Em 2005, cerca de 55% da população do Peru sofria com a pobreza. Mas, desde então, houve uma mudança significativa na estrutura social do país, que conseguiu reduzir drasticamente sua população pobre.
Atualmente, a pobreza atinge 22% dos moradores do país. Nos últimos cinco anos, 7 milhões de pessoas deixaram de ser pobres no Peru. A vida de quem está nas áreas urbanas melhorou bastante, como constatam os próprios peruanos.
Tony Palomino, por exemplo, vive na Villa El Salvador, um distrito da província de Lima, que um dia foi considerado uma região de miséria. Agora os edifícios são feitos de tijolos e os vizinhos contam com serviços com os quais antes só podiam sonhar.
"Tudo era um deserto", conta.
Eu cheguei aqui quando tinha 13 anos. Fui o primeiro a sair do meu povoado, que ficava nas montanhas. Venho de uma família de extrema pobreza.
"Minha mãe teve 18 filhos e eu via meus irmãos e irmãs morrendo de pobreza. Saí de lá para ajudá-los a melhorar de vida."
"Tudo era muito difícil aqui, a princípio. Não havia água, nem luz. Tínhamos que caminhar quilômetros para conseguir comida. Mas cada família tinha um terreno onde podia viver."
Em alguns aspectos, o Peru é hoje irreconhecível, conforme descreve à BBC o presidente Pedro Pablo Kuczynski.
"Alguns dos principais empresários peruanos de hoje, há uma década, estavam manobrando caminhão. A elite comercial do Peru atualmente é completamente diferente do que era no passado e acredito que isso é um bom sinal da mudança."
"Em 2005, cerca de 55% da população do Peru sofria com a pobreza. Mas, desde então, houve uma mudança significativa na estrutura social do país, que conseguiu reduzir drasticamente sua população pobre", diz o presidente.
Como chegaram lá
A história começa nos anos 1990, quando o país liberou sua economia como parte do programa de ajuste estrutural do Banco Mundial.
Abrir-se a novos mercados permitiu ao Peru se beneficiar dos preços recordes da exportação de seus minerais, especialmente para a China, e atraiu investimento estrangeiro - o que fez com que o país conseguisse diminuir a dívida pública e a inflação e aumentar sua reserva nacional.
Agora, o Peru tem uma das economias de maior crescimento da América Latina.
Diego de la Torre, presidente do Pacto Mundial da ONU no Peru, ressalta que é a economia de livre comércio a responsável pelo sucesso peruano.
"No passado, tivemos enormes problemas econômicos que foram superados. O Peru está se inserindo na economia global. Fizemos acordos de livre comércio, que foi o que nos ajudou a reduzir a pobreza."
Protestos vitais
O dinheiro certamente chegou a rodo. As exportações aumentaram de US$ 3 bilhões em 1990 para US$ 36 bilhões em 2010.
Sob o governo de Alberto Fujimori (de 1990 a 2000) - que atualmente se encontra preso condenado por crimes contra a humanidade - a economia se estabilizou e continuou crescendo.
No entanto, os níveis de pobreza continuaram subindo até 2001, quando o impacto social do programa de ajuste se fez evidente.
Políticas como a de austeridade severa levaram a cortes no orçamento e déficit de empregos. Foi aí que as pessoas decidiram sair às ruas para protestar contra o governo - Toni Palomino estava entre os manifestantes, juntamente com outras pessoas da Vila El Salvador.
"Desde o início, sabíamos que a ajuda não viria fácil… água, luz… sabíamos que teríamos que lutar por tudo. Aqui temos um ditado: 'Por que não temos nada, faremos de tudo'. Construímos uma escola, um campo de futebol, uma comunidade."
"A Vila se desenvolveu porque organizamos grandes protestos no Palácio do Governo para reclamar sobre esses serviços. Em seis anos, passamos a ter água e luz. Outras comunidades tiveram de esperar 10, 15 ou 20 anos."
"Não foi o governo que veio de boa vontade nos oferecer isso. Foi exigência da população e isso nós conquistamos."
Início da mudança
Assim, as comunidades de baixa renda desempenharam um papel vital na velocidade e no grau de mudança que aconteceu no Peru, exercendo pressão sobre os governos saindo às ruas e fazendo protestos.
Tentando recuperar o apoio, principalmente na última década do século passado, os sucessivos governos de Fujimori investiram em grandes programas para promover serviços públicos, especialmente em áreas urbanas de poucos recursos.
"Houve programas como o de extensão para assentamentos informais, outros para expandir o acesso à água, outros de títulos para aumentar a propriedade de terra nos assentamentos, além de empréstimos para melhorar as moradias", explica a especialista em pobreza Paula Lucci, do Instituto de Desenvolvimento de Ultramar, com sede em Londres.
"Outros lugares também se beneficiaram da situação econômica positiva, que fez surgir mais empregos formais e permitiu que as pessoas tivessem mais dinheiro para sustentar seus filhos e melhorar de vida."
Inclusão
"O crescimento econômico do Peru na última década tem sido inclusivo", explicou à BBC a economista Carolina Trivelli, que foi a primeira Ministra de Desenvolvimento e Inclusão Social do Peru.
"Os que mais se beneficiaram do rápido crescimento econômico foram os 40% mais pobres do país", assegura ela, que agora trabalha no Instituto de Estudos Peruanos, que se dedica a reduzir a desigualdade do país.
O crescimento econômico inclusivo é a política chave neste caso: ajudar quem está embaixo tanto quanto quem está em cima.
E, por meio de uma série de programas sociais do governo, foi possível atingir esse objetivo, de acordo com Trivelli.
"O importante é providenciar para os mais pobres recursos suficientes para sobreviver, enquanto se investe no futuro, garantindo que todos os seus filhos - e especialmente as filhas - possam ir à escola todos os dias e que possam contar com serviços básicos de saúde, vacinas, etc."
"Assim, a próxima geração poderá aproveitar as oportunidades que cada vez mais o país irá oferecer."
Esse programa - semelhante ao Bolsa Família brasileiro - é chamado "Juntos", oferece US$ 30 por mês às mulheres chefes de família, e tem se espalhado pelo mundo.
Mas esse não foi o único programa implementado pelo governo com o objetivo de diminuir a pobreza. Nos últimos cinco anos, outras ações contribuíram para isso:
- "Cuna Más" - para melhorar o desenvolvimento infantil de meninos e meninas menores de 3 anos nas regiões de pobreza extrema.
- "Qali Warma", que significa criança vigorosa em Quecha, é um dos programas de alimentação escolar.
- "Pensión 65" - visa a proteção dos adultos a partir dos 65 anos de idade que carecem das condições básicas de sobrevivência.
Mas o Peru não é o único país da região que soube aproveitar e se beneficiar de booms econômicos. Aconteceu também no Brasil, na Argentina, no Chile e no Uruguai.
Por que, então, destacar o modelo peruano?
"É um caso especial", opina Henrietta Moore, diretora do Instituto para a Prosperidade Global da University College em Londres.
"Não se trata só de gastar dinheiro. A questão é que eles conseguiram realmente compartilhar os benefícios do auge econômico para todos. Assim, ao mesmo tempo que a riqueza do país aumentou, a desigualdade está reduzindo, e isso é algo muito importante", explica.
"A situação de todos melhorou, não só a dos mais ricos."
A especialista destaca a importância de "investir na subsistência das pessoas e em sua proteção social" para que o país possa avançar.
"A Europa, por exemplo, esquece que isso não é um custo, e sim um investimento", completou Moore.
Problemas
Nem todos os problemas sociais do Peru foram resolvidos, no entanto. Apesar de ter tido considerável redução na última década, a taxa de pobreza rural segue sendo alta. Muitas pessoas ainda ficaram "de fora" das melhorias e a população ainda pede mais investimento em saúde e educação.
Grande parte da economia do Peru é informal, o que significa que muita gente não paga impostos - e os impostos são essenciais para que o governo consiga investir em saneamento básico, educação e saúde para consolidar a nova classe média peruana.
Outro problema é a corrupção, considerada endêmica no país.
"Nós temos sentido isso na pele", disse Palomino, fazendo referência especificamente ao programa social "Pensión 65", que oferece uma ajuda mensal aos idosos acima de 65 anos para sobrevivência.
"A corrupção tem prejudicado os benefícios que deveriam ir para esse programa", disse. O processo burocrático necessário para aderir ao programa faz com que fique mais difícil para os necessitados terem acesso ao dinheiro.
Isso faz com que a melhora das condições de vida da população ainda seja precária. E o Peru agora está sofrendo o mesmo problema que o Brasil começou a sofrer depois dos anos de "bonança" econômica: a economia do país está desacelerando.
"O que os governos fazem quando para de entrar tanto dinheiro? Implementam políticas de austeridade, que acabam sempre resultando em desigualdade social", analisa Moore.
Então, tudo vai abaixo agora?
"Não tem que ser assim. Tudo depende do que você faz quando já não há mais tanto dinheiro: você continua garantindo a distribuição do que existe de uma maneira sensata?", questiona a antropóloga social.
"Não importa o nível de crescimento econômico, um melhor acesso a educação e saúde, e as políticas sociais focadas melhoram a vida dos pobres e garantem um crescimento mais sólido do país."
Para Palomino, que se beneficiou bastante das mudanças sociais que aconteceram no Peru, também houve aspectos negativos nelas. "As famílias melhoraram de vida economicamente, é verdade, mas essa economia liberal tem feito com que as pessoas sejam mais individualistas. As pessoas costumavam pensar em suas famílias, no bairro. Como comunidade, não somos mais ricos."
*Essa matéria faz parte da série 'My Perfect Country' (Meu País Perfeito)