Por Lisandra Paraguassu
BRASÍLIA (Reuters) -Em uma cúpula do clima sob o impacto da saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris, o Brasil vê uma oportunidade na COP de Belém de ampliar as vozes das nações em desenvolvimento no que será uma disputa acirrada sobre quem pagará para que os países mais pobres façam a transição de suas economias para fontes de energia mais limpas e lidem com os impactos do aquecimento global.
"Se foi difícil conseguir 300 bilhões de dólares com os Estados Unidos na negociação, empenhados em ter políticas de combate à mudança do clima e favorecendo um fortalecimento do tratamento de clima nos bancos multilaterais de desenvolvimento, certamente será mais difícil agora", afirmou o embaixador André Corrêa do Lago, presidente da COP30, em entrevista nesta quinta-feira a jornalistas de veículos internacionais.
No ano passado, durante a COP29 de Baku, no Azerbaijão, uma dura disputa entre países desenvolvidos e em desenvolvimento terminou com a promessa de financiamento de 300 bilhões de dólares por ano aos países mais pobres -- menos de um quarto dos 1,3 trilhão apontados como necessários.
A disputa por mais recursos passa pelos países desenvolvidos cobrando economias emergentes, especialmente China e os países do Golfo Pérsico -- grandes poluidores e com crescente riqueza -- para que passem também a contribuir com recursos financeiros, uma alternativa que, com ou sem os EUA, não é sequer considerada pelos países do chamado Sul Global.
"Os países em desenvolvimento estão unidíssimos em considerar que não há o menor sentido de se falar em uma ampliação da base de doadores quando os doadores que tem obrigações na convenção do clima e no Acordo de Paris não cumprem aquilo que eles têm que fazer", afirmou o presidente da COP.
"O que os países desenvolvidos estão querendo não é aumentar os recursos financeiros. Eles querem é diminuir a parte deles nas doações, e isso é naturalmente e profundamente errado", continuou. "Nós temos que trabalhar para que cada vez mais os países que têm responsabilidades históricas tenham um papel maior nessa área financeira. Não só em recursos diretos, que sabe-se que politicamente são complexos, mas também nos seus esforços em alavancar mais recursos via bancos multilaterais e outros meios."
A discussão que divide o mundo entre o norte rico e o sul global deve unir os hoje 10 países do grupo Brics e associados em torno de um consenso que pode fortalecer a posição de não ceder em uma negociação que deve ser dificílima, segundo o embaixador.
Corrêa do Lago admite que o fato de o Brasil ter unido em um mesmo ano a presidência do Brics -- que terá reunião de cúpula este ano no país em julho -- e da COP colabora com a possibilidade de um consenso que pode ser levado pelo bloco às negociações.
"Nós vamos procurar também no Brics obter alguns consensos e provocar certas discussões que ajudem os países do Brics a apoiar o Brasil nas discussões", disse o embaixador.
A estratégia teve sucesso durante a cúpula do G20 do ano passado, também realizada no Brasil, quando os países ricos tentaram incluir na declaração final a ideia de os demais ajudarem no financiamento, o que acabou de fora.
A posição brasileira, defendida por Corrêa do Lago, é de que economias emergentes como China, Brasil, Indonésia e outros já dão sua maior contribuição ao controlar as emissões de gases do efeito estufa com ações internas, de alto impacto, pagas com seus próprios orçamentos, como o controle do desmatamento no Brasil.
"O que nós devemos levar em consideração, primeiro, é o quanto países como a China, o Brasil e a Indonésia estão fazendo dentro dos seus países sem recursos financeiros internacionais. O combate ao desmatamento no Brasil é esmagadoramente coberto por recursos do orçamento brasileiro. O Fundo Amazônia é importantíssimo, mas não está fornecendo nem 10% dos recursos que são necessários", lembrou.
A China, afirmou, se comprometeu com grandes esforços e está tendo resultados surpreendentes e muito mais rápidos que o resto do mundo esperava.
"A China está dando infinitamente mais recursos para o mundo ao diminuir de maneira maciça o preço do painel solar, ao diminuir o custo dos automóveis elétricos. Está dando infinitamente mais apoio ao mundo em desenvolvimento do que se estivesse apenas contribuindo com valores simbólicos, que é o que querem os países desenvolvidos", argumentou.
A COP30 acontecerá em Belém, na segunda semana de novembro.