Cessar-fogo entre Israel e Hezbollah: por que conflito vai ser suspenso no Líbano mas não em Gaza?

Por que foi alcançado um acordo de cessar-fogo no Líbano, mas não em Gaza? E como a região chegou a esse ponto?

27 nov 2024 - 17h04
Cenário no norte de Israel após um ataque com foguetes lançados do Líbano
Cenário no norte de Israel após um ataque com foguetes lançados do Líbano
Foto: EPA-EFE/REX/Shutterstock / BBC News Brasil

O governo de Israel anunciou um cessar-fogo no conflito contra o Hezbollah no Líbano.

O país está travando uma guerra em duas frentes na região desde 7 de outubro do ano passado, incluindo um confronto contra o Hamas em Gaza.

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A escalada contínua dos conflitos levou políticos e analistas do mundo todo a manifestar o temor de que o Oriente Médio entrasse em uma guerra total.

Perguntamos aos correspondentes da BBC que cobrem a região por que razão foi declarado um cessar-fogo no Líbano, mas ainda não em Gaza — e como chegamos até aqui.

Carine Torbey, correspondente da BBC News Arabic em Beirute

Há diferenças marcantes na forma como Israel abordou seus dois principais adversários regionais — o Hamas, em Gaza, e o Hezbollah, no Líbano.

Enquanto Gaza faz parte de uma entidade atualmente sob ocupação israelense, o Líbano é um Estado soberano — embora tenha sido ocupado por Israel até que a resistência sustentada pelo Hezbollah e outros grupos forçou sua retirada.

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Apesar de seu enorme poderio militar e de sua supremacia aérea, Israel tem sofrido com sua operação terrestre no Líbano.

Depois de quase dois meses, não conseguiu garantir o controle das cidades do sul, nem conseguiu neutralizar a capacidade de lançamento de foguetes do Hezbollah em direção ao norte.

O Hezbollah também conseguiu aprofundar seus ataques no território de Israel, interferindo no dia a dia das principais cidades.

Isso acontece em um momento em que o Exército israelense está sofrendo um número cada vez maior de baixas no sul do Líbano.

Israel também não conseguiu criar condições para o retorno dos moradores desalojados ao norte do país. Isso pode ter sido uma questão importante para convencer o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, a concordar com um cessar-fogo com o Hezbollah.

Soma-se a isso o esgotamento do Exército israelense e os efeitos políticos e econômicos de ter que convocar cada vez mais reservistas para o conflito.

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Leila Nicolas, autora do livro Global and Regional Strategies in the Middle East ("Estratégias Globais e Regionais no Oriente Médio", em tradução livre), também observa que "os israelenses não têm um plano claro para o 'dia seguinte' [ao fim da guerra] em Gaza".

Segundo ela, isso é algo que pode ser deixado para depois que Donald Trump tomar posse como presidente dos EUA, em janeiro.

Em contrapartida, já existe uma estrutura clara para o acordo no Líbano, que é a base sobre a qual os termos do cessar-fogo foram negociados.

Ele se baseia na Resolução 1701 do Conselho de Segurança da ONU, que encerrou a guerra entre Israel e o Hezbollah em 2006.

Retrato do aiatolá Khomeini, fundador da República Islâmica do Irã, em muro de Beirute
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Muitos aspectos do acordo permanecem obscuros ou ambíguos. Isso indica que ambos os lados tiveram que rever seus objetivos iniciais para que o acordo funcionasse.

Israel não foi capaz de eliminar totalmente a ameaça do Hezbollah e garantir, por meios militares, o retorno seguro de seus cidadãos ao norte de Israel.

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O Hezbollah, abalado pelos vários golpes em sua liderança, instituições e comando militar, também parece ter abandonado sua condição original de não interromper os ataques às posições israelenses antes do fim da guerra em Gaza.

"Também está claro que o Irã [um apoiador financeiro e ideológico do Hezbollah] não gostaria que o Hezbollah fosse arrastado para uma longa guerra de atrito [também conhecida como guerra de exaustão] que vai esgotá-lo ainda mais", acrescenta Nicolas.

Adnan El-Bursh, correspondente da BBC News Arabic em Gaza

Algumas pessoas em Gaza se referiram ao acordo como uma decisão do Hezbollah de abandonar a estratégia de "unidade das frentes".

Este é o conceito adotado pelo Hezbollah e pelo Hamas no início da guerra com Israel para coordenar as operações entre os membros do chamado "eixo de resistência", que inclui outros grupos em Gaza, os houthis no Iêmen e outros grupos menores no Iraque.

A principal diferença que explica a existência do acordo de cessar-fogo no Líbano e a falta de um em Gaza é que o Hezbollah deixou as negociações nas mãos do governo libanês, enquanto o Hamas está liderando as negociações em Gaza e se recusa a ser representado pela Autoridade Palestina em Ramallah.

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As divisões entre os palestinos e a falta de um Estado unificado e oficialmente reconhecido que gerencie as negociações com Israel têm desempenhado um papel importante na falta de um acordo de cessar-fogo em Gaza.

Alguns especialistas também dizem que há um vazio na liderança do Hamas, após o assassinato de figuras importantes da organização por Israel. Isso significa que o Hamas não está agora em posição de negociar de forma eficaz um cessar-fogo.

As dificuldades de comunicação entre os líderes do Hamas dentro e fora de Gaza tornam tudo ainda mais desafiador.

Mapa mostrando a localização de Gaza, Israel e Líbano
Foto: BBC News Brasil

Fathi Sabah, escritor e analista político de Gaza, disse à BBC que "Israel considera a guerra em Gaza sua principal batalha, dado o fato que o Hamas iniciou o conflito, e não o Hezbollah. Atacar o Hezbollah no Líbano foi uma oportunidade que se apresentou a Israel quando Israel sentiu que havia destruído as capacidades do Hamas em Gaza".

Sabah também acredita que a dimensão do combate contra o Hezbollah — que tem mais recursos e representa uma ameaça maior do que o Hamas — foi um fator que Israel levou em consideração ao negociar um cessar-fogo.

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"Os foguetes do Hezbollah atingiram cidades como Tel Aviv e Haifa, e tiveram um impacto doloroso em Israel e nas milhares de pessoas que foram desalojadas do norte", afirmou Sabah à BBC.

Ele também acredita que Israel foi influenciado pelas atitudes de países aliados, como os EUA e a França, que estavam cada vez mais desconfortáveis com o que descreveram como "agressão israelense" a Beirute.

Soldados de Israel no lado israelense da fronteira com o sul do Líbano
Foto: EPA-EFE/REX/Shutterstock / BBC News Brasil

Muhannad Tutunji, repórter da BBC News Arabic em Jerusalém

Vários fatores levaram Israel e o Líbano a chegarem a um acordo neste momento, especialmente dadas as distintas realidades políticas e militares do Líbano e de Gaza.

No Líbano, o Hezbollah — que luta contra Israel — faz parte de uma cena política mais ampla, representando apenas um dos muitos grupos sectários e políticos do país.

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Alguns analistas dizem que nem todos os cidadãos libaneses compartilham a perspectiva do Hezbollah sobre o conflito com Israel.

A situação em Gaza, no entanto, é bem diferente. Lá, a força política e militar que governa é o Hamas, apoiado por algumas outras facções com posições semelhantes anti-Israel.

Para os israelenses, a guerra no Líbano também é diferente da guerra em Gaza.

A operação militar no Líbano tem como objetivo eliminar qualquer ameaça militar aos moradores do norte de Israel e busca restaurar sua segurança na região.

Em Gaza, Israel declarou sua intenção de erradicar completamente o Hamas, uma meta que ainda não foi totalmente alcançada. Israel também pretende recuperar os 101 reféns que ainda são mantidos em Gaza, o que afetaria qualquer negociação de cessar-fogo.

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O ex-chefe do Conselho de Segurança Nacional de Israel, Yaakov Amidror, disse à BBC que muitos libaneses temem que o conflito possa se espalhar para outras partes do Líbano.

Isso, segundo ele, poderia levar a uma destruição semelhante à observada nos subúrbios do sul de Beirute.

Ele também destacou a decisão estratégica de Israel de separar sua abordagem em relação ao Líbano do conflito em Gaza. Para Israel, isso é crucial, pois permite que o país se concentre em erradicar completamente o Hamas em Gaza, ele explica.

Amidror enfatizou que o verdadeiro teste do cessar-fogo não estava no acordo em si, mas em sua implementação — e questionou como Israel reagiria se o Hezbollah violasse o cessar-fogo.

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