'Eleições na Venezuela não são justas ou limpas, mas vamos ganhar': o que pensa candidato que desafia Maduro

Em entrevista à BBC, Edmundo González Urrutia fala dos seus planos para dar fim ao chavismo, após 25 anos no poder.

15 jun 2024 - 15h10
O candidato de oposição à presidência da Venezuela Edmundo González Urrutia, em evento em Caracas, no dia 11 de junho de 2024
O candidato de oposição à presidência da Venezuela Edmundo González Urrutia, em evento em Caracas, no dia 11 de junho de 2024
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Aos 74 anos de idade, Edmundo González Urrutia nunca teve aspirações políticas.

Apenas três meses atrás, a vida deste diplomata aposentado consistia em assistir a conferências, escrever esporadicamente artigos científicos e dedicar tempo à sua família e aos seus quatro netos. Mas, no final de abril, sua vida sofreu uma reviravolta.

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À medida que se aproximavam as eleições presidenciais venezuelanas de 28 de julho, a oposição ficava sem opções para enfrentar o atual presidente, Nicolás Maduro.

Maria Corina Machado era a candidata escolhida nas eleições primárias realizadas em outubro do ano passado pela coalizão de oposição do país, a Plataforma Unitária Democrática (PUD). Mas ela foi impedida de disputar a presidência, assim como Corina Yoris, sua substituta.

González Urrutia relembra que, quando propuseram que ele fosse o candidato da PUD, considerou a escolha uma honra, que passou a ser um "compromisso pessoal com os venezuelanos".

Em sua extensa carreira diplomática, ele se notabilizou como embaixador venezuelano na Argélia, entre 1991 e 1993, e na Argentina, entre 1998 e 2002, durante os governos de Rafael Caldera (1994-1999) e nos primeiros anos de Hugo Chávez (1999-2013).

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Hoje, ele pretende pôr fim ao chavismo, após 25 anos no poder. E muitos venezuelanos depositaram nele suas esperanças de mudança, depois de anos de desencanto com a oposição.

Por outro lado, o governo critica González e o associa a uma "oposição apátrida" que reivindicou sanções que prejudicaram a economia do país.

"A oposição, agora, quer vendê-lo como um pobre velhinho, mas este senhor [González] é perverso (...). Este senhor faz parte de um plano perverso para continuar prejudicando o nosso povo", afirmou o dirigente chavista Diosdado Cabello, forte crítico de seus opositores.

Em entrevista à BBC News Mundo (o serviço em espanhol da BBC), González explica como pretende conquistar o voto dos próprios chavistas desencantados e como ele planeja ganhar as eleições, embora afirme que as condições não serão justas e irão beneficiar o atual governo.

BBC News Mundo - O sr. deixou de ser um ex-diplomata de baixo perfil para a opinião pública para ser o candidato e a esperança de milhares de opositores venezuelanos. Como o sr. vê esta nova responsabilidade?

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Edmundo González - É uma situação inesperada. Eu nunca pensei que iria estar nesta posição.

Mas, quando me procuraram, tomei [a candidatura] como um compromisso pessoal com a Venezuela, com o sistema de governo e com a democracia. Por isso, aceitei e estou dando o melhor de mim para levar isso adiante.

Muita gente está me ajudando. São muitas as pessoas que acreditam que a solução proposta pela minha candidatura pode ser necessária neste momento.

Podemos ver isso na maioria das pesquisas*. Não tenho os números, mas existe um grande percentual que cresce a cada dia e respalda as opiniões da Plataforma Unitária Democrática.

*A maioria das pesquisas publicadas até agora dão ao candidato de oposição Edmundo González cerca de 50% das intenções de voto, enquanto o atual presidente Nicolás Maduro teria o respaldo de cerca de 23% dos eleitores.

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A líder da oposição, Maria Corina Machado, acompanha Edmundo González Urrutia em um evento com o partido de oposição Primeiro Justiça em Caracas, no dia 31 de maio
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

BBC - A candidata da oposição seria Maria Corina Machado, depois Corina Yoris e agora é o sr. O que acontece se o sr. for impossibilitado ou surgir algum problema com a sua candidatura?

González - Eu acredito que isso não irá acontecer. Se você tivesse me apresentado [esta pergunta] há algumas semanas, talvez eu pudesse ter tido dúvidas. Mas, a esta altura, honestamente, não acredito que venha a ser uma possibilidade.

É claro que nunca se sabe, considerando os recursos que detém o regime. Mas nós confiamos que esta candidatura irá seguir adiante e que irá triunfar.

BBC - Vocês têm um plano B?

González - Nosso plano B é o plano A.

BBC - A própria Machado está percorrendo o país como se o nome dela estivesse na cédula eleitoral. Existe um vínculo, de que votar no sr. é votar nela. O que tem isso de positivo e de negativo?

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González - Ela está percorrendo o país apoiando a minha candidatura.

Ela foi uma das promotoras deste acordo na Plataforma Unitária e, como ela, muitos outros dirigentes da oposição também estão profundamente engajados para respaldar e promover a minha candidatura para estas eleições do dia 28 de julho.

BBC - Duas semanas atrás, o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) revogou o convite feito à União Europeia para enviar observadores para o processo eleitoral. Alguns veem isso como um sinal de que é pouco provável que as eleições sejam justas e competitivas. Como o sr. vê a situação?

González - É um mau sinal do Executivo frente à comunidade internacional.

Os observadores internacionais sempre dão garantias aos governos. E um governo que impede a presença de observadores internacionais fornece um mau sinal, como se quisesse ocultar alguma coisa.

Queremos que o processo seja transparente e que as eleições presidenciais possam ser acompanhadas pela maior parte dos observadores do planeta.

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Mas nós substituímos essa observação internacional por milhares e milhares de venezuelanos, que serão os observadores deste processo. E, com seu voto, irão produzir a vitória à qual nós aspiramos.

BBC - O sr. acredita que esta será uma eleição justa?

González - As eleições na Venezuela não são justas, nem limpas, nem equitativas.

É evidente que não são porque existe um desequilíbrio em relação aos meios de comunicação [e seu controle]. Existe aqui uma evidente desproporção, que não permite à oposição ter e contar com os mesmos recursos de que dispõe o governo.

O governo utiliza todos os meios oficiais para fazer proselitismo e grandes cadeias de televisão do candidato oficial. Nós não temos essa mesma oportunidade e isso, por si só, já demonstra o desequilíbrio.

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BBC - Em 2018, a oposição majoritária convocou a abstenção dos eleitores e não concorreu contra Maduro. Agora, observamos uma unidade seguindo o caminho eleitoral, apesar dos obstáculos, e uma unidade de ação para substituir candidatos. O sr. acredita que a oposição se equivocou seis anos atrás? O que mudou agora, se o cenário aparentemente é o mesmo?

González - Nós estamos olhando para o futuro. Não estamos olhando para trás.

Queremos uma missão que siga para frente e é por isso que estamos empenhados para que todo o processo eleitoral seja equitativo, justo e transparente.

BBC - Qual o sr. considera ter sido o maior erro da oposição nos últimos anos?

González - O chamado para a abstenção talvez não tenha sido a decisão mais prudente naquela época, mas, agora, estamos todos alinhados no caminho eleitoral, que é o que estamos trilhando com força.

BBC - Esta convocação à abstenção e o que aconteceu depois dos protestos de 2017, além da migração e outras frustrações, traz muitas dificuldades para a oposição poder mobilizar as pessoas. Por que os milhões de venezuelanos que estão decepcionados com a oposição venezuelana deveriam confiar no sr.?

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González - Eu quero olhar para frente. Não quero ficar restrito ao passado.

Temos um processo eleitoral chegando. Temos uma unidade que escolheu um candidato por unanimidade. Temos todos os instrumentos dos partidos trabalhando arduamente por essa candidatura.

Por isso, nossa aspiração é ter uma maioria muito significativa e que corresponda aos resultados das últimas pesquisas de opinião, que nos concedem um percentual bastante cômodo para ganhar as eleições em 28 de julho.

BBC - Que chamado faz o sr. aos milhões de venezuelanos decepcionados com a oposição?

González - O que vejo é muito ânimo, muito entusiasmo e muito interesse pelo processo eleitoral.

[Vejo] venezuelanos que estão dispostos a apoiar a candidatura unitária e sair de 25 anos [de chavismo/madurismo], que foram mais que suficientes.

O candidato de oposição à presidência da Venezuela, Edmundo González Urrutia, em discurso durante uma reunião de campanha na sua cidade natal, La Victoria, em 18 de maio
Foto: EPA / BBC News Brasil

BBC - O sr. acabou de dizer que o cenário não é justo. Como vocês pretendem ganhar nas urnas do chavismo, que governa o país desde 1999 e continua recebendo forte apoio de parte da população?

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González - Iremos ganhar do chavismo com uma força majoritária que será expressa nas urnas e o respaldo de milhões de venezuelanos que estão comprometidos com a mudança da Venezuela.

BBC- É possível que, para ganhar, o sr. precise do voto do chavismo desencantado. Como o sr. pretende convencer os venezuelanos que apoiaram Chávez e Maduro durante anos e podem considerar que o sr. e a oposição são uma ameaça?

González - O discurso que mantivemos ao longo destes dias de campanha foi o de um chamado ao reencontro dos venezuelanos, um chamado à unidade nacional, um chamado no qual o adversário é um adversário político e não um inimigo.

Desejamos que os setores que apoiam o governo, que são cada vez menores, atendam ao nosso chamado ao reencontro dos venezuelanos.

Eles são cada vez menores porque muitos deles, agora, estão apoiando nossa candidatura.

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BBC - Ainda está longe, mas o sr. se imagina como presidente? Qual seria sua primeira medida?

González - São tantas as coisas que precisamos enfrentar: a situação econômica, a inflação, os salários, as aposentadorias, a pobreza.

Os últimos números das Nações Unidas indicam que temos 82% da população vivendo na pobreza. Isso representa um grande desafio para o novo governo.

Vamos nos esforçar em um plano econômico que procure recursos internacionais, que gere confiança e atraia investimentos estrangeiros para podermos superar as dificuldades.

BBC - O sr. mencionou diversas prioridades, mas qual seria a prioridade número 1 do governo Edmundo González Urrutia?

González - São muitas, porque existem prioridades econômicas, políticas e sociais.

Precisamos recompor e reinstitucionalizar o país. Queremos devolver aos venezuelanos elementos para que eles se reconciliem com a democracia.

BBC - O sr. defenderia um governo de transição? Ou algum tipo de pacto com o chavismo?

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González - Tudo isso será definido no momento certo. Estamos trabalhando primeiro para ganhar as eleições.

Nosso objetivo é ganhar em 28 de julho e é nisso que estamos concentrados. Depois de ganhar as eleições, veremos como iremos trabalhar nos dias que se seguirem.

BBC - Então, o sr. não descarta um pacto com o chavismo...

González - A palavra "pacto" dá lugar a muitas interpretações. Acredito que precisamos buscar a reconciliação nacional e, se isso incluir setores que atualmente estão ao lado do governo, iremos incluí-los.

BBC - Mesmo que o sr. ganhe, o chavismo não irá desaparecer e, na verdade, ainda teria muito controle sobre o poder, como na Assembleia Nacional. O chavismo também nomeou os membros da Suprema Corte. Como o sr. imagina esta coexistência? O sr. teria medo de não conseguir governar?

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González - Evidentemente, nós analisamos esta situação. Teremos outros poderes do Estado nas mãos da oposição.

Mas confiamos que a magnitude da nossa vitória será tão significativa que abrirá caminho para novas realidades políticas, que incluirão negociações com o governo no sentido mais amplo. Eu não descartaria nem anteciparia nenhum resultado.

BBC - Os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva, do Brasil, e Gustavo Petro, da Colômbia, são próximos de Maduro, mas têm criticado os obstáculos eleitorais e até comemoraram a existência de um candidato único de oposição. Qual é a relação da oposição com eles e por que eles são considerados fundamentais?

González - Nós temos contato contínuo com os governos do Brasil e da Colômbia, por meio dos seus representantes diplomáticos aqui em Caracas e do nosso representante nas mesas de negociações, Gerardo Blyde.

Mantemos diálogo fluido e aberto com os dois governos e isso não vem de agora, mas há vários anos.

BBC - O sr. os considera fundamentais para um futuro governo?

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González - Claro que sim. O Brasil tem um grande peso político no hemisfério, enquanto a Colômbia é um vizinho importante e foi um aliado fundamental da Venezuela em outras oportunidades.

Nossa aspiração é manter com ambos uma relação fluida como a que tivemos no passado.

BBC - A oposição tem a infraestrutura necessária para fiscalizar os resultados de 28 de julho, considerando que o chavismo tem grande experiência e a máquina eleitoral?

González - Temos capacidade e entusiasmo para fazer cumprir os resultados das eleições.

Temos todos os grupos de trabalho entrosados e treinados no controle dos votos e vamos demonstrar isso no dia das eleições.

Já temos boa parte do contingente eleitoral empenhado nas suas tarefas de vigilância do voto e isso é fundamental para garantir os resultados que iremos obter.

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BBC - Em janeiro de 2019, tivemos como líder da oposição um deputado até então desconhecido, que era Juan Guaidó. O sr. receia terminar como ele, alguém que foi exaltado e acabou quase esquecido pela própria oposição?

González - Não gosto de me comparar com outros líderes da oposição. As comparações geralmente acabam sendo pouco simpáticas.

BBC - Mas o sr. não receia terminar como ele?

González - Não. Estou concentrado no meu trabalho. As pesquisas de opinião me colocam muito à frente, com vantagem substancial em relação ao candidato do governo.

Esta ampla margem não nos faz esmorecer, ao contrário, nos impulsiona. Ela nos dá incentivo para continuar por este caminho que está trazendo bons resultados.

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Correligionários de Edmundo González Urrutia assistem a um evento de campanha em Caracas, no dia 11 de junho
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

BBC - Guaidó contou com o apoio dos Estados Unidos, que acaba de reinstaurar as sanções contra o setor de petróleo e gás da Venezuela. O chavismo acusa a oposição de estar por trás das sanções, que prejudicam a economia do país. O sr. apoia as sanções como castigo a um governo que Washington considera autoritário?

González - Em relação ao primeiro ponto, nós contamos com o apoio dos venezuelanos, que é o que nos importa.

O que nos importa essencialmente é o voto dos milhões de venezuelanos que irão apoiar nossa candidatura no dia 28 de julho.

BBC - E, em relação às sanções, o sr. apoia?

González - O tema das sanções será observado e analisado após a nossa vitória em 28 de julho.

As sanções têm um motivo e estão vinculadas a ações do governo e ações individuais de alguns funcionários do governo. As sanções não são contra o país, mas contra indivíduos dentro do governo.

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BBC - Se forem encontradas irregularidades no processo eleitoral, o sr. apoiaria mais sanções?

González - Não. Nós estamos concentrados em ganhar as eleições. Este é o nosso foco de atenção. Estamos dedicando a isso 100% do nosso trabalho até o dia 28 de julho.

BBC - Qual é a estratégia da sua campanha eleitoral, que começou recentemente?

González - O plano é continuar trabalhando na nossa candidatura e levar nossa mensagem para todos os lados, para todos os setores.

Na terça-feira [11/6], tivemos um encontro com cerca de 100 mulheres de diferentes setores de Caracas.

Na mesma semana, tive reuniões com as câmaras de comércio e continuo dando entrevistas para a imprensa. Tenho reuniões com os comandos jovens dos partidos e com os prefeitos da aliança. Enfim, continuamos empenhados neste esforço desde o primeiro dia.

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BBC - Qual o sr. considera que seja o principal objetivo desta campanha?

González - Nosso maior objetivo é convencer os que ainda duvidam que a eleição presidencial de 28 de julho pode nos ajudar a recuperar a institucionalidade democrática e transformar a Venezuela.

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