Ao criticar o fechamento de escolas e do comércio por causa do novo coronavírus — ao qual se referiu como "gripezinha ou resfriadinho" — e afirmar que o Brasil deve voltar à normalidade, o presidente Jair Bolsonaro adotou uma postura diferente da maioria de seus aliados externos.
Enquanto o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, também anunciou nesta semana a intenção de "reabrir" a economia americana até a Páscoa, em 12 de abril, outros líderes internacionais alinhados a Bolsonaro estão adotando restrições duras para combater a pandemia, que já afetou mais de 466 mil pessoas e deixou mais de 21 mil mortos em todo o mundo.
As declarações de Bolsonaro e de Trump foram criticadas por epidemiologistas e especialistas em saúde pública, que alertam para o risco de mortes caso medidas de distanciamento social sejam canceladas em meio à pandemia.
Na terça-feira (24/03), mesmo dia em que a televisão brasileira transmitia o pronunciamento de Bolsonaro, o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, que recebeu o presidente brasileiro em janeiro deste ano, anunciava em rede nacional de TV uma quarentena de três semanas em todo o país.
Segundo o anúncio, feito apenas quatro horas antes da entrada em vigor, prevista para as 00h01min desta quarta (25/03), a população indiana está proibida de sair de casa nos próximos 21 dias. Quem desobedecer a ordem estará sujeito a até um ano de prisão.
'Não há outra maneira'
A restrição é uma das mais extremas já adotadas por um governante nesta pandemia, em um país com 1,3 bilhão de habitantes.
Escolas, templos, fábricas, escritórios, parques e o espaço aéreo estão fechados, assim como as divisas entre os Estados. Lojas de alimentos, bancos e postos de gasolina permanecerão em funcionamento.
Economistas temem que um longo período de quarentena possa devastar a economia indiana, onde milhares trabalham no setor informal ou em funções com baixa remuneração e não têm como trabalhar de casa, mas Modi disse que o distanciamento social é a "única opção" para enfrentar a pandemia.
"Não há outra maneira de escapar do coronavírus", afirmou o primeiro-ministro.
A decisão foi elogiada por especialistas em saúde pública, que alertam para o risco de devastação caso o vírus se espalhe em um país em que milhões vivem na pobreza e em condições de aglomeração — que tornam difícil manter distanciamento social — e com um sistema de saúde já sobrecarregado, sem condições de responder à pandemia.
Até o momento, a Índia tem 653 casos confirmados de covid-19, a doença causada pelo novo coronavírus, com 12 mortes.
Acredita-se que a transmissão comunitária ainda seja baixa, e que a maioria dos doentes tenha sido infectado após viagem ao exterior. Mas há o temor de que o número real seja bem mais alto, já que há dificuldade de acesso a testes.
Israel
Em Israel, outro dos principais aliados externos de Bolsonaro, o primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, disse nesta quarta-feira (25/03) que seu governo já está se preparando para impor uma quarentena completa no país, caso o novo coronavírus continue a avançar rapidamente.
Israel tem 2.369 casos confirmados, sendo mais de 400 deles apenas no último dia, e registra cinco mortes.
"As medidas que nós adotamos aqui em Israel estão sendo adotadas em todo o mundo. No entanto, não são suficientes, porque o número de pacientes está dobrando a cada três dias", disse Netanyahu.
"Se não ocorrer uma melhora imediata nessa tendência, não haverá alternativa a não ser impor uma quarentena completa, exceto para necessidades básicas como comida e medicamentos", afirmou o premiê israelense.
O governo israelense já vem endurecendo as restrições ao movimento de pessoas para tentar conter a crise. Novas medidas anunciadas nesta quarta determinam que as pessoas evitem sair de casa, a não ser para comprar comida, medicamentos ou ir ao médico. Quem quiser um pouco de ar fresco poderá caminhar até no máximo 100 metros de distância de sua casa.
As escolas, universidades e todo tipo de estabelecimento de cultura e lazer estão fechados. Estão proibidas aglomerações de mais de 10 pessoas, que devem manter distância de pelo menos dois metros entre si. Em setores essenciais e nos quais funcionários não têm como trabalhar de casa, a temperatura de todos os empregados será medida e aqueles com mais de 38 graus terão a entrada proibida.
"Precisamos ficar em casa. Fiquem em casa e fiquem vivos. Todos devem obedecer", disse Netanyahu.
Quem desobedecer as restrições estará sujeito a multa e a até seis meses de prisão. Netanyahu também disse que deverá anunciar nos próximos dias um plano para enfrentar o impacto da pandemia na economia israelense, que já enfrenta taxa de desemprego de de 20%.
Israel atravessa um período de turbulência política, depois de três eleições em menos de um ano. Algumas das medidas adotadas por Netanyahu, como o fechamento da maioria dos tribunais e a autorização do uso de dados secretos de celular para rastrear pessoas que estiveram em contato com doentes, foram consideradas por críticos do premiê como uma tentativa de se aproveitar da pandemia para obter ganho político.
Netanyahu também conseguiu recentemente o adiamento de seu julgamento por corrupção devido ao coronavírus. Além disso, diante da pandemia, as negociações para a formação do governo após as últimas eleições, realizadas no início do mês, estão paradas.
Reputação
Outros líderes alinhados a Bolsonaro, como o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, e o presidente da Filipinas, Rodrigo Duterte, também adotaram medidas rígidas em reação à pandemia.
Orbán ordenou o fechamento de escolas, universidades e do comércio, com exceção de supermercados e farmácias, e adiou a realização de eventos culturais e esportivos. Duterte, impôs quarentena na ilha de Luzon, a mais populosa do país, com mais de 50 milhões de habitantes.
Tanto Duterte quanto Orbán são criticados por usar a pandemia para ampliar seus poderes. Duterte por ter decretado estado de calamidade - assim como Bolsonaro -, e Orbán por buscar ampliar o estado de emergência.
Culpar os especialistas
O cientista político Oliver Stuenkel, professor de Relações Internacionais na Fundação Getúlio Vargas (FGV), afirma que a posição brasileira talvez seja a que mais chama a atenção globalmente.
"Apesar da peculiaridade (da resposta) brasileira, ela pode ser comparada com a resposta americana. Basicamente é uma estratégia de três passos", diz Stuenkel à BBC News Brasil.
"Minimizar inicialmente o problema, implementar medidas de distanciamento social, mas deixando claro para os seguidores que isso é feito de maneira relutante, e o terceiro passo é culpar os especialistas em saúde pelos danos econômicos que essas medidas estão causando."
No caso dos Estados Unidos, apesar de suas declarações, Trump não tem o poder para ordenar a reabertura da economia americana. São os governadores que decidem se e quando seus Estados voltarão à normalidade.
Para Stuenkel, a postura ambígua e as críticas às medidas (de distanciamento social) permitem ao presidente se distanciar da crise econômica, quando esta ocorrer, e culpar outros. Ele ressalta ainda que parte dos eleitores ligados ao mercado financeiro quer que a economia volte ao normal o mais rápido possível.
Mas o analista afirma que, ao adotar uma resposta à pandemia na contramão da maioria dos países, o Brasil sofrerá impacto "gravíssimo" em sua reputação internacional.
"Depois da crise diplomática causada pelos incêndios na Amazônia, essa talvez seja a pior crise de reputação do Brasil desde que o governo Bolsonaro começou."