A pandemia do novo coronavírus chegou nesta quinta-feira (2) à marca de 1 milhão de pessoas infectadas e já tirou a vida de mais de 50 mil. O surto que começou na província chinesa de Hubei e foi declarado pandemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS) após se disseminar para 181 países e regiões. Os mais impactados - Estados Unidos, Itália, Espanha, China e Alemanha - adotaram mudanças drásticas nos seus modos de vida - do trabalho à religiosidade.
O presidente americano, Donald Trump, falou em possivelmente 100 mil mortes no país - mais que a soma das Guerras da Coreia e do Vietnã. A chanceler alemã, Angela Merkel, fez seu primeiro pronunciamento televisivo à nação em 14 anos de mandato, pedindo calma, solidariedade e união da maior potência econômica europeia frente ao "maior desafio desde a Segunda Guerra".
Itália e Espanha têm, somadas, metade das mortes decorrentes do novo vírus. O prefeito do principal centro financeiro italiano, Milão, pediu desculpas por não ter entendido a gravidade da situação com antecedência. Mas da China vem um alento: a vida normal está sendo retomada aos poucos nas principais cidades do país mais populoso do planeta.
A nova realidade, que se aproxima cada vez mais do Brasil, é de vazio: metrópoles geralmente abarrotadas agora com ruas sem pessoas, multas para quem desobedecer as medidas de restrição de circulação e de enfraquecimento da economia. A imagem da sempre lotada Times Square, em Nova York, a região mais populosa dos EUA e agora o centro da epidemia, não nega que os novos tempos chegaram. Até quando, não se sabe.
Veja abaixo como o coronavírus mudou a vida em alguns países:
Estados Unidos
Os EUA começaram a tratar o vírus com ceticismo. O presidente Trump desdenhava dos perigos do "vírus chinês", como tratou a ameaça por muito tempo. Mas, ao ver os números crescerem e o país se tornar o mais afetado pela covid-19, mudou. Estados aos poucos foram confinando suas populações e reuniões foram proibidas na cidade mais agitada do país, Nova York, com seus 8,6 milhões de habitantes.
Trump exigiu, por meio da Lei de Proteção de Defesa, da época da Guerra da Coreia, que montadoras de veículos produzam respiradores pulmonares e os forneçam ao governo. Também promulgou um plano de US$ 2 trilhões para estimular a economia, naquela que foi a maior iniciativa federal de intervenção econômica da história americana.
E enviou uma carta aos americanos pedindo que fiquem em casa. "Mesmo se você for jovem, ou saudável, você está em risco e suas atitudes podem aumentar o risco para outras pessoas. É importante que você faça sua parte para reduzir o espalhamento do coronavírus".
Alemanha
Principal economia da Europa, a Alemanha viveu um momento histórico ao ver, na última semana, a chanceler Angela Merkel fazer um pronunciamento em televisão e rede pública à nação - o primeiro em 14 anos. Ela pediu união e destacou que todos os cidadãos terão um papel para conter o avanço do vírus. Escolas, lojas, restaurantes e teatros estão fechados no país.
A Alemanha tem uma das taxas de mortalidades decorrentes do coronavírus mais baixas. Alguns motivos para essa taxa, inferior a 1%, são a elevada quantidade de testes, o tratamento dos infectados e o rastreamento de quem entrou em contato com uma pessoa que testou positivo. Esses também são isolados e colocados em quarentena.
Itália
Desde 21 de fevereiro, quando registrou a primeira morte pela covid-19, a Itália viu crescer assustadoramente o número de casos. Em 2 de abril, o número de mortos chegava a 13.155 e mais de 110 mil infectados. Na semana passada, o prefeito de Milão, cidade mais rica do país, pediu desculpas por ter demorado para fechar a cidade, que registrou mais de 4.400 mortes. "Naquele momento ninguém tinha compreendido a gravidade desse vírus", admitiu.
Apenas farmácias e mercados de alimentos podem funcionar no comércio italiano. Todas as escolas e universidades no país paralisaram suas atividades. Manifestações culturais, eventos religiosos e festivos foram suspensos. Apesar das estatísticas desanimadoras, a taxa de crescimento de novos casos de covid-19 cai no país europeu. Outro alento é que o vírus está mais concentrado no norte da nação, com menos força nas regiões central e sul.
Espanha
Os quase 47 milhões de espanhóis têm visto o coronavírus se alastrar pelo país a uma velocidade maior que outras nações. A população está fechada desde 14 de março. No início da semana, o país teve mais de mil mortes em um dia. Já são mais de 1.000 mortes decorrentes da covid-19 em território espanhol.
As regiões de Madri e da Catalunha, as duas mais ricas e industrializadas, também são as mais afetadas. A Espanha superou os 110 mil casos, mas tem visto o avanço da pandemia desacelerar.
China
Local onde a pandemia começou, a cidade de Wuhan, de mais de 10 milhões de habitantes, já vê as medidas de confinamento serem flexibilizadas. A China, inclusive, é o país com mais casos de pacientes que se recuperaram do coronavírus: 76 mil. O total de infectados é de 82 mil, mas há ceticismo nesses números.
Nesta semana, a agência Bloomberg mostrou que autoridades de inteligência dos Estados Unidos concluíram que a China ocultou a extensão do surto, subnotificando o total de casos e as mortes causadas pela doença. O país está preocupado com a possibilidade de um segundo surto surgir no país de 1,3 bilhão de habitantes, com a volta da possibilidade de estrangeiros visitarem o país e de pessoas que moravam lá temporariamente e voltaram para suas nações.
América Latina
Autoridades de países como Argentina, Bolívia, Colômbia, Chile, México, Paraguai, Peru e Venezuela têm apostado em medidas de restrição de circulação de pessoas para conter a disseminação do vírus. Enquanto nações como o Chile optam pela quarentena progressiva, que vai aumentando dia após dia, outros como Argentina, Colômbia, México e Bolívia decidiram pelo fechamento total.
Quem for para a rua pode ser multado se não der explicações razoáveis para estar 'furando' a quarentena. A Argentina fechou suas fronteiras e estabeleceu uma quarentena obrigatória em 20 de março até pelo menos 12 de abril, com possibilidade de prorrogação.
Organizações internacionais
"Nos próximos dias, haverá 1 milhão de casos confirmados e 50 mil mortes". Foi esse o alerta do diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, em sua entrevista na quarta-feira 1, lembrando que a pandemia está se acelerando rapidamente.
A OMS, personificada em Tedros Adhanom, virou um dos nomes mais repetidos nos cinco continentes com seus alertas diários e recomendações de distanciamento social, realização de testes e táticas para enfrentamento do coronavírus.
Nesta semana, Tedros Adhanom e os líderes da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) e da Organização Mundial do Comércio (OMC) alertaram para o risco de haver escassez de alimentos. O documento alerta que as incertezas "podem gerar uma onda de restrições à exportação" e "escassez no mercado mundial".
Brasil
Com 7.900 casos e 240 mortos, o Brasil também vê o coronavírus avançar. No País, uma disputa política entre governos estaduais e o presidente Jair Bolsonaro tem sido a tônica dos últimos dias. Enquanto governadores como João Doria, de São Paulo, e Wilson Witzel, do Rio, apoiam medidas como quarentenas e confinamento social para não serviços não-essenciais, Bolsonaro discorda.
"Temos uma missão: salvar vidas sem deixar para trás os empregos. Por um lado, temos que ter cautela com todos, principalmente com os mais velhos. Por outro, temos que combater o desemprego que cresce rapidamente", afirmou em pronunciamento no início da semana. O presidente tem sido alvo de panelaços em capitais como São Paulo, Brasília, Curitiba, Belo Horizonte e Rio.
Para o professor de relações internacionais da Fundação Getúlio Vargas Oliver Stuenkel, o Brasil acaba perdendo a oportunidade de liderar a luta contra o coronavírus na região. Segundo ele, para estar à frente desse desafio, o país precisa ser visto como um ator legítimo, que apoia a cooperação regional, oferece ideias sobre o futuro da região e que seja suficientemente imparcial para ser visto como um bom interlocutor entre os membros da comunidade internacional.
"São características que o Brasil hoje não tem - nem na região e nem no âmbito internacional. É um país que deixou de articular visão para futuro da América Latina e nem sequer tem visão para o futuro do Mercosul", afirma Stuenkel. "O Brasil não tem uma boa interlocução com os outros principais atores da região, sobretudo Argentina e México. Não vejo como isso poderia mudar porque perdeu a credibilidade, o que impossibilita uma recuperação enquanto Bolsonaro for presidente".
Ex-diretor da FAO, o engenheiro agrônomo José Graziano defende a necessidade de o governo estimular os agricultores e coordenar políticas emergenciais para um momento como esse, evitando assim o temido desabastecimento de alimentos. "Precisamos valorizar os circuitos curtos de produção e a agricultura de proximidade. Não podemos permitir que uma crise de saúde se transforme em uma crise de abastecimento", afirmou. "Espero que tenhamos maturidade para não transformar essa situação em uma disputa política". / Com Reuters, AFP, e EFE