Donald Trump chama Mar-a-Lago de a "Mona Lisa" dos imóveis, mas quanto vale realmente o clube na Flórida?
A questão está no centro do julgamento por fraude que ameaça os negócios da família do ex-presidente americano.
Não há consenso sobre o valor. Ele vai desde uma avaliação fiscal de US$ 18 milhões (ou R$ 88,7 milhões), até mais de US$ 1 bilhão (R$ 4,9 bilhões), segundo uma testemunha ouvida no tribunal.
Ao longo do julgamento de 10 semanas em Nova York, acusação e defesa contestaram o valor do clube privado de Trump na Flórida — bem como a linha que divide avaliações imobiliárias legítimas e fraude.
Trump, seus dois filhos adultos e a Organização Trump são acusados de inflar artificialmente o valor dos ativos - que também incluem propriedades como a Trump Tower e vários resorts de golfe - em US$ 2 bilhões (R$ 9,85 bi), para que pudessem conseguir acordos melhores sobre as taxas de juro de empréstimos.
Estas taxas mais vantajosas pouparam às empresas de Trump mais de US$ 150 milhões (R$ 739 mi) ao longo de uma década, segundo a procuradora-geral de Nova York, Letitia James.
James está tentando proibir Trump de realizar negócios no Estado.
O julgamento está chegando ao fim, mas antes mesmo de começar, o juiz Arthur Engoron, um democrata, concluiu que os documentos financeiros no centro destas alegações "claramente contêm avaliações fraudulentas que os réus usaram nos negócios".
"Esse é um mundo de fantasia, não o mundo real", concluiu, considerando-os responsáveis por fraude.
Trump já recorreu da decisão no pré-julgamento em uma das acusações. Agora o juiz - não há júri neste julgamento - deve decidir sobre outras seis acusações de fraude.
Esperava-se que o ex-presidente voltasse ao banco das testemunhas na segunda-feira (11/12), mas ele anunciou em uma publicação nas redes sociais na noite de domingo (10/12) que não tinha mais nada a dizer em um caso que descreve como motivado politicamente.
Mais uma vez, foi a acusação específica de que ele inflou o valor de Mar-a-Lago que mais pareceu ofendê-lo. "Eles alegaram que Mar-a-Lago valia apenas US$ 18 milhões, quando valia de 50 a 100 vezes esse valor", afirmou.
O 'elefante branco' que era impossível de vender
O real valor de Mar-a-Lago não é algo simples de calcular. A propriedade histórica de Palm Beach tem restrições em sua escritura, o que significa que só pode ser usada como clube privado.
O terreno não pode ser loteado e demanda gastos consideráveis com sua manutenção. Foi construído em 1927 para a empresária e socialite Marjorie Merriweather Post.
Esta escritura surgiu na década de 1990, quando Trump disse que Mar-a-Lago era muito cara para ser preservada como residência privada, chamando-a de "elefante branco" que era "quase impossível de vender".
Mudar seu status para clube privado significava que ele poderia usar pesadas taxas de adesão para ajudar a pagar pela manutenção.
Rosalind Clarke, corretora imobiliária de Palm Beach desde a década de 1980 e ex-presidente do Conselho de Corretores de Imóveis de Palm Beach, disse à BBC que o problema de avaliar Mar-a-Lago se resumia a essas restrições.
Clarke explicou que o valor é baseado nas receitas do clube e "não no valor do terreno". Ela disse que, se não existissem restrições na escritura, "o valor do imóvel seria significativamente maior".
Entre 2011 e 2021, Trump é acusado de avaliar Mar-a-Lago como se não houvesse restrições de escritura.
Qual é o valor dito por Trump em documentos financeiros?
Em sua decisão pré-julgamento, o juiz Engoron observou que o assessor do condado de Palm Beach avaliou o valor de mercado de Mar-a-Lago entre US$ 18 milhões (R$ 88,7 mi) e US$ 27,6 milhões (R$ 136 mi) para fins fiscais.
Em contraste, Trump avaliou Mar-a-Lago entre US$ 426,5 milhões (R$ 2,1 bi) e US$ 612 milhões (R$ 3 bi) durante a mesma década, "uma sobrevalorização de pelo menos 2.300%, em comparação com a avaliação do avaliador", escreveu o juiz.
Especialistas imobiliários apontam que o valor do avaliador fiscal é normalmente inferior ao valor pelo qual uma propriedade poderia ser vendida, portanto, não é uma comparação correta.
A procuradora-geral de Nova York alega que Trump apresentou números mais elevados em termos de preço de propriedades "comparáveis" - mas estes eram para terras sem restrições de escritura.
O caso da procuradora-geral afirma que se trata de fraude, que a Organização Trump sabia das restrições à escritura de Mar-a-Lago e que as ignorou para chegar a valores como se fosse uma residência particular comum.
Uma casa digna de um 'rei ou imperador'
Estes números estão no cerne do processo. Embora o caso envolva inúmeras propriedades de Trump, Mar-a-Lago é onde Trump se encontra com ricos e poderosos.
E é a casa dele. É onde o ex-presidente passava o tempo quando não estava na Casa Branca.
E foi em um de seus banheiros de mármore que, segundo o procurador especial federal Jack Smith, Trump teria escondido documentos confidenciais.
Ouvir avaliações baixas de Mar-a-Lago tem sido um grande obstáculo para Trump, e ele frequentemente menciona o assunto em entrevistas coletivas e nas redes sociais.
A equipe jurídica de Trump chamou o corretor de imóveis de luxo da Flórida, Lawrence Moens, como testemunha, e ele disse ao tribunal que Mar-a-Lago valia mais de US$ 1 bilhão.
Moens disse que os mais ricos dos ricos fariam fila para comprar a propriedade, de "Elon Musk a Bill Gates", além de "reis, imperadores e chefes de Estado".
Se as restrições à escritura não existissem, ele poderia estar certo.
O que está em jogo?
Quando Trump estava no banco das testemunhas, no início do julgamento, ele disse ao tribunal que não estava legalmente vinculado às restrições à escritura de Mar-a-Lago. Ele também disse que as avaliações teriam sido mais altas se tivessem levado em conta a marca Trump.
Os seus advogados também argumentaram que não importa realmente quais eram os valores dos ativos, porque os bancos fazem a sua própria investigação e não se baseiam apenas nas demonstrações financeiras para tomar decisões de empréstimo.
O perito final da defesa, o especialista em contabilidade e professor da Universidade de Nova York, Eli Bartov, disse ao tribunal que havia erros nos documentos financeiros, mas eles não ocultaram a fraude nem demonstraram intenção.
Ele disse que estas "declarações de situação financeira" eram apenas o "ponto de partida" que os bancos e credores usam para avaliações, e que "as avaliações são subjetivas".
Esse tema desemboca num argumento comum levantado por Trump: os bancos não se importam porque ganharam dinheiro. "Nenhum banco foi afetado. Nenhum banco foi ferido", disse ele no início do julgamento.
Mas a acusação não precisa de provar que houve vítimas, mas sim provar que houve fraude intencional. Quando o processo foi aberto pela primeira vez, a procuradora-geral de Nova York disse que "não existem dois conjuntos de leis para as pessoas neste país: os ex-presidentes devem obedecer aos mesmos padrões que os americanos comuns".
Após o depoimento final desta semana, e uma longa pausa antes dos argumentos finais em janeiro, o Juiz Engoron pronunciará a sua decisão sobre as demais acusações de fraude, bem como sobre quaisquer sanções.
Um problema para Trump, segundo Mitchell Epner, advogado que cuida de litígios comerciais, é que "o juiz já concluiu que os documentos mais importantes neste caso eram todos falsos".
O pior cenário para Trump e seus colegas réus seria impedi-los de fazer negócios em Nova York e receber multas de pelo menos US$ 250 milhões (R$ 1,2 bi).
A Organização Trump poderá ser forçada a entregar o controle a um administrador nomeado pelo tribunal ou, em última análise, ter de vender alguns dos seus marcos mais emblemáticos - até mesmo Mar-a-Lago, potencialmente.