Brexit: em dia de confronto no Parlamento, governo perde maioria

Parlamentares de diversos partidos, inclusive correligionários de Boris Johnson, tentam aprovar na volta do recesso uma moção que force o premiê a pedir um novo adiamento do processo de saída do Reino Unido da UE.

3 set 2019 - 13h16
(atualizado às 18h00)
'O adiamento destruiria nossas chance de negociação (com a UE) e nos enfraqueceria', afirmou Johnson perante o Parlamento
'O adiamento destruiria nossas chance de negociação (com a UE) e nos enfraqueceria', afirmou Johnson perante o Parlamento
Foto: Câmara dos Comuns / BBC News Brasil

Na volta do recesso, nesta terça-feira (03/09), o Parlamento britânico está sendo palco de um dia histórico de confrontos, diante da tentativa de parte significativa dos parlamentares - de partidos diversos, incluindo alguns correligionários do premiê Boris Johnson - de tomar o controle legislativo da Câmara dos Comuns.

O resultado pode ser, em última instância, a convocação de novas eleições no Reino Unido.

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O objetivo dos parlamentares é votar uma moção que impeça o chamado Brexit sem acordo - a saída da União Europeia em 31 de outubro sem definições legais de como ficará a relação mútua em temas como imigração, fronteiras, comércio e trânsito de bens e pessoas, que para muitos pode ter duros impactos econômicos no Reino Unido.

Em um significativo revés para Johnson, o parlamentar Philip Lee anunciou nesta terça-feira sua saída do Partido Conservador rumo ao Partido Liberal Democrata - fazendo com que, na prática, o premiê perdesse a apertada maioria que tinha na Câmara dos Comuns. Diante das câmeras de TV, Lee mudou literalmente de lado no Parlamento, enquanto Johnson discursava.

O caso evidencia a oposição que o primeiro-ministro enfrenta até mesmo dentro de seu partido: a BBC estima que entre 10 e 20 parlamentares conservadores podem apoiar a moção em debate nesta terça-feira. Se aprovado, o texto forçará o premiê a pedir à União Europeia um novo adiamento do Brexit até 31 de janeiro de 2020, a não ser que seja aprovado um acordo de saída da UE até 19 de outubro.

Se essa moção de adiamento for de fato aceita, será votada como lei na quarta-feira.

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O ex-ministro Philip Hammond, um desses conservadores "rebeldes", afirmou acreditar que haverá votos suficientes para aprovar a moção de adiamento.

Esse grupo de parlamentares corre contra o tempo, uma vez que Johnson pediu e recebeu autorização da rainha para suspender as atividades do Parlamento entre 9 a 12 de setembro e 14 de outubro, deixando apenas uma pequena janela de oportunidade para os legisladores interferirem nos rumos do Brexit.

Gráfico com o calendário do Brexit
Foto: BBC News Brasil

Johnson tem defendido que não pretende adiar, sob nenhuma circunstância, a saída da UE para além de 31 de outubro, com ou sem acordo.

"Prometemos às pessoas que entregaríamos o Brexit, já é o bastante", afirmou Johnson em discurso perante os parlamentares, pedindo que eles votem contra o adiamento e prometendo negociar um acordo de saída com a União Europeia, além de acordos comerciais com os EUA.

"O adiamento destruirá nossas chance de negociação (com a UE) e nos enfraquecerá. (...) Não vou aceitar isso sob nenhuma circunstância."

Ele também acusou os parlamentares de tentarem impedir o Brexit de acontecer (a saída da UE foi aprovada em plebiscito pela população britânica em 2016).

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Segundo declarações de membros do governo britânico, se a moção do adiamento acabar aprovada, Johnson deve convocar novas eleições gerais para 14 de outubro, na volta da suspensão do Parlamento - e apenas duas semanas antes do prazo final do Brexit.

Isso tem sido visto por críticos como uma manobra do premiê para diminuir o tempo disponível para negociar o Brexit sem acordo.

"O único plano (deste governo) é sair da UE sem um acordo", criticou o líder da oposição trabalhista, Jeremy Corbyn, em discurso no Parlamento nesta terça, afirmando que isso causaria problemas no suprimento de alimentos e medicamentos ao Reino Unido (que importa boa parte desses bens da UE) e "caos em nossos portos".

Eleições?

A possível convocação de eleições pode ter desdobramentos distintos: resultar em um fortalecimento de Johnson ou mesmo beneficiar a oposição. Mesmo assim, parte dos opositores vê isso com cautela.

Alguns parlamentares trabalhistas (oposição) veem na possibilidade uma "armadilha" de Johnson - segundo esse argumento, o premiê poderia acabar adiando a eleição para depois de 31 de outubro, na prática deixando o Parlamento de mãos atadas para impedir o Brexit sem acordo.

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Protesto pró-UE diante de Westminster nesta terça-feira; parlamentares tentarão tomar o controle legislativo da casa para impedir o 'Brexit sem acordo'
Foto: EPA / BBC News Brasil

Um porta-voz do governo afirmou que essa possibilidade é descabida e insistiu que Johnson não tem interesse em convocar novas eleições - e está sendo encurralado a fazê-lo por causa da oposição que tem enfrentado no Parlamento.

Para convocar eleições, Johnson necessitará, de qualquer modo, do apoio de dois terços dos 650 parlamentares. Por enquanto, segundo apurou o editor de política da BBC Norman Smith, o clima dentro do Parlamento é pouco favorável à aprovação de novas eleições.

Ao mesmo tempo, os impasses do Legislativo britânico se desenrolam também na Justiça. Um grupo de parlamentares entrou com uma ação em uma Corte da Escócia argumentando que Johnson agiu ilegalmente ao pedir a suspensão do Parlamento por cinco semanas.

O governo, por sua vez, argumenta que a suspensão do Parlamento é uma decisão política com a qual a Justiça não deve se envolver.

Por que um Brexit sem acordo preocupa?

Um Brexit sem acordo, caso se concretize, faria com que o Reino Unido deixasse a UE, em 31 de outubro, sem nenhuma definição de como será esse processo de "divórcio".

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Ou seja, do dia para a noite, os britânicos deixariam o mercado comum europeu e a união aduaneira, algo que causará insegurança e prejuízos econômicos, segundo muitos políticos e empresários. Há, por outro lado, quem diga que essas preocupações são exageradas.

Para alguns, isso seria extremamente prejudicial à economia, ao turismo e ao suprimento de bens e serviços aos britânicos - além de criar um impasse na fronteira terrestre entre a Irlanda (membro da UE) e a Irlanda do Norte (parte do Reino Unido).

Aliados do governo, por sua vez, afirmam que inconvenientes resultantes do Brexit sem acordo seriam de curto prazo e gerenciáveis.

A ex-premiê britânica Theresa May tentou, sem sucesso, fazer com que o Parlamento aprovasse sua proposta de acordo com a UE - motivo pelo qual ela acabou renunciando.

Boris Johnson, por sua vez, já entrou no cargo defendendo que o Brexit não seja mais adiado para além de 31 de outubro, mesmo que sem acordo com os europeus.

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