Em meio ao aumento exponencial das infecções pelo novo coronavírus na Europa, que já registra mais de 286 mil casos e 16 mil mortes, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), países do continente enfrentam sérias dificuldades para lidar com a pandemia.
Até mesmo a organizada e próspera Suíça, afetada em parte pela proximidade com a Itália, pode ver o seu sistema de saúde colapsar devido ao grande número de pacientes.
Um cenário menos caótico, contudo, ocorre na Alemanha. Apesar de mais de 5,7 mil novos casos terem sido contabilizados apenas na sexta-feira (27/3), o país parece administrar a crise de forma mais eficiente que vizinhos como Espanha, França e Itália.
Com mais de 42,2 mil casos registrados, a Alemanha contabiliza 253 mortes, contra mais de 8,1 mil óbitos na Itália, 4 mil na Espanha e 1,6 mil na França. Então, quais estratégias têm sido adotadas por Berlim para desacelerar a pandemia do novo coronavírus?
A Alemanha vem conseguido identificar rapidamente muitos casos de covid-19, a doença causada pelo novo coronavírus, em especial as infecções mais leves que poderiam passar despercebidas. Assim, é possível isolar os contaminados antes que esses espalhem ainda mais o vírus. Isso ocorre devido à grande quantidade de exames realizados no país.
"O Robert Koch Institute (RKI) recomendou testes gerais muito cedo, a fim de detectar casos o mais rápido possível e diminuir a propagação. Provavelmente, é por isso que começamos a ver os casos muito cedo", explica à BBC News Brasil uma porta-voz da agência do Ministério da Saúde alemão responsável pelo controle de doenças no país.
"Se você começar a ver mortes, isso indica que o vírus já está ativo na comunidade há algum tempo (o mesmo ocorre com a gripe)", completa.
Testes em escala
Segundo a Kassenärztliche Bundesvereinigung (Associação Nacional de Médicos Estatutários de Seguros de Saúde da Alemanha), na semana de 9 de março, foram realizados 100 mil exames para identificar a presença da covid-19. Na semana anterior, foram 35 mil. Esses dados são apenas do sistema ambulatorial e não incluem informações de hospitais. Ou seja, os números provavelmente são maiores.
Exames em larga escala têm sido conduzidos em outros países. A Coreia do Sul, onde o índice de mortalidade também é baixo (1,1% contra 0,4% da Alemanha), já realizou mais de 338 mil testes, de acordo com o governo local. Essa abordagem tende a identificar casos mais cedo, permitindo que os infectados sejam isolados rapidamente.
A Itália realizou mais de 258 mil exames até 22 de março, mas a demora inicial para responder à pandemia pode ter reduzido a efetividade da medida. "A Itália não estava preparada. [Teve] um nível baixo de testes e, em grande parte, realizados em pacientes graves e com prognóstico ruim", diz o especialista em pneumatologia Joachim H. Ficker, da Klinikum Nürnberg, na Bavária.
Os testes para identificar a covid-19, contudo, são caros e não devem ser usados aleatoriamente. O RKI recomenda exames apenas em quem tiver contato próximo com um infectado, quem tenha retornado de áreas de risco ou com casos confirmados, e que tenham pneumonia viral de causa desconhecida e sem nenhuma exposição ao novo coronavírus. Pessoas assintomáticas não costumam ser testadas.
"Identificar o máximo possível de infecções está ajudando a evitar transmissões. Testar e encontrar esses casos é uma estratégia valiosa para permitir que programas impeçam a propagação", afirma o infectologista Christoph D. Spinner, do Hospital Técnico de Munique, uma das instituições na linha de frente ao combate da pandemia na Alemanha.
Por outro lado, os testes sozinhos não são o bastante. Também é preciso o distanciamento social para retardar o avanço do vírus até que uma vacina esteja disponível.
"Como mais de 70% das infecções resultam de casos não detectados (mesmo que haja muitas triagens), é necessária uma quarentena rigorosa, a fim de reduzir o número de contatos e transmissões", explica a virologista Ulrike Protzer, professora da Escola de Medicina da Universidade Técnica de Munique.
O governo alemão, entretanto, tem buscado evitar uma quarentena. No domingo passado (22/3), a chanceler Angela Merkel anunciou, após debater com líderes regionais, a proibição de reuniões com mais de duas pessoas, excluindo aqueles que vivem na mesma residência. Também é preciso manter uma distância mínima de 1,5 metros quando em público. Serviços nos quais não é possível manter uma distância de 2 metros, como cabeleireiros e estúdios de tatuagens, serão fechados.
O estado de North Rhine-Westphalia foi além e autorizou multas de até 25 mil euros (R$ 142,4 mil) para aqueles que violarem as regras repetidamente. Quem for pego fazendo um piquenique na região, por exemplo, pode ter que pagar 250 euros (R$ 1,43 mil) cada pela infração.
Grandes aglomerações já haviam sido proibidas e bares, casas noturnas, escolas, universidade e parte do comércio também estavam fechados, em parte devido a recomendações do RKI. "Esperamos que em duas semanas possamos saber se as medidas drásticas adota-das ajudaram a diminuir a propagação do vírus", afirma o instituto.
Amplo acesso à saúde
Até o momento, o sistema de saúde alemão está sendo capaz de absorver os pacientes que necessitam de tratamento hospitalar. O governo federal anunciou o aumento da sua capacidade de leitos de UTI com ventiladores, de 28 mil para 50 mil.
O governo da capital Berlim também aprovou um plano para construir um hospital com capacidade para atender mil pacientes.
Na Alemanha, toda a população é obrigada a ter seguro de saúde. A grande maioria opta pelo sistema público, pago diretamente pelo contribuinte a seguradoras e que pode ser descontado do imposto de renda. Logo, quase todos os habitantes do país têm acesso a um dos melhores e mais bem equipados sistemas de saúde do mundo.
"Temos um sistema de saúde muito bom na Alemanha. Em contraste, por exemplo, com os Estados Unidos. Todos são cobertos por um plano de saúde e recebem assistência médica de alta qualidade em ambulatório e em hospitais", diz Protzer.
Resposta ágil
Após observar a gravidade da situação na Itália, os especialistas acreditam que a Alemanha reagiu rapidamente à pandemia e tem conseguido lidar com casos graves e conter o vírus.
"A Alemanha reagiu muito cedo quando um primeiro cluster de infecção foi identificado em janeiro, em Munique. Como resultado, intensa administração e programas foram preparados pelo governo nacional e regional para combater a covid-19", explica Spinner.
Ainda não se sabe, porém, quanto tempo as medidas de distanciamento social devem durar. "Tudo depende de quão eficiente formos em educar o público e de como as pessoas vão cooperar. Olhando para a China, pode ser preciso ao menos oito semanas para ter sucesso", avalia Protzer.
Outro fator a ser analisado, explicam os médicos, é a elevada possibilidade de novos surtos do vírus mesmo após a sua contenção. "Haverá um risco remanescente de novos surtos. Teremos que desacelerar o máximo possível a epidemia para evitar o colapso do sistema de saúde e permitir o desenvolvimento de uma terapia e de uma vacina", afirma a virologista.
Proteção social
O governo alemão adotou diversas medidas para proteger a economia, empresas e trabalhadores afetados pela pandemia. Ainda nesta semana, o Parlamento deve aprovar um superpacote de estímulo emergencial que pode chegar a 750 bilhões de euros (R$ 4,27 trilhões), equivalente a mais da metade de todo o PIB brasileiro em 2019.
Pequenas empresas e freelancers poderão receber até 15 mil euros (R$ 85,5 mil)em subsídios diretos em um período de até três meses casos seus rendimentos sejam afetados pela pandemia. Desta forma, os trabalhadores afetados não precisariam se arriscar para manter sua renda.
Além disso, 400 bilhões de euros (R4 2,28 trilhões) devem estar disponíveis para companhias maiores por meio de um fundo de estabilização.
Outras medidas incluem um programa de crédito ilimitado via o banco estatal de desenvolvimento KfW. Senhorios também não poderão despejar os inquilinos que não conseguirem pagar o aluguel devido à pandemia.