Os russos tinham expectativas tão baixas sobre seu time de futebol antes da Copa do Mundo que uma cômica música ridicularizando a seleção russa registrou 12 milhões de visualizações no YouTube, em meio ao escárnio público da equipe.
Isso, aliado à falta de vitórias e a uma posição ruim no ranking mundial, ajuda a explicar a mistura de choque e euforia que varreu o país depois que a Rússia surpreendentemente venceu os dois primeiros jogos de seu grupo.
Eles se classificaram para a segunda fase do torneio sem precisar se preocupar com a partida final do grupo com o Uruguai, na qual a equipe da casa perdeu por 3 a 0.
Esquecimento
A última vez que os jogadores russos tiveram tamanho sucesso eles ainda jogavam sob a bandeira soviética, mais precisamente no México, em 1986.
Cinco anos mais tarde, com o desmembramento da União Soviética, a Rússia continuou sozinha e, de seis Copas do Mundo, não conseguiu passar da fase de grupos em três delas e nem sequer se qualificou para as outras.
Talvez não seja surpreendente que a atual campanha esteja provocando uma nostalgia soviética no país.
É um fenômeno expressado em várias esferas da vida pública na Rússia: uma pesquisa anual realizada desde 1992 mostrou que, em dezembro, quase seis em cada dez russos estavam insatisfeitos com o desmoronamento do grupo de 15 repúblicas.
Esses foram os níveis mais altos registrados desde 2009, de acordo com o instituto de pesquisa Levada, que conduziu a pesquisa em um momento em que jogadores russos pediam apoio a jornalistas para diminuir as críticas à equipe.
Farrapos
A ex-URSS era um time com o qual você podia contar, chegando às semifinais da Copa do Mundo de 1966 e vencendo a Eurocopa de 1960 - eles também foram vice-campeões em 1988. E ainda ganharam dois ouros olímpicos.
Esse legado evaporou na "carreira solo", com a exceção de uma jornada surpreendente até as semifinais da Euro 2008.
Mas como a nostalgia soviética é um negócio próspero em Moscou e outras grandes cidades, reforçado por cafés retrô e atrações variadas como museus, o futebol também trará lembranças reconfortantes?
Na primeira década após o desmembramento da URSS em 1991, a Rússia estava em dificuldades e com a economia em farrapos.
O fracasso do estado de bem-estar social levou a uma queda maciça nos padrões de vida - a expectativa média de vida da Rússia caiu de 69 para 65 anos para mulheres e de 64 para 57 entre homens em apenas quatro anos, de 1990 a 1994.
"Atualmente, as vidas das pessoas são mais estáveis na Rússia, mas tem havido muito pouca mudança nos níveis medidos de nostalgia soviética", diz Vadim Nikitin, um escritor russo sediado em Londres.
"É algo maior do que patriotismo ou o anseio para que a Rússia se torne novamente uma superpotência. Eu suspeito que seja a sensação das pessoas de que a URSS tinha mais coletividade e união."
Coincidência ou não, a mensagem de esforço em equipe permeia a campanha da anfitriã na Copa do Mundo.
"Eu ainda ouço comentaristas falando muito sobre a atmosfera de fraternidade e fazendo comparações com o Festival Mundial da Juventude e dos Estudantes, de 1957", conta Ekaterina Kalinina, uma acadêmica russa, em entrevista à BBC.
Kalinina se refere a um evento bianual realizado regularmente desde 1947, cuja maior edição ocorreu na Rússia há mais de 50 anos, quando 34 mil jovens de 131 países se reuniram em Moscou.
"Mas a Copa do Mundo traz a alegria de se unir e celebrar a dimensão internacional do esporte. Eu não diria que isso possa intensificar a nostalgia do período soviético ".
"É mais um desejo de paz, alegria e comunidade".
A sombra da URSS ainda não foi embora. As pesquisas Levada, por exemplo, mostram que mesmo as pessoas nascidas depois de 1991 "sentem saudades dos tempos soviéticos" - em dezembro passado, 20% das pessoas com idade entre 18 e 24 anos sentiam essa nostalgia, em comparação com 42% que não sentiam.