Na enxurrada de reações à decisão do Reino Unido de sair da União Europeia, um ponto é unanimidade entre políticos e analistas: a necessidade de repensar o projeto europeu diante de uma evidente ascensão global do populismo e de nacionalismos.
O temor, para muitos, é de que haja retrocessos nos 70 anos de integração europeia, em meio à atual onda de "euroceticismo" na UE - que enfrenta uma crise migratória e resquícios da crise do euro. Já há reuniões de emergência agendadas dentro do bloco para iniciar as discussões sobre o tema.
"Recebemos com pesar a decisão do povo britânico", declarou, na sexta-feira, a chanceler (premiê) alemã, Angela Merkel. "Sem dúvida é um golpe para a Europa e o processo de unificação."
Para Fabian Zuleeg, diretor-executivo do centro de estudos European Police Center, o resultado do plebiscito britânico reflete a atual crise da democracia e um sentimento de rejeição ao sistema político atual.
"As pessoas sentem que têm sido ignoradas pelos políticos e que seus verdadeiros problemas não têm sido levados em consideração", afirmou Zuleeg à BBC Brasil.
Segundo o especialista, essa sensação, exarcebada com a crise econômica, intensificou a oposição à globalização e à imigração, que já existiam em menor grau.
"Há uma interação entre todos esses elementos e uma profunda incerteza a respeito do futuro. E isso favorece o populismo e os extremos, tanto à direita como à esquerda", acredita.
Giles Merritt, secretário-geral do grupo de pressão Friends of Europe, vê na decisão britânica uma consequência da crescente rejeição dos europeus à centralização de poderes na UE.
Um estudo publicado no começo de junho pelo instituto americano Pew Research Center revela que a maioria da população nos principais países europeus é a favor da devolução de determinados poderes às capitais nacionais.
'Antiga glória'
Tal sentimento é compartilhado por 65% dos britânicos, uma proporção que chega a 73% entre as pessoas com mais de 50 anos de idade.
"O resultado do plebiscito sugere que a maioria dos britânicos acredita que se libertou dos 'estúpidos ditados do super Estado da UE' e que o Reino Unido será capaz de redescobrir sua 'antiga glória'", estima Merritt.
Para Michael Emerson, analista do Centre for European Policy Studies (CEPS), a ascensão populista é particularmente perigosa no caso da saída britânica da UE, já que "se uniu a um plebiscito irreversível".
"A tendência populista está realmente generalizada. Donald Trump (virtual candidato à Presidência americana) pode ser algo similar", disse à BBC Brasil.
Teme-se que a decisão britânica contagie outros países do bloco europeu - na França e na Holanda, por exemplo, já há pedidos por líderes de extrema-direita para que plebiscitos semelhantes sejam realizados.
A direitista francesa Marine Le Pen disse que o resultado da votação no Reino Unido é uma "vitória da liberdade".
Emerson observa que muitos países da América do Sul estão passando por uma tendência inversa, elegendo governantes liberais depois de um longo período populista. Ele cita como exemplos Peru, Argentina e o próprio Brasil.
Já no caso do divórcio entre o Reino Unido e o bloco europeu não se pode voltar atrás.
Reformas
Para o analista, os líderes europeus "seriam muito insensatos se ignorassem as pressões por reforma".
Também o ex-primeiro-ministro belga e atual líder do grupo liberal no Parlamento Europeu, Guy Verhofstadt, defende que a UE "precisa se reformar para sobreviver".
"Cada vez mais europeus sentem que a UE é incapaz de tratar as múltiplas crises que enfrentamos hoje. A UE foi longe demais na tentativa de lidar com as coisas pequenas, ao mesmo tempo em que não ofereceu soluções suficientes ao grandes problemas que mais preocupam as pessoas: a crise de refugiados, a crise econômica e a crise de segurança."
É com isso em mente que os ministros de Relações Exteriores dos seis países fundadores da UE - França, Alemanha, Holanda, Bélgica, Itália e Luxemburgo - se reunirão no sábado, em Berlim.
"É o momento de sermos dignos dos pais fundadores, de fundar mais uma vez uma nova Europa escutando o povo. A Europa não pode mais intervir em tudo o tempo todo", disse o primeiro-ministro francês, Manuel Valls, para quem a decisão britânica revela um "mal ignorado durante tempo demais".
"Esta saída balança as convicções e impõe uma reação coletiva. Vemos bem que não podemos continuar como antes. O risco é o deslocamento puro e simples da Europa. E desfazer a Europa, para nossas nações, é se enfraquecer consideravelmente."
O presidente da Comissão Europeia (CE), Jean-Claude Juncker, disse esperar uma "posição clara" do eixo franco-germânico para acalmar os ânimos e os mercados.