Cientistas da Universidade de Oxford, no Reino Unido, estão testando o uso de ivermectina por pessoas com sintomas de covid-19. Mas atenção: eles apontam que seria prematuro recomendar ivermectina contra a doença causada pelo novo coronavírus.
O estudo, chamado Principle, vai fazer uma comparação das pessoas que receberam o medicamento (que não tem eficácia comprovada contra covid-19) com pacientes que recebem os cuidados normais do sistema público de saúde britânico, o NHS (equivalente ao SUS brasileiro).
A mesma pesquisa mostrou que azitromicina era ineficaz contra a covid.
Mesmo sem ter eficácia comprovada contra a covid, a ivermectina se popularizou com a chegada da pandemia de covid-19: a partir do segundo semestre de 2020, ela passou a ser apontada como um possível tratamento contra o novo coronavírus, apesar da falta de evidências científicas suficientes para dar suporte a essa afirmação. Entenda aqui como isso ocorreu.
No Brasil, o medicamento é defendido, sem base científica, pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) como estratégia de combate ao coronavírus, dentro do chamado "kit covid" ou "tratamento precoce". No entanto, diretores de Unidades de Terapia Intensiva de hospitais de referência no Brasil ligam 'kit Covid' a maior risco de morte.
Esse mix farmacológico não é reconhecido ou chega a ser contra-indicado por entidades como a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos e da Europa, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI).
Usada para tratar infecções parasitárias, como a oncocercose (cegueira do rio), transmitida por moscas, a ivermectina também demonstrou matar vírus em laboratório - porém em doses muito mais altas do que normalmente seriam prescritas para pessoas.
Aurora Baluja, anestesiologista e médica intensivista, lembra que a ivermectina costuma ser administrada em partes do mundo onde há alta incidência de infecções parasitárias.
Pacientes com covid que também estão lutando contra uma doença parasitária ao mesmo tempo provavelmente ficam mais vulneráveis e isso poderia explicar alguns de seus efeitos aparentemente positivos.
Embora tenha havido alguns resultados "promissores" iniciais de pequenos estudos observacionais, o pesquisador-chefe adjunto do estudo Principle, professor Richard Hobbs, disse que seria "prematuro" recomendar a ivermectina para Covid.
Os estudos observacionais analisam as pessoas que já estão tomando o medicamento, em vez de administrá-lo a um grupo representativo da população. Portanto, eles deixam de levar em conta as diferenças nos tipos de pessoas que podem escolher aquele tratamento e outros fatores que podem ter influenciado a disseminação do vírus na época.
'Padrão ouro'
Um estudo observacional sugeriu anteriormente que o antibiótico azitromicina pode estar ajudando os pacientes da covid - mas a pesquisa Principle mostrou mais tarde que o remédio era ineficaz.
Ensaios como o Principle são vistos como "padrão ouro" porque podem ter muito mais certeza de que estão sendo medidos os efeitos do remédio e não de outros fatores.
Apesar da falta de boas evidências até o momento, a ivermectina tem sido adotada por médicos ou por pessoas que se automedicam em países como Brasil, Bolívia, Peru, África do Sul e Estados Unidos.
Nos EUA, o provedor SingleCare disse que 817 receitas de ivermectina (que também pode ser usada para tratar doenças de pele como rosácea) foram emitidas em janeiro e fevereiro de 2021, em comparação com 92 no mesmo período de 2020.
Stephen Griffin, da Universidade de Leeds, no Reino Unido, disse que "muito parecido com o que aconteceu antes com a hidroxicloroquina, tem havido uma quantidade considerável de uso off-label (uso diferente do aprovado em bula) desse remédio", com base principalmente em estudos do vírus em laboratório, não em pessoas.
"O perigo com esse uso off-label é que o uso do remédio passa a ser impulsionado por grupos de interesse específicos ou proponentes de tratamentos não convencionais e se torna politizado", disse ele, acrescentando que este ensaio deve fornecer uma "resposta final" sobre se a ivermectina deve ou não ser usada para tratar o coronavírus.
A equipe da Universidade de Oxford disse que selecionou a ivermectina para ser incluída no estudo porque estava "prontamente disponível globalmente" e era relativamente segura (embora possa ser tóxica em doses muito altas).
Dos seis outros medicamentos do estudo Principle para serem tomados em casa, apenas um (o esteroide inalado budesonida) provou ser eficaz até agora.
Um projeto similar, o Recovery, de tratamentos para pacientes hospitalizados, descobriu que outro esteroide, a dexametasona, poderia ser usado no tratamento da covid. Acredita-se que o medicamento foi capaz de salvar mais de 20 mil vidas no Reino Unido.