Como funcionará cessar-fogo em Gaza e libertação de reféns após acordo entre Israel e Hamas

Premiê do Catar anunciou que combates serão interrompidos em Gaza a partir do próximo domingo (19/1) com envio de ajuda humanitária à população local e liberação de pessoas mantidas em cativeiro pelo Hamas há 15 meses.

15 jan 2025 - 15h01
(atualizado às 23h58)
Logo após a notícia do cessar-fogo, moradores de Gaza e de Israel foram para as ruas celebrar o acordo
Logo após a notícia do cessar-fogo, moradores de Gaza e de Israel foram para as ruas celebrar o acordo
Foto: Reuters / BBC News Brasil

Israel e o Hamas fecharam um acordo de cessar-fogo e libertação de reféns nesta quarta-feira (15/1).

O anúncio oficial foi feito pelo primeiro-ministro da Catar, Mohammed bin Abdulrahman Al Thani, responsável pelas reuniões com os negociadores do Hamas e, separadamente, os negociadores israelenses.

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O acordo também envolveu negociadores do Egito.

"Esperançosamente, esta será a última página", declarou o primeiro-ministro catari sobre a guerra.

De acordo com ele, o cessar-fogo começará no próximo domingo (19/1).

O acordo foi confirmado logo em seguida pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden.

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Ele disse que o acordo "interromperá os combates em Gaza, enviará a assistência humanitária tão necessária para os civis palestinos e reunirá os reféns com suas famílias após mais de 15 meses de cativeiro".

Nas redes sociais, o presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump disse: "Temos um acordo para os reféns no Oriente Médio. Eles serão libertados em breve."

De acordo o serviço de verificação da BBC, dos 251 reféns capturados pelo Hamas em 7 de outubro de 2023, 94 continuam em Gaza — acredita-se que 60 estejam vivos e 34, mortos.

Ainda não foram divulgados os detalhes do acordo, mas o gabinete do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, afirmou que o Hamas "cedeu" devido à "postura firme" do líder israelense contra as demandas de última hora relacionadas ao posicionamento de forças israelenses no chamado Corredor Filadélfia, entre Gaza e Egito.

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No entanto, o gabinete de Netanyahu destacou que "ainda há várias cláusulas não resolvidas" no acordo que precisam ser tratadas.

A expectativa é de que os detalhes sejam finalizados nas próximas horas desta quarta e que o acordo seja aprovado pelo gabinete israelense na manhã de quinta-feira (16/1).

Após o anúncio do cessar-fogo, o negociador chefe do Hamas declarou que, apesar do acordo, o grupo "não perdoará" Israel pelo sofrimento em Gaza durante a guerra.

"Em nome de todas as vítimas, de cada gota de sangue derramada e de cada lágrima de dor e opressão, dizemos: Não esqueceremos e não perdoaremos", disse Khalil al-Hayya, acrescentando que Israel falhou em atingir seus objetivos na operação militar em Gaza.

Segundo o correspondente da BBC em Gaza, Rushdi Abualouf, o acordo permitirá que centenas de milhares de pessoas deslocadas voltem para suas casas, vilas e cidades no território palestino.

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O acordo incluiria a entrada de 600 caminhões de ajuda humanitária por dia com suprimentos médicos, incluindo tendas. Os veículos entrarão através da fronteira de Rafah, em Gaza, com o Egito.

Também devem ser mobilizados 50 caminhões de combustível para operar os hospitais que ainda estão funcionando, consertar as estações de energia e reparar os sistemas de esgoto e água.

Logo após a notícia do cessar-fogo, moradores de Gaza e de Israel foram para as ruas celebrar o acordo.

O exército israelense iniciou uma ofensiva em Gaza em resposta ao ataque sem precedentes que o Hamas fez contra Israel em 7 de outubro de 2023, no qual cerca de 1.200 pessoas foram mortas e 251 outras foram feitas reféns.

Mais de 46 mil pessoas foram mortas em Gaza desde então, de acordo com o Ministério da Saúde do território, controlado pelo Hamas.

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Após divulgação do acordo de cessar-fogo, palestinos celebram em Gaza
Foto: REUTERS/Hatem Khaled / BBC News Brasil

Detalhes do acordo

O esboço deste acordo já havia sido amplamente divulgado e envolve várias fases

  • Fase 1

Biden confirmou nesta quarta-feira que, durante a primeira fase do acordo, os palestinos poderão retornar aos seus bairros e a assistência humanitária na Faixa de Gaza aumentará.

A primeira fase envolveria um cessar-fogo inicial de seis semanas. Durante esse período, o Hamas libertaria 33 dos reféns capturados no ataque de 7 de outubro.

Não está claro quantos desses 33 ainda estão vivos.

Entre o grupo libertado, estariam crianças, mulheres, homens acima de 50 anos, além de pessoas feridas ou doentes.

Em troca dos reféns libertados, Israel soltaria prisioneiros palestinos.

Um oficial palestino que falou à BBC estimou o número em 1 mil, enquanto um oficial do governo israelense afirmou que seriam "muitas centenas".

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Moradores de Gaza poderão voltar às suas vilas e cidades - ou o que sobrou delas
Foto: MOHAMMED SABER/EPA-EFE/REX/Shutterstock / BBC News Brasil

Israel retiraria seus soldados das áreas mais densamente povoadas da Faixa de Gaza, movendo-os para uma zona de segurança ao leste.

A entrada de mais ajuda humanitária e combustível seria permitida imediatamente — e haveria um retorno organizado dos 2 milhões de deslocados de Gaza para suas casas ou o que restou delas.

As pessoas que viajarem a pé terão que seguir pela estrada costeira. As pessoas que viajarem com veículos poderão transitar pelo centro da Faixa de Gaza.

Quase todos os 2,3 milhões de habitantes de Gaza tiveram que deixar suas casas devido a ordens de evacuação israelenses, ataques aéreos e combates em terra.

  • Fase 2

Na segunda fase, cujas negociações começariam 16 dias após o início do cessar-fogo, os reféns vivos restantes — soldados homens e homens civis mais jovens — seriam liberados.

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Além disso, os restos mortais de reféns que perderam a vida seriam enviados a Israel.

Em troca, Israel liberaria prisioneiros e detidos palestinos, incluindo condenados a longas penas por ataques mortais.

A agência de notícias Reuters e outras fontes afirmam que combatentes do Hamas que participaram do ataque a Israel em 7 de outubro de 2023 não seriam liberados.

Israel afirmou que só retirará totalmente suas tropas de Gaza quando todos os reféns forem liberados.

Biden declarou que a fase dois envolve negociar "um fim permanente da guerra". Se as negociações durarem mais de seis semanas (prazo da fase um), o cessar-fogo continuará, disse Biden.

  • Fase 3

As negociações sobre a fase envolvendo a reconstrução de Gaza também começariam no 16º dia do cessar-fogo preliminar.

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No entanto, ainda existiriam pontos de impasse. Um deles seria a questão de quem governará Gaza.

Israel insiste que qualquer acordo de paz duradouro deve remover o Hamas do poder em Gaza.

O país também se recusa a permitir que a Autoridade Palestina (AP), que já controla a Cisjordânia, governe o território.

Os israelenses estão, no entanto, trabalhando com os Estados Unidos e os Emirados Árabes Unidos em um plano para uma administração provisória em Gaza enquanto a AP é reformada.

Essa nova administração assumiria posteriormente como governo permanente.

Isso porque Israel quer manter o controle de segurança sobre Gaza após o fim do conflito.

Entretanto, membros da direita do Parlamento de Israel, como Itamar Ben-Gvir e Bezalel Smotrich, opõem-se ao acordo de paz atual, o que pode dificultar a aprovação do processo.

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Manifestantes que pediam libertação de reféns e fim da Guerra em Gaza celebram em Tel Aviv, em Israel
Foto: REUTERS/Ronen Zvulun / BBC News Brasil

Reações ao acordo

Na rede social Truth Social, Donald Trump declarou que o "acordo épico de cessar-fogo só poderia ter acontecido como resultado de nossa vitória histórica em novembro", referindo-se à sua eleição nos EUA.

Ele afirmou que sua volta para a Casa Branca sinalizou ao mundo que seu governo "buscará a paz e negociará acordos para garantir a segurança de todos os americanos e de nossos aliados".

Trump disse estar "entusiasmado" com o retorno de reféns americanos e israelenses para casa.

Biden confirmou acordo em coletiva de imprensa
Foto: REUTERS/Evelyn Hockstein / BBC News Brasil

Segundo análise de Tom Bateman, repórter que cobre o Departamento de Estado americano em Washington para a BBC, "a transição para a presidência de Trump e o prazo iminente de sua posse — em 20 de janeiro — efetivamente deram um prazo para essas negociações".

"Ambos os lados sabiam que os termos atualmente propostos, garantidos pelos Estados Unidos, poderiam enfrentar muita incerteza após essa data", disse.

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Em Jerusalém, o editor internacional da BBC, Jeremy BoweI, também avalia que a iminência da posse da Trump contribui para a chegada a um acordo, que está na mesa de negociações desde maio do ano passado.

"Este é um grande feito, não há dúvida disso. Eles chegaram até aqui, mas o grande desafio agora é o que acontecerá na primeira fase - 42 dias, durante os quais haverá a liberação de reféns israelenses e prisioneiros palestinos", escreve Bowel.

Já em seu comunicado, Biden ressaltou que "apresentou os contornos precisos deste plano em 31 de maio de 2024, após o que foi endossado de forma unânime pelo Conselho de Segurança da ONU."

"Ele é o resultado não apenas da pressão extrema sob a qual o Hamas tem estado e da mudança na equação regional após um cessar-fogo no Líbano e o enfraquecimento do Irã, mas também da diplomacia americana persistente e minuciosa. Minha diplomacia nunca cessou esforços para concretizar isso", disse Biden.

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O presidente dos EUA afirmou ainda que o caminho para esse acordo "não foi fácil" e o considera uma das negociações mais difíceis que já vivenciou.

O Secretário-Geral das Nações Unidas (ONU), António Guterres, reagiu ao acordo afirmando que aliviar "o tremendo sofrimento causado por este conflito" deve ser a primeira prioridade.

Guterres também afirmou que a ONU está de prontidão para aumentar o fluxo de ajuda humanitária aos palestinos.

No Brasil, o Itamaraty afirmou ter recebido a notícia com "grande satisfação" e pediu a "retomada imediata do processo de paz entre israelenses e palestinos"

"O Brasil exorta as partes envolvidas a respeitarem os termos do acordo e a garantirem a cessação permanente das hostilidades, a libertação de todos os reféns e a entrada desimpedida de ajuda humanitária a Gaza, assim como a assegurarem as condições necessárias para o início do urgente processo de reconstrução de sua infraestrutura civil", declarou em nota o Ministério das Relações Exteriores.

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O presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, também celebrou a notícia nas redes sociais.

"Após tanto tempo de sofrimento e destruição, a notícia de que um cessar-fogo em Gaza foi finalmente negociado traz esperança. Que a interrupção dos conflitos e a libertação dos reféns ajudem a construir uma solução duradoura que traga paz e estabilidade a todo Oriente Médio", escreveu Lula.

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