A decisão do governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), de assumir ser homossexual ainda é um fato pouco comum na política brasileira — em especial em se tratando de um político que é apontado como pré-candidato à Presidência da República nas eleições de 2022. Ele se tornou o primeiro governador na história do Brasil a assumir ser gay.
Leite disse, em entrevista ao programa Conversa com Bial, da TV Globo, na quinta-feira (1/7): "Eu sou gay, eu sou gay e sou um governador gay. Não sou um gay governador, tanto quanto Obama nos EUA não foi um negro presidente. Foi um presidente negro. E tenho orgulho disso. Não trouxe esse assunto, mas nunca neguei ser quem eu sou. Nunca criei um personagem".
Em um universo de dezenas de milhares de políticos eleitos em diversas esferas, os casos de políticos assumidamente homossexuais são raros no Brasil — como os ex-deputados Jean Wyllis (PSOL-RJ) e Clodovil Hernandes (PTC-SP e PR-SP, falecido em 2009), o senador Fabiano Contarato (Rede-ES), o deputado federal David Miranda (PSOL-RJ, que substituiu Wyllis quando este renunciou, em 2019) e o ex-prefeito de Lins (SP), Edgar de Souza (PSDB).
Na Assembleia Legislativa de São Paulo, o deputado estadual Douglas Garcia (PSL-SP), que integra um movimento conservador, anunciou ser gay em 2019, depois de dizer que tiraria a tapas uma transexual que usasse o banheiro feminino — após um discurso feito por Erika Malunguinho (PSOL-SP), a primeira deputada transexual eleita no parlamento estadual de São Paulo.
Dois chefes de governo gays
No restante do mundo, alguns políticos gays alcançaram altos cargos. Atualmente apenas dois políticos abertamente gays são chefes de governo — em Luxemburgo e na Sérvia. Bélgica, Islândia e Irlanda também tiveram chefes de governo homossexuais no passado (a Noruega chegou a ter um chefe de Estado interino gay). Todos são europeus.
Em 2009, a Islândia elegeu a ex-aeromoça e líder sindical Johanna Sigurdardottir como primeira-ministra — ela foi a primeira chefe de Estado do mundo abertamente homossexual no mundo. No ano seguinte, a Islândia aprovou uma lei permitindo casamento entre pessoas do mesmo sexo, e Sigurdardottir casou-se com sua parceira, com quem vivia desde os anos 1980.
A questão da sexualidade da premiê nunca foi parte de um amplo debate na Islândia. Sigurdardottir sempre foi reservada sobre sua vida privada.
O segundo político assumidamente gay a virar chefe de Estado no mundo foi o ex-premiê da Bélgica, Elio Di Rupo, que governou o país entre 2011 e 2014.
A sua sexualidade foi revelada pelo próprio político em 1996, em meio a um escândalo de pedofilia em que políticos belgas, entre eles Di Rupo, foram acusados de ter relações sexuais com prostitutos menores de idade. Di Rupo foi inocentado e as acusações foram consideradas falsas pela Justiça.
Em seu livro de memórias, o ex-premiê belga lembra que, durante o escândalo, foi perseguido por jornalistas na rua e um deles perguntou se ele era homossexual. "Sim, e daí?", respondeu o político, que duas décadas depois viria a governar a Bélgica.
Atualmente, o único chefe de Estado gay na União Europeia é o primeiro-ministro de Luxemburgo, Xavier Bettel. Ele chegou ao cargo em 2013 e casou-se dois anos depois com seu parceiro, após a introdução de uma nova lei permitindo casamentos gays. Bettel foi reeleito.
"Eu poderia ter escondido ou reprimido e ficado infeliz por toda a minha vida", disse Bettel a uma emissora belga na época.
"Mas eu disse a mim mesmo que se você quer ser um político e ser honesto na política, você tem que ser honesto consigo mesmo e aceitar que você é quem você é."
Bettel sempre manteve privacidade sobre sua vida fora do cargo.
A Sérvia, um país onde a onda conservadora é forte, elegeu Ana Brnabic em 2017 — a primeira mulher e primeira homossexual a ocupar o cargo. No ano seguinte, ativistas da comunidade LGBT criticaram Brnabic por não atuar em favor das pautas de direitos sociais e chegaram a fazer uma campanha para que a premiê não participasse de uma das paradas do Orgulho Gay do país.
Casamentos de pessoas do mesmo sexo são ilegais na Sérvia e nem mesmo uniões civis estáveis são reconhecidas. Uma pesquisa sugere que 20% dos casais gays não conseguem alugar uma casa, devido à discriminação.
Em 2019, a parceira de Ana Brnabic deu à luz ao filho do casal — a primeira vez no mundo em que um chefe de Estado gay tem um filho no cargo.
A Irlanda também teve um político gay como chefe de Estado. Leo Varadkar foi premiê entre 2017 e 2020. Ele assumiu sua homossexualidade em 2015, antes de chegar ao cargo, quando a Irlanda legalizou o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Durante visita oficial aos Estados Unidos em 2019, Varadkar foi acompanhado de seu parceiro em compromissos com o então vice-presidente americano Mike Pence, conservador com histórico de luta contra pautas da comunidade LGBQT+. Varadkar declarou que foi bem-recebido por Pence e fez um discurso contra discriminação na ocasião.
Estados Unidos
Nos EUA, o primeiro político abertamente gay a ter proeminência foi Harvey Milk, do partido Democrata, que se elegeu vereador de San Francisco nos anos 1970.
Ex-militar e combatente na Guerra da Coreia, Milk tornou-se um ícone entre ativistas por defender direitos de pessoas homossexuais. Ele foi assassinado em 1978 dentro da prefeitura de San Francisco por um adversário político, que também matou o prefeito da cidade no mesmo incidente.
Um dos políticos mais famosos a assumir sua homossexualidade foi o democrata Barney Frank, que atuou como deputado entre 1981 e 2013. Ao longo dos anos, ele foi um dos parlamentares mais influentes do Congresso americano.
Frank assumiu ser gay em uma entrevista em 1987. Por décadas, foi ativista de direitos de homossexuais — como o fim da proibição de gays nas Forças Armadas e a legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Ficou famoso por dizer ser uma pessoa "acostumada com minoria": "Sou o único parlamentar canhoto, gay e judeu que existe".
Hoje uma das políticas gays mais famosas do Congresso americano é a democrata Tammy Baldwin, eleita pelo Estado de Wisconsin, que se tornou a primeira deputada abertamente gay em 1999 e a primeira senadora em 2013.
Na eleição passada, em 2020, um ex-prefeito do interior de Indiana disputou a indicação do Partido Democrata para ser candidato à Presidência dos EUA.
Caso vencesse, Pete Buttigieg seria o primeiro candidato abertamente gay entre os grandes partidos americanos. Durante a campanha, seu marido apareceu diversas vezes ao seu lado.
Buttigieg assumiu sua homossexualidade em 2015 ainda quando fazia campanha para se como prefeito. Ele anunciou ser gay em uma coluna publicada em um jornal local.
"Colocar algo tão pessoal nas páginas de um jornal não é fácil. Mas está claro para mim que, em um momento como esse, pode me fazer bem ser mais aberto", escreveu ele no jornal South Bend Tribune. "Ser gay não teve impacto em meus trabalhos no setor privado, no Exército ou no meu cargo atual de prefeito. Não faz de mim melhor ou pior ao lidar com uma planilha, um fuzil, uma reunião de um comitê ou contratar alguém."
Atualmente Buttigieg é ministro dos Transportes do governo do presidente Joe Biden.
Dois Estados americanos são governados por políticos gays: o Oregon (por Kate Brown, que é bissexual) e Colorado (por Jared Polis) — ambos democratas. Brown foi eleita em 2015, a primeira vez em que um político abertamente homossexual ganhou uma eleição estadual nos EUA.
Em outros países, alguns políticos gays ocuparam postos de grande poder. É o caso de Guido Westerwelle, que foi ministro das Relações Exteriores e vice-premiê da Alemanha durante parte do governo de Angela Merkel. No Reino Unido, outro político gay, Peter Mandelson, foi comissário de Comércio Europeu e primeiro secretário de Estado.