Como táxis-robôs estão tentando conquistar a confiança dos passageiros

Veículos autônomos já percorrem as ruas de várias cidades - a dificuldade é convencer algumas pessoas a confiar neles.

1 dez 2024 - 18h03
Veículos autônomos já percorrem as ruas de várias cidades – a dificuldade é convencer algumas pessoas a confiar neles
Veículos autônomos já percorrem as ruas de várias cidades – a dificuldade é convencer algumas pessoas a confiar neles
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Algumas semanas atrás, fiz um tour por São Francisco, nos Estados Unidos, em um dos carros autônomos da empresa Waymo.

Enquanto andávamos pela cidade, fiquei surpresa ao ver como as pessoas se acostumaram a não ver o motorista do veículo.

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Havia diversos carros sem motorista em qualquer rua da cidade, a qualquer hora do dia, e os turistas não ficam mais boquiabertos quando eles aparecem. A tecnologia passou a ser uma visão familiar.

No interior do veículo, a Waymo sinaliza como ela tenta inspirar a mesma sensação entre os ocupantes. O carro totalmente elétrico oferece uma calorosa recepção, chamando os passageiros pelo nome, e toca música quando eles entram no veículo.

Uma tela posicionada em frente aos assentos traseiros oferece a opção de acompanhar o trajeto por um mapa, além de definir as configurações de música e temperatura.

Outra tela, ao lado do volante, mostra imagens das proximidades do veículo. Enquanto viajamos, vejo pessoas sentadas nos ônibus ao nosso lado, cães atravessando a rua à nossa frente e crianças pulando na calçada.

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A Waymo quer que você tenha a mesma visão do veículo. Ela quer fazer com que você confie nele.

Esta é parte de uma tendência maior no setor de transporte de passageiros em carros autônomos.

A mesma tecnologia que permite que os veículos tracem o caminho através do pesado trânsito urbano é empregada em diversas cidades, de várias partes do mundo. O que a Waymo e seus concorrentes precisam fazer agora é convencer os passageiros a fazer uso dos seus carros.

As pesquisas parecem indicar que o público dos EUA e do Reino Unido é reticente quanto ao transporte em veículos autônomos. E a segurança é uma das preocupações mais comuns.

Grande parte desta preocupação se baseia no grau de confiança que as pessoas estão dispostas a depositar na tecnologia e nas companhias fabricantes dos veículos.

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Mas parece também existir um patamar mais elevado quando a questão é a perspectiva das pessoas em relação à segurança dos veículos autônomos, em comparação com os carros convencionais. E, para a Waymo, a solução é promover a confiança nos sistemas robóticos que dirigem o veículo.

"É muito importante conseguir saber para onde o carro está indo e confirmar que a visão do carro é igual à sua ", segundo a chefe de pesquisa de produtos e clientes da Waymo, Megan Neese. Ela me acompanhou durante o tour por São Francisco.

Neese conta que a empresa pretende manter os assentos voltados para frente e um volante de direção na sua próxima geração de carros. Esta configuração é familiar em táxis tradicionais e a capacidade de observar para onde o carro está indo ajuda as pessoas a confiar no veículo, segundo ela.

Os carros autônomos da Waymo contam com layout típico dos automóveis comuns. Uma tela ao lado do volante mostra o que o veículo pode ver à sua volta
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

A luta pela confiança

A Waymo é de propriedade da Alphabet, a companhia dona do Google. Ela oferece serviços de táxis-robôs nos Estados Unidos, sem motorista de segurança a bordo, desde 2020.

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Atualmente, a empresa fornece 150 mil viagens pagas por semana em São Francisco e Los Angeles, na Califórnia, e em Phoenix, no Estado do Arizona.

Se considerarmos o mercado total de viagens por aplicativo, a escala ainda é pequena. A Uber afirma que oferece cerca de 200 milhões de viagens por semana, em todo o mundo. Mas este mercado está crescendo.

O setor também é altamente competitivo. Grande parte do trabalho dos fabricantes provavelmente terá como objetivo garantir que os passageiros fiquem tranquilos e confortáveis a bordo dos veículos.

A empresa Zoox, mantida pela Amazon, pretende entrar no mercado em 2025. Ela adota outra técnica para conquistar a confiança dos clientes.

A Zoox pretende fazer com que os passageiros se esqueçam do trajeto, sem observar o que está à sua frente ou o que o motorista autônomo consegue ver.

Algumas semanas depois do meu passeio com a Waymo, a Zoox me convidou para experimentar seu veículo de teste, na sua sede em Foster City, perto de São Francisco. O trajeto foi previamente determinado, entre dois blocos de escritórios.

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É desnecessário dizer que a experiência foi muito diferente da viagem pela Waymo, atravessando um ambiente urbano repleto de tráfego.

A proposta da Zoox é oferecer um veículo especialmente construído, bidirecional, sem janelas voltadas para frente ou para trás. O carro não tem volante, nem pedais, nem telas para mostrar o ambiente em torno do veículo.

Quatro assentos ficam voltados uns para os outros, formando uma sala de estar. Em cada um dos lados, existem portas de correr com grandes janelas.

Uma pequena tela ao lado de cada passageiro permite que eles selecionem suas músicas e personalizem os controles de temperatura. Um terminal carregador sem fio fica sobre uma divisão plana entre os assentos.

Os bancos são de couro vegano de tom verde escuro e luzes piscantes foram instaladas no teto. Parece uma viagem pela Disneylândia.

A Zoox optou por um projeto de veículo menos convencional, com portas de correr dos dois lados e assentos voltados uns para os outros no seu interior
Foto: Martine Paris / BBC News Brasil

Para ganhar a confiança dos clientes, a Zoox começou a revelar ao público detalhes do seu Centro de Fusão. Nele, operadores humanos podem fornecer orientações para o veículo remotamente, para que ele saia de situações desconhecidas.

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A empresa descreve o processo como lançar migalhas de pão digitais para que o carro siga o seu caminho. A Zoox afirma que os veículos receberam orientações remotas em 1% do seu tempo total de viagem durante os testes.

A Waymo não havia informado ao público sobre o seu centro de teleoperações. Até que, no início deste ano, a empresa revelou que também mantém seres humanos à disposição para fornecer assistência aos veículos.

Mas, em vez de usar motoristas remotos, a equipe de resposta da frota da Waymo responde perguntas enviadas pelos veículos autônomos sobre decisões a serem tomadas em situações ambíguas.

Em outubro de 2023, a empresa Cruise, da General Motors, perdeu sua licença de operação na Califórnia, porque um dos seus veículos arrastou por seis metros um pedestre que surgiu no seu caminho. A empresa precisou interromper suas operações.

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Desde o incidente, a Cruise passou a divulgar as equipes de apoio humano dedicadas a atender seus veículos. Elas incluem um grupo de monitores da frota, assistência remota e pessoal de campo, oferecendo assistência.

A empresa afirma que, até a sua pausa operacional no ano passado, seus veículos se conectaram às equipes de assistência remota por 3% do seu tempo total de direção autônoma em ambientes urbanos.

Mas nem todas as ocasiões exigiram que as equipes intervissem. A Cruise declarou que a assistência remota forneceu "apoio nas ruas" em 0,6% do tempo total de direção autônoma dos seus veículos.

O CEO (diretor-executivo) e os fundadores da Cruise se demitiram alguns meses depois do acidente e 900 outros funcionários foram dispensados. Desde então, a empresa retomou os testes com motoristas de segurança atrás do volante, nas cidades de Phoenix, no Arizona, e Dallas, no Texas. Ela também firmou um acordo plurianual para incluir seus carros na plataforma Uber.

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A expansão dos serviços

Os táxis autônomos são testados atualmente em várias partes do mundo, mas seu desenvolvimento é mais avançado nos Estados Unidos e na China.

Nos EUA, dezenas de cidades já aprovaram testes de táxis-robôs nas vias públicas.

Atualmente, a Waymo detém a maior frota do país, com mais de 700 carros em São Francisco, Los Angeles e Phoenix. É o único serviço pago de táxis-robôs dos Estados Unidos e seu lançamento em Austin (Texas) e Atlanta (Georgia) está previsto para 2025, em parceria com a Uber.

A Zoox pretende eventualmente oferecer viagens em São Francisco, depois de meses de testes nas ruas para seus funcionários. A Zoox também está testando seus veículos em Las Vegas (Nevada), Seattle (Washington), Austin e Miami (na Flórida).

A Cruise ainda não anunciou quando poderá oferecer seus serviços ao público. Atualmente, ela segue testando seus veículos em Phoenix (Arizona), Dallas e Houston, no Texas.

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Outros serviços autônomos em desenvolvimento incluem a May Mobility, mantida pela Toyota. A empresa desenvolve projetos com financiamento municipal em cidades do Arizona, Califórnia, Flórida, Georgia, Michigan, Minnesota e Texas.

Já as gigantes chinesas dos táxis-robôs AutoX e WeRide detêm licenças para operar na Califórnia.

A China é líder mundial em quantidade de veículos autônomos em teste nas vias públicas. As autoridades do país afirmam já terem emitido cerca de 16 mil licenças para testes de carros e ônibus autônomos em mais de 20 cidades.

Na capital chinesa, Pequim, autoridades afirmam que 33 empresas receberam luz verde para realizar testes em uma vasta área de 3 mil km².

A Zoox espera que o design dos seus veículos leve os passageiros a se esquecerem da viagem, ficando absorvidos pelo ambiente à sua volta
Foto: Zoox / BBC News Brasil

A maior operadora de táxis-robôs da China é a AutoX, mantida pela gigante chinesa da tecnologia Alibaba. Sua frota de veículos autônomos está presente nas cidades de Pequim, Guangzhou, Shenzhen e Xangai.

A Apollo Go, da Baidu, opera serviços de transporte de passageiros totalmente autônomos em Pequim, Shenzhen, Wuhan e Chongqing. Ela tenta conquistar clientes com baixos preços, o que gerou queixas dos motoristas de táxi locais.

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No início do ano, um dos táxis autônomos da empresa colidiu com um pedestre em um semáforo. A pessoa atingida não ficou ferida, mas o incidente levantou questões sobre a capacidade da tecnologia de lidar com situações inesperadas.

Um porta-voz da Apollo Go declarou que a segurança de todos os usuários das vias públicas é uma das principais prioridades da empresa e que seus veículos acumulam mais de 100 milhões de quilômetros rodados de direção autônoma, em situações reais, sem grandes acidentes.

A Apollo Go também enfrentou outros problemas de percepção do público, depois que contratempos envolvendo seus veículos se espalharam rapidamente pelas redes sociais chinesas.

Em um desses incidentes, um táxi-robô causou um congestionamento quando um saco plástico na rua fez com que ele parasse. Em outra ocasião, dois veículos autônomos ficaram presos no trânsito por serem educados demais - eles tentavam dar passagem um ao outro ao mesmo tempo.

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O software que dirige o carro, agora, tem uma função de "falha de detecção de sacos plásticos". E a Apollo Go afirma que sua sexta geração de táxis-robôs, lançada neste ano, teve software e hardware aprimorados.

Da mesma forma que os táxis-robôs da Waymo nos Estados Unidos, os veículos da Apollo Go incluem uma tela, que mostra a visão das câmeras do carro, ou um mapa assinalando outros usuários detectados pelos sensores do veículo na região.

A Apollo Go tenta conquistar a confiança dos passageiros, mostrando que o veículo detectou outros usuários do serviço nas ruas próximas
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Atualmente, apenas os passageiros de algumas cidades da China e dos Estados Unidos têm táxis-robôs à disposição. Mas os testes de veículos autônomos vêm ocorrendo em muitas outras partes do mundo.

A capital japonesa, Tóquio, está se preparando para receber seu primeiro serviço de táxis-robôs, pela empresa Tier IV. O lançamento está previsto para este mês de novembro.

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A May Mobility, que oferece viagens em alguns locais nos Estados Unidos, também lançou seus serviços em Nagoya, no Japão, no início de novembro. Mas ela ainda requer um motorista de segurança no assento da frente.

A empresa parece estar se dedicando a atrair pessoas idosas como o principal mercado do seu serviço de transporte de passageiros em carros autônomos.

"Cerca de um terço da população do Japão tem pelo menos 65 anos de idade", declarou um porta-voz da May Mobility.

"Isso trouxe mais aposentados e mais pessoas que precisam de assistência no transporte, mas muitas operadoras têm dificuldades de contratação de pessoal. Os veículos autônomos podem ajudar os idosos e outras pessoas, oferecendo uma opção segura e confiável para que eles se movimentem pela cidade."

Testes de veículos autônomos também já começaram na Coreia do Sul, Singapura, Austrália, Nova Zelândia, França, Alemanha, Noruega, Suécia, Suíça e no Reino Unido.

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Com a aprovação da Lei dos Veículos Autônomos no Reino Unido, espera-se que os táxis-robôs cheguem às ruas britânicas até 2026.

A start-up croata Verne firmou parceria com a Mobileye, da Intel, para lançar um carro sem volante de direção e assentos para duas pessoas. Espera-se que ele chegue às ruas de 11 cidades da União Europeia, Reino Unido e do Oriente Médio - incluindo Manchester, na Inglaterra.

Uma característica fundamental do seu veículo, segundo a empresa, é a introdução de uma chave física para que os clientes possam iniciar e encerrar a corrida. A empresa afirma que o objetivo é tentar oferecer aos passageiros a sensação de controle do veículo.

Lucratividade e regulamentação

É claro que algumas pessoas estão prontas para entrar em um táxi sem motorista, com a mesma disposição com que fazem em um veículo normal. Mas conquistar aquelas que ainda têm dúvidas será essencial para recuperar os investimentos dedicados aos veículos autônomos.

Enquanto as regulamentações tentam acompanhar a tecnologia em muitas partes do mundo, ainda existem dificuldades para convencer passageiros na quantidade necessária para tornar o sistema lucrativo.

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A GM publicou recentemente um prejuízo de US$ 435 milhões (cerca de R$ 2,5 bilhões) com a Cruise no último trimestre, mesmo com a suspensão das operações no ano passado.

A Motional - uma empresa de táxis-robôs mantida, em parte, pela Hyundai - atingiu 100 mil viagens pelas plataformas Uber e Lyft em Las Vegas, até que o projeto foi suspenso em maio deste ano, causando inúmeras demissões.

O CEO da Motional, Karl Iagnemma, reconheceu as dificuldades enfrentadas pelo setor. Para ele, "o desenvolvimento de veículos autônomos em larga escala não irá acontecer da noite para o dia".

O veículo da Waymo que transporta a autora desta reportagem encontra outro carro da empresa nas ruas de São Francisco
Foto: Martine Paris / BBC News Brasil

"Estamos empolgados com a velocidade do nosso progresso técnico e o nosso desenvolvimento comercial inicial trouxe ideias valiosas, mas o desenvolvimento de veículos autônomos em larga escala ainda é um objetivo futuro, não para o presente."

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A Waymo também não conseguiu concretizar seu objetivo de atingir um milhão de viagens por dia, com 20 mil automóveis. Mas novas empresas estão entrando no mercado dos táxis-robôs.

A Tesla, de Elon Musk, anunciou o lançamento do seu táxi-robô Cybercab. Esperado há muito tempo, o veículo não terá volante nem pedais. Mas a empresa não prevê sua entrada em produção antes de 2026.

Antes do anúncio, Musk também declarou que pretende oferecer aos proprietários de veículos da Tesla a oportunidade de alugar seus próprios automóveis como táxis autônomos até o final de 2025. Os testes já estão em andamento na região de São Francisco.

"Para os funcionários da Tesla na área da baía [de São Francisco], já estamos oferecendo funções de transporte por aplicativo", segundo Musk. "Com o aplicativo em desenvolvimento, você pode pedir uma corrida e um carro o levará para qualquer lugar na área da baía. Por enquanto, temos motoristas de segurança."

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Mas a aprovação de regulamentações para este esquema está longe de ser obtida. Até novembro de 2024, a Tesla conseguiu apenas uma autorização de teste de veículos autônomos com motoristas de segurança atrás do volante na Califórnia.

Musk foi nomeado para ocupar um cargo no governo do presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump. O empresário afirmou que irá pressionar pela atualização das leis sobre veículos autônomos.

A CEO da GM, Mary Barra, comentou recentemente sobre suas frustrações com o sistema de aprovação de regulamentações, na conferência TechCrunch Disrupt. As regulamentações de segurança das rodovias federais americanas, por exemplo, exigem volante e airbags em todos os automóveis.

"Pessoalmente, venho trabalhando com os legisladores para conseguir mudanças das leis, pois é preciso alterar a legislação federal sobre padrões de segurança para veículos motorizados", segundo Barra. "E provavelmente já venho trabalhando nisso há seis ou sete anos."

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Mas a grande batalha no setor de táxis-robôs pode ser a conquista da confiança do público.

Afinal, mesmo com tantas opções disponíveis, pode levar algum tempo para que os passageiros menos arrojados se sintam suficientemente confortáveis para se sentar e aproveitar a viagem nos veículos autônomos.

Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Innovation.

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