A Índia está sob quarentena nacional para impedir a propagação do surto de novo coronavírus. As pessoas foram instruídas a ficar em casa, mas para muitos essa não é uma opção.
Antes do anúncio da quarentena para todo o país, na terça-feira (24/03), fui às ruas ouvir o que as pessoas estavam pensando sobre a pandemia.
A região de Labour Chowk geralmente está repleta de homens procurando emprego na construção civil. Ali, um cruzamento de estradas no subúrbio de Déli, é um ponto de acesso onde os construtores vêm contratar trabalhadores.
Mas a área estava estranhamente silenciosa quando eu dirigi até lá no domingo, durante o bloqueio inicial. Tudo estava parado — nunca se imaginou que fosse possível ouvir o som de pássaros cantando em uma área tão movimentada.
Mas eu ouvi, quase sem acreditar.
Logo vi um grupo de homens amontoados em um canto.
Parei e perguntei a eles, a uma distância segura, se eles estavam seguindo as restrições.
"Sabia que não haveria ninguém para nos contratar, mas ainda assim nos arriscamos", disse Ramesh Kumar, que vem do distrito de Banda, no Estado de Uttar Pradesh.
"Eu ganho 600 rúpias (R$ 40) todos os dias e tenho cinco pessoas para alimentar. Nós ficaremos sem comida em alguns dias. Conheço o risco de coronavírus, mas não posso deixar meus filhos com fome", ele acrescentou.
Milhões de outros trabalhadores estão em uma situação semelhante. A quarentena anunciada pelo primeiro-ministro Narendra Modi na noite de terça-feira significa que agora eles enfrentam a perspectiva de não ter renda nas próximas três semanas. A probabilidade é que alguns ficarão sem comida nos próximos dias.
A Índia tem mais de 500 casos confirmados e pelo menos 10 pessoas morreram.
Vários governos estaduais, incluindo os de Uttar Pradesh, no norte, Kerala, no sul, e a capital nacional, Déli, prometeram transferências diretas de dinheiro para contas de trabalhadores como Kumar. O governo do primeiro-ministro Modi também prometeu ajudar os assalariados afetados pelo bloqueio.
Mas há desafios logísticos.
Pelo menos 90% da força de trabalho da Índia trabalha está no setor informal, de acordo com a Organização Internacional do Trabalho, em funções como seguranças, funcionários de limpeza, puxadores de riquixás (veículo de duas rodas para uma pessoa), vendedores ambulantes, coletores de lixo e domésticas.
Desamparados e sem renda
A maioria não tem acesso a aposentadoria, licença médica, licença remunerada ou qualquer tipo de seguro. Muitos não têm contas bancárias, precisando de dinheiro vivo para atender às suas necessidades diárias.
Muitos são trabalhadores migrantes, o que significa que eles são tecnicamente residentes de um Estado diferente daquele em que trabalham. Além disso, há o problema da população flutuante: pessoas que não vivem em nenhum Estado por um longo período e que se deslocam para encontrar trabalho.
Akhilesh Yadav, ex-ministro-chefe de Uttar Pradesh, admite que esses desafios são enormes, reconhecendo que "ninguém em nenhum governo os enfrentou antes".
"Todos os governos precisam agir rapidamente, porque a situação está mudando todos os dias. Precisamos ativar grandes cozinhas comunitárias e entregar comida para as pessoas que precisam. Precisamos distribuir dinheiro, arroz e trigo — independentemente de quem vem de qual Estado", ele disse.
Yadav está particularmente preocupado com seu Estado, que é o mais populoso da Índia, com cerca de 220 milhões de habitantes.
"Temos que impedir que as pessoas viajem de uma cidade a outra para evitar a transmissão da comunidade. E uma maneira de fazer isso é garantir a segurança alimentar. As pessoas correm para seus vilarejos em tempos de crise", acrescentou.
O ministro-chefe de Uttar Pradesh, Yogi Adityanath, disse que uma equipe de trabalhadores estava rastreando aqueles que chegaram de outros Estados e todos que precisam de ajuda serão apoiados por seu governo.
A Indian Railways suspendeu todos os serviços de trens de passageiros até 31 de março.
Porém, apenas alguns dias antes do início da quarentena, centenas de milhares de trabalhadores migrantes viajaram em trens lotados de cidades atingidas por surtos como Déli, Mumbai e Ahmedabad até seus vilarejos nos Estados de Uttar Pradesh e Bihar.
Isso aumentou o risco de transmissão da comunidade e os especialistas temem que as próximas duas semanas sejam as mais desafiadoras para a Índia.
No entanto, nem todos puderam se dar ao luxo de viajar para suas aldeias.
Frustração e incerteza
Kishan Lal, que trabalha como puxador de riquixás na cidade de Allahabad, no norte, disse que não ganhou dinheiro nos últimos quatro dias.
"Preciso ganhar dinheiro para alimentar minha família. Ouvi dizer que o governo vai nos dar dinheiro — embora eu não tenha ideia de quando e como", disse ele.
Seu amigo Ali Hasan, que trabalha como faxineiro em uma loja, disse que ficou sem dinheiro para comprar comida.
"A loja fechou há dois dias e eu não fui pago. Não sei quando ela será aberta. Estou com muito medo. Tenho uma família, como vou alimentá-los?", indaga.
Milhões de indianos também ganham dinheiro como empresários de rua — aqueles que possuem pequenas empresas e empregam pessoas com condições parecidas.
Mohammed Sabir, que administra uma pequena barraca de bebidas à base de iogurte em Déli, diz que contratou duas pessoas recentemente, antecipando a expectativa de mais negócios durante o verão.
"Agora não posso pagá-los. Não tenho dinheiro. Minha família ganha algum dinheiro com a agricultura no meu vilarejo. Mas suas colheitas foram danificadas este ano devido a uma tempestade de granizo, então eles estavam contando comigo."
"Sinto-me tão desamparado. Receio que a fome possa matar muitos como nós antes do coronavírus", disse ele.
Todos os monumentos também estão fechados no país e isso teve um impacto para muitos que ganham dinheiro com o turismo.
Tejpal Kashyap, fotógrafo no icônico Portão da Índia em Déli, disse que nunca viu uma queda tão acentuada no trabalho.
"As últimas duas semanas foram ruins, mesmo antes da quarentena. Quase não havia turistas. Agora, não posso nem voltar para minha cidade e nem trabalhar. Estou preso aqui em Déli e constantemente preocupado com minha família em Uttar Pradesh", disse ele.
Motoristas de serviços de carona como Uber e Ola também estão sofrendo.
Joginder Chaudhary, que dirige um táxi para os funcionários de uma companhia aérea de Déli, diz que o governo precisa dar "algum alívio a pessoas como eu".
"Entendo a importância do bloqueio. O coronavírus é perigoso e precisamos nos proteger. Mas não posso deixar de pensar em como vou sustentar minha família se o bloqueio continuar por semanas", disse ele.
E alguns nem ouviram falar de coronavírus.
Um engraxate, que não quis dar seu nome, disse que vinha "polindo os sapatos das pessoas na estação ferroviária de Allahabad há anos, mas ninguém aparece agora".
Ele disse que nem sabe por que as pessoas pararam de viajar.
"Não sei o que está acontecendo. Hoje em dia, muitas pessoas não chegam à estação. Sei que há algum toque de recolher, mas não sei por quê", afirmou.
Vinod Prajapati, que vende garrafas de água na mesma área, intervém na conversa.
"Eu sei tudo sobre o coronavírus. É muito perigoso, o mundo inteiro está lutando. A maioria das pessoas que têm dinheiro ficam em ambientes fechados. Mas para pessoas como nós, a escolha é entre segurança e fome. O que devemos escolher?" ele pergunta.
*Vivek Singh colaborou com informações e fotos