Donald Trump ainda não assumiu a Presidência dos Estados Unidos, mas já parece ter declarado sua primeira guerra. O alvo: jornais e TVs que considera desonestos e que estariam promovendo uma cobertura injusta de seus atos.
As queixas, que ecoam críticas que o bilionário já havia feito durante a campanha, agravam a já a turbulenta relação entre jornalistas e o presidente eleito e jogam luz sobre a influência da imprensa na eleição americana.
Trump e muitos de seus defensores acusam grandes jornais e emissoras de realizar uma cobertura tendenciosa e favorável à candidata derrotada, Hillary Clinton.
Mas análises apontam que o presidente eleito pode ter sido favorecido pela grande visibilidade que obteve nos meios de comunicação ao longo da campanha - ainda que o tom de boa parte da cobertura sobre ele tenha sido negativo.
Roupa suja
Na segunda-feira, Trump convidou jornalistas e executivos das maiores emissoras de TV americanas para uma reunião em seu escritório em Nova York. O grupo concordou com um pedido do empresário para que o conteúdo do encontro não fosse divulgado. Segundo relatos, os jornalistas esperavam discutir o acesso a informações no futuro governo.
Após a reunião, porém, alguns dos presentes disseram que Trump usou o evento para se queixar da forma como tem sido tratado pelos órgãos. Um artigo no site da revista The New Yorker diz que o empresário reclamou especialmente das redes CNN, que chamou de "mentirosa", e NBC.
O artigo atribui as informações a jornalistas que participaram do encontro e não quiseram ter suas identidades reveladas.
Já Kellyanne Conway, assessora de Trump, disse que a reunião foi "muito cordial, franca e honesta".
Após a eleição, Trump também fez críticas públicas à imprensa no Twitter. No dia seguinte à votação, ele afirmou que manifestantes que protestavam em várias cidades dos EUA contra sua vitória eram "incitados pela mídia".
Dias depois, passou a criticar o The New York Times, um dos mais importantes e influentes jornais americanos, pelo que chamou de "cobertura altamente imprecisa do 'fenômeno Trump'".
Ele disse que, por causa da cobertura, o jornal estaria perdendo milhares de assinantes. A informação foi rebatida pelo diário, que disse ter atraído 44 mil novos assinantes desde o dia da eleição, o maior aumento desde 2011.
Na terça-feira, Trump chegou a cancelar uma visita programada ao jornal, mas recuou. No encontro, ele disse que tem sido tratado "muito injustamente", mas que tem pelo órgão "um tremendo respeito".
Até o programa humorístico Saturday Night Live, da NBC, entrou na mira do presidente eleito. Trump afirmou que a atração, na qual ele é imitado pelo ator Alec Baldwin, é enviesada e mostra apenas um lado. Ele fez cobranças para que o programa seja mais equilibrado.
Preterido pelos jornais
Entre os cem maiores jornais dos EUA, só dois apoiaram a candidatura do bilionário. Mesmo alguns veículos que sempre se posicionaram em favor de candidatos republicanos - casos do San Diego Union Tribun e e do Arizona Republi c - defenderam a eleição da democrata Hillary Clinton.
Para muitos analistas, a derrota da candidata revelou uma desconexão entre parte da imprensa americana e o americano comum.
Porém, a distribuição dos votos de Hillary revela certa sintonia entre os jornais e o eleitorado da democrata: ela derrotou Trump em praticamente todas as grandes cidades americanas, onde se concentram os assinantes dessas publicações.
Já Trump teve melhores resultados em cidades pequenas e zonas rurais, onde os principais jornais têm menos influência.
Os pesquisadores Jack Beckwith e Nick Sorscher analisaram cerca de 22 mil textos publicados nos sites de alguns dos principais veículos jornalísticos dos EUA durante a campanha.
Segundo o estudo, divulgado pelo site Data Face, Trump foi citado nos títulos de quase 15 mil artigos, mais do que o dobro das menções a Hillary.
De acordo com os pesquisadores, o tom da cobertura variava conforme a linha editorial do veículo. Nos sites da TV Fox News e da revista Weekly Standard, veículos conservadores, houve mais artigos favoráveis a Trump do que a Hillary.
Já nos sites do The New York Time s, Slate, The Washington Post, Politico, Chicago Tribune e The Wall Street Journal, houve mais artigos favoráveis a Hillary.
Visibilidade positiva
Há, no entanto, quem avalie que a visibilidade - mesmo que negativa - recebida por Trump o ajudou a ganhar votos e a fazer com que sua candidatura decolasse.
No período das prévias partidárias, Trump era considerado um azarão. Ele concorria à candidatura do Partido Republicano com políticos tarimbados, entre os quais o ex-governador da Flórida Jeb Bush e os senadores Marco Rubio (Flórida) e Ted Cruz (Texas).
Na época, propostas polêmicas de Trump - como a suspensão da entrada de muçulmanos nos EUA e a construção de um muro na fronteira com o México - receberam grande destaque na imprensa.
Nas TVs, muitas vezes essas propostas eram tema de longos debates, entremeados por declarações do próprio Trump e reações dos oponentes.
Segundo uma pesquisa do Centro Shorenstein de Mídia, Política e Políticas Públicas da Harvard Kennedy School, a cobertura jornalística a Trump nos oito maiores jornais e emissoras dos EUA durante as prévias rendeu-lhe espaço equivalente a US$ 55 milhões em anúncios publicitários.
A cobertura do segundo pré-candidato republicano mais acompanhado pela imprensa, Jeb Bush, foi equivalente a US$ 33 milhões em anúncios.
O estudo concluiu que Trump foi beneficiado pela exposição nos jornais e emissoras.
Sites alternativos
Em outra frente, Trump também parece ter surfado no crescimento de sites conservadores alternativos, especialmente o Breitbart News.
Entre 31 de outubro e 7 de novembro, véspera da eleição, a página do Breitbart News no Facebook teve 3,5 milhões de interações - à frente de veículos mais tradicionais como a CNN (2,6 milhões) e o The Huffington Post (2,1 milhões), segundo a agência Newswhip.
Acusado de difundir mensagens racistas e de ódio, o site foi um dos primeiros a apoiar a candidatura de Trump, ainda quando era dirigido pelo executivo Steve Bannon.
O empresário acabou convidando Bannon a assessorá-lo em sua campanha e, após a vitória, o anunciou como estrategista-chefe e conselheiro sênior da Casa Branca - decisão que tem rendido ao presidente eleito duras críticas tanto de políticos democratas quanto de parte dos republicanos.