tentar acalmá-lo é dizer que "ouvir o som da explosão ocorre alguns momentos depois do momento em que ela realmente acontece". É assim que eles sabem que estão seguros, diz.
É o tipo de conhecimento que nenhuma criança de cinco anos deveria adquirir, mas para Nadiya, esta é a melhor maneira que ela tem para lidar com a situação no momento.
As explosões ainda estão causando grandes danos, pois seu filho de três meses está tendo convulsões e se recusando a comer.
Nos últimos dias, Nadiya não saiu da casa onde "cada canto tem uma memória".
Mas na noite de segunda-feira ela ouviu seus vizinhos descendo as escadas correndo e gritando: "Evacuem! Evacuem!"
A jovem mãe hesitou por alguns segundos, lutando para decidir o que levar consigo. Então ela começou a chorar de medo e desespero.
Ela saiu do prédio com seus dois filhos, mas disse que não conseguiu reconhecer o bairro porque boa parte dos edifícios estava destruída.
Ela agora está tentando chegar com segurança até a casa dos pais, no litoral. "Onde você pode se esconder quando a morte vem do céu?", questiona.
Nadiya e outros moradores com quem a BBC conversou dizem que a magnitude dos danos a Gaza já pode ser considerada "sem precedentes".
'Nenhum lugar é seguro em Gaza'
No sofisticado bairro costeiro de Rimal, Dina, de 39 anos, estava abrigada dos ataques aéreos israelenses com a mãe, pai, irmã e dois sobrinhos.
Essa é uma área residencial, geralmente tranquila, a cerca de 3 km do centro da cidade de Gaza.
Na tarde de segunda-feira, a família começou a ouvir fortes bombardeios na vizinhança.
"Achávamos que estávamos seguros em casa, mas de repente as janelas quebraram, as portas bateram e voaram", diz Dina. "Partes do teto caíram ao redor de nós."
Chocados, eles permaneceram dentro da casa danificada enquanto mais seis ataques aéreos atingiam a área, conta a família.
Assim que tudo começou a ficar mais calmo, Dina e sua família fugiram para salvar suas vidas, deixando tudo para trás.
Eles se dirigiram ao hospital, onde seus ferimentos foram tratados. Dina diz que tiveram sorte de os ferimentos não serem profundos.
Quando voltaram para casa para recolher os pertences, ela estava completamente destruída.
A família está agora hospedada temporariamente com outra família e Dina ainda tenta se recuperar do choque de "perder a nossa casa, as nossas memórias e o lugar onde nos sentíamos seguros".
"Nenhum lugar é seguro em Gaza", acrescenta ela.
Hospitais estão lutando para salvar vidas
Diretor do hospital Alshifaa, em uma zona densamente povoada de Gaza, o médico Mohamed Abo Suleima classifica a situação como "terrível".
"Pelo menos 850 pessoas foram mortas e mais de 4.000 estão feridas", diz ele.
O hospital depende de geradores elétricos desde que a energia para a Faixa de Gaza foi cortada por Israel. A instituição só tem energia suficiente para continuar funcionando por mais três dias, diz Abo Suleima.
Como Israel anunciou um bloqueio total a Gaza, a água dessalinizada é agora escassa dentro do hospital.,
O médico Abo Suleima conta que sua equipe está priorizando o uso de água potável apenas para "casos que salvam vidas", enquanto tiveram de fechar outros departamentos do hospital.
O médico teme pela segurança de seus pacientes, mas também de sua equipe - ele diz que ambulâncias foram alvejadas e um médico morreu a caminho do hospital.
De acordo com a Agência das Nações Unidas para os Refugiados Palestinianos (UNRWA), o deslocamento em massa aumentou rapidamente nas últimas 24 horas e mais de 187 mil habitantes de Gaza fugiram das suas casas em busca de refúgio.
À medida que os bombardeios continuam, a agência conseguiu abrigar 137,5 mil pessoas, mas teme que em breve atinja sua capacidade total.
Lojas vazias
Ishaq, de 27 anos, morava com a mãe idosa, o pai, a cunhada e seus cinco filhos no bairro de Shujaiyya.
Depois que o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, disse que seu país iria entrar em uma "guerra longa e difícil" em retaliação aos ataques do Hamas no sábado, Ishaq e sua família anteciparam o que estava por vir.
Eles recolheram seus pertences mais valiosos e, cada um carregando uma pequena sacola, procuraram abrigo no centro da cidade.
No caminho, a família de 20 pessoas tentou estocar itens básicos, como mantimentos, mas as prateleiras das lojas já estavam quase vazias, pois muitos moradores de Gaza correram para comprar alimentos e outros produtos básicos assim que souberam dos ataques de sábado.
A família acabou por se esconder no abrigo antiaéreo de um edifício residencial no centro, juntamente com outras famílias. "Ficamos lá por 48 horas sem eletricidade nem água", diz Ishaq.
Então, na noite de segunda-feira, ele recebeu uma mensagem do exército israelense pedindo para evacuar o prédio. A fuga da família foi iluminada apenas pelos sinalizadores dos ataques aéreos. "Tudo o que podíamos ver ao nosso redor eram destroços de edifícios".
Eles caminharam até uma das áreas residenciais geralmente mais tranquilas no centro da cidade, mas logo perceberam que ali também "a maioria dos edifícios já estava arrasada".
Ishaq e sua família estão escondidos há mais de 12 horas no escuro andar térreo de um prédio parcialmente destruído, junto com outras 10 famílias.
"Vivemos com medo absoluto do que as próximas horas nos trarão e oramos por segurança", diz Ishaq.
A família ainda não sabe o que fazer nem para onde ir.
(Nenhum morador com quem a BBC conversou quis que sua imagem fosse usada nesta reportagem.)