A ex-presidente Cristina Kirchner, que governou a Argentina entre 2007 e 2015, deverá ser eleita senadora no próximo domingo, segundo diferentes pesquisas de opinião.
Os levantamentos apontam que Cristina deverá ter cerca de 35% dos votos na maior província da Argentina, a de Buenos Aires, por onde lançou sua candidatura ao Legislativo argentino.
Cristina disputa a liderança da votação com um candidato do seu sucessor na Casa Rosada, o presidente Mauricio Macri.
Sua liderança, apesar da série de denúncias que enfrenta, é atribuída a pelo menos três fatores, segundo políticos e analistas ouvidos pela BBC Brasil: a fidelidade de seus eleitores, a situação da economia argentina na era Macri e a estratégia de comunicação de sua campanha.
Mas este significaria que Cristina poderia voltar à Presidência?
A ex-presidente criou uma nova frente partidária, a Unidad Ciudadana (Unidade Cidadã), intensificou sua comunicação tanto nas redes sociais e no corpo a corpo nos bairros da província e passou a dar entrevistas - algo que raramente fazia quando estava na presidência.
Em suas falas, faz críticas a Macri, dizendo que "os argentinos viviam melhor" em seu governo e que seu sucessor chefia um "governo de ricos" - uma referência ao passado empresarial do atual presidente - e que "o único que trabalha é o ministro das Finanças, emitindo dívida".
Com sua estratégia, Cristina liderou, por exemplo, um trending topic no Twitter na quarta-feira passada, durante entrevista a um programa de rádio.
Hoje, ela é definida por analistas de diferentes tendências como a líder da oposição ao governo de Macri, que enfrentará no próximo domingo a eleição que poderá fortalecer ou não o caminho político e econômico que traçou para sua gestão - isso porque o resultado definirá o mapa do Congresso Nacional.
Há dois meses, quando foram realizadas as eleições primárias, uma prévia da eleição legislativa, a ex-presidente recebeu 34,5% dos votos, superando por margem apertada os votos no candidato governista, o ex-ministro da Educação Esteban Bullrich.
"É impensável que o comportamento do eleitorado mude muito em dois meses, entre agosto e outubro. Cristina será eleita (senadora) pela fidelidade de seus eleitores e por causa das políticas de Macri que afetam os mais carentes", diz o colunista do jornal Página 12 Horacio Verbitsky, próximo da ex-presidente.
Questionado se a eleição legislativa poderia ser uma plataforma para Cristina retornar à Presidência, ele respondeu que na Argentina esta previsão é impossível de ser feita.
"Falar agora em 2019 é falar em ciência e ficção. Mas, dos presidentes eleitos na Argentina desde o retorno da democracia, em 1983, somente dois tiveram chances eleitorais dois anos depois de assumirem, Carlos Menem e Cristina, que foram reeleitos", disse Verbitsky.
Desaparecimento de jovem ativista
O jornalista é presidente da ONG Centro de Estudos Legais e Sociais (CELS), que lidera uma das campanhas para saber o paradeiro do jovem Santiago Maldonado, sobre quem não se tem notícias desde o início de agosto, quando ele participou de um protesto com índios mapuches. Opositores apontaram para autoridades do governo Macri, como a ministra de Segurança, Patricia Bullrich.
Ela negou, porém, qualquer responsabilidade no caso - que incluiu operações especiais de policiais a cavalo, em helicóptero e com cães para tentar localizar o rapaz na província de Chubut, na Patagônia, no sul do país.
Muros e paredes de ministérios, colégios e lojas de várias cidades do país foram pintadas com a frase "Donde está Santiago Maldonado?". Protestos massivos também foram realizados em praças públicas, mas o paradeiro do rapaz ainda é desconhecido.
O caso se tornou uma importante bandeira da oposição a Macri, apontam colunistas da imprensa argentina.
Morte de procurador
Já opositores a Cristina costumam citar a misteriosa morte do procurador Alberto Nisman, ocorrida em janeiro de 2015, ainda no governo da ex-presidente.
Nisman investigava o atentado à Associação Mutual Israelense Argentina (Amia) quando apareceu morto no apartamento em que morava, no bairro de Puerto Madero, em Buenos Aires. Ele tinha acusado a ex-presidente de tentar "acobertar" iranianos denunciados pelo atentado a um centro judaico em Buenos Aires, que deixou 86 mortos em 1994. A denúncia continua sendo investigada pela Justiça.
Cristina e o kirchnerismo - corrente do peronismo e força política que surgiu com a posse do ex-presidente Néstor Kirchner em 2003 - "geram qualquer sentimento menos indiferença", explicou Pablo Knopoff, um dos diretores da consultoria política Isonomia, de Buenos Aires.
Opinião similar expressou a analista política Mariel Fornoni, da consultoria política Management & FIT, durante recente entrevista aos correspondentes estrangeiros na capital argentina.
"Depois que ficou viúva, Cristina passou a apelar à emoção dos seus eleitores. E, para aqueles que são fiéis a ela, a ex-presidente é uma espécie de pastora, quase uma santa. As denúncias não mudam a imagem que têm dela", disse Fornoni.
Para os dois analistas, porém, Cristina tem um teto eleitoral que não superaria o índice que registrou nas primárias, realizadas em agosto.
"Cristina tem alto índice de rejeição popular e está em um labirinto. Se mudar seu estilo, corre o risco de perder o apoio de seus eleitores fiéis", disse Pablo Knopoff.
Macrismo
Na sua opinião, para ampliar sua força eleitoral, Cristina também precisaria "fazer ponte" com o peronismo - o movimento político fundado pelo ex-presidente Juan Domingo Perón nos anos 1940 e 1950 e que mantém influência em setores políticos e do eleitorado - mas que, fragmentado, poderia registrar uma das suas piores eleições neste domingo, segundo previsões dos especialistas, que apontam ainda o provável crescimento do macrismo no país.
Nas primárias, o macrismo contou com mais votos que o esperado em termos nacionais e, segundo pesquisas, repetiria ou ampliaria o resultado neste domingo.
"Se os candidatos macristas vencerem nesta eleição, que será a primeira da sua gestão, os argentinos poderão passar a discutir principalmente as políticas de Macri e não, como é hoje, sobre as políticas dele e de sua antecessora, Cristina Kirchner", disse Knopoff.
País tradicionalmente polarizado, especialmente em tempos eleitorais, a Argentina vive hoje um retrato parecido com o que saiu das urnas em 2015, quando Macri venceu o candidato do governo de Cristina por margem apertada de votos, observou um ex-ministro kirchnerista que pediu anonimato.
"A sociedade argentina está ainda mais polarizada desde a eleição de Macri. E por isso agora não vemos nenhuma surpresa. O que temos é a mesma sociedade dividida daquela eleição presidencial de 2015", afirmou.
Para o ex-ministro, as medidas econômicas de Macri, como o aumento de tarifas dos serviços públicos no ano passado, provocaram "perdas de 3,5 pontos per capita do Produto Interno Bruto (PIB) e neste ano a recuperação vai ser de dois pontos". Ou seja, explicou, a economia argentina já registra recuperação e perspectiva de manter e ampliar o crescimento econômico, mas os argentinos ainda não equilibraram as perdas recentes.
As pesquisas de opinião indicam que Macri teria entre 40% e 60% de apoio popular e os que o apoiam atribuem a Cristina "a herança pesada" que ele recebeu ao chegar à Presidência. "La 'grieta' (a polarização) mostra duas populações diferentes. Um conjunto de argentinos que acha que Cristina deixou uma bomba e a outra metade que acha que Macri vai explodir a Argentina", disse o analista de Isonomia.
O especialista em América Latina Enzo Girardi, da Universidade San Martin (UNSAM), de Buenos Aires, acha que muitos recordam que viviam melhor quando Cristina era presidente, mas que esta situação poderia mudar com as melhores perspectivas econômicas.
"Cristina soube construir liderança entre os mais carentes. Ela fez um governo com políticas sociais que beneficiaram esste setor social. E além disso, soube passar para os jovens, principalmente os mais carentes, uma nova forma de interpretar e participar da política e essa fidelidade é mantida, apesar da agressividade das denúncias contra ela", disse Girardi.
Na sua opinião, o governo Macri, por sua vez, busca polarizar com a imagem de Cristina. "É como um espelho. O macrismo se mostra como o lado moderno que a Argentina precisa. E aponta Cristina como vinculada ao passado e às denúncias. É verdade que o ajuste econômico aplicado por Macri acabou prejudicando a imagem do governo, mas agora a economia começa a dar sinais de melhoras e isto pode favorecê-lo junto ao eleitorado".
Para o professor, assim como para Verbitsky, a eleição presidencial de 2019 está longe, e ele ressalva que até lá devem surgir outros nomes, de políticos mais jovens, dentro do próprio peronismo para entrar na disputa eleitoral.
A candidatura e a possível eleição de Cristina não param de gerar polêmicas. A deputada Elisa Carrió, da base aliada de Macri, disse que tentará evitar que Cristina mantenha foro privilegiado e que responda pelas denúncias de corrupção e pelas acusações no caso Amia.
A ex-presidente, por sua vez, intensifica suas críticas ao governo Macri na reta final da campanha. Nesta segunda-feira, diante de uma multidão que lotou o estádio do clube de futebol Racing para ouvi-la, Cristina voltou a chamar o presidente de "aquele que governa para os ricos e é leal aos grupos econômicos".