Em funeral de Soleimani, Irã reforça status de herói e mártir de general morto pelos EUA

General iraniano receberá homenagens no país vizinho e em casa, como parte de um plano para unir iranianos contra ação militar americana.

4 jan 2020 - 11h18
(atualizado às 11h34)

Uma grande multidão está reunida em Bagdá neste sábado (4/1) para a procissão fúnebre do general iraniano Qasem Soleimani, morto na quinta-feira por um ataque aéreo realizado pelos EUA na capital iraquiana.

A procissão marca o início de dias de cerimônias e homenagens planejadas pelo Irã — aonde o corpo de Soleimani deve retornar na noite deste sábado (hora local) para um funeral planejado para terça-feira em sua cidade natal de Kerman, centro do país.

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Soleimani liderou as operações militares iranianas no Oriente Médio como comandante da Força Quds, unidade de elite da Guarda Revolucionária, e era considerado um dos homens mais poderosos do Irã. O país declarou luto de três dias de luto pela morte do general e prometeu vingança contra os EUA.

"A retaliação do Irã é certa, mas ainda não se sabe quando, onde e como. Por enquanto, a prioridade é fortalecer o status de Qasem Soleimani como heróis nacional e assegurar-se de que ele siga sendo tão poderoso na morte quanto era em vida", aponta Lyse Doucet, correspondente-chefe da BBC no Oriente Médio.

Doucet explica que o funeral de Soleimani tem sido cuidadosamente elaborado a começar por Bagdá, onde ele morreu e onde também é considerado herói por parte da população, por apoiar um grupo xiita paramilitar que ajudou a combater o grupo sunita autodenominado Estado Islâmico.

De Bagdá, os restos mortais de Soleimani devem seguir para a cidade sagrada iraniana de Mashhad e para a capital Teerã, onde o líder supremo iraniano, o aiatolá Ali Khamenei, deve comandar orações fúnebres — uma honraria rara no país, o que também sinaliza a força do general.

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"O mais importante agora (para o Irã) é elevar seu martírio. (...) Líderes iranianos esperam que sua morte consiga unir o país", explica Deucet.

Procissão em homenagem a Soleimani levou iraquianos às ruas neste sábado
Procissão em homenagem a Soleimani levou iraquianos às ruas neste sábado
Foto: AFP / BBC News Brasil

Durante os 21 anos em que Soleimani liderou a Força Quds, o Irã apoiou o grupo libanês Hizbollah e outros militantes pró-iranianos no Líbano, além de expandir a presença militar no Iraque e na Síria (onde ajudou a orquestrar a ofensiva do governo sírio contra os rebeldes na atual guerra civil).

Em Bagdá, multidões começaram a se formar nas primeiras horas da manhã, com bandeiras iraquianas e de milícias xiitas locais, cantando "morte à América". A procissão avançou pelas ruas da cidade, e alguns participantes carregavam retratos de Soleimani e do aiatolá do país vizinho, Khamenei.

Ao mesmo tempo, houve também manifestações de celebração pela morte de Soleimani, que era acusado por iraquianos de orquestrar reações violentas contra processos pacíficos pró-democracia nos últimos meses.

Novo ataque aéreo no Iraque

A imprensa estatal iraquiana reportou na sexta-feira que outro ataque aéreo foi realizado no país, 24 horas depois daquele que matou Soleimani. Uma fonte do Exército iraquiano afirmou à agência Reuters que seis pessoas morreram na ação, que alvejou um comboio de uma milícia iraquiana.

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Um porta-voz do Exército americano negou que os EUA estejam por trás do novo ataque.

Ataque contra general iraniano ocorreu na capital do Iraque, Bagdá
Foto: Reuters / BBC News Brasil

"A coalizão (liderada pelo Exército americano) não conduziu ataques aéreos (naquela região) nos últimos dias", declarou, pelo Twitter, o coronel Myles Caggins III.

Os EUA afirmaram, porém, que despacharam mais 3 mil soldados americanos ao Oriente Médio, para ajudar a responder a eventuais contra-ataques ao de Soleimani. A respeito da morte de Soleimani, o presidente Donald Trump, em pronunciamento em seu resort na Flórida na sexta-feira, afirmou que "os militares dos EUA executaram um ataque de precisão impecável que matou o terrorista número um de todo o mundo".

Trump acusou Soleimani de estar "planejando ataques iminentes e sinistros contra diplomatas e militares americanos, mas o pegamos e o eliminamos".

Representantes de seu governo não deram detalhes sobre quais seriam esses planos. Em governos passados, tanto Barack Obama quanto George W. Bush consideraram arriscado demais alvejar o general em ações aéreas.

O Departamento de Estado dos EUA emitiu alerta após o ataque, advertindo que cidadãos americanos deixem o Iraque imediatamente.

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A reação iraniana

Em comunicado após a morte de Soleimani, o aiatolá Khamenei afirmou que "sua partida rumo a Deus não termina seu caminho ou sua missão, mas uma vingança espera os criminosos que têm nas mãos seu sangue e o sangue de outros mártires".

A agência iraniana Tasnim afirmou que líderes da Guarda Revolucionária do país prometeram "punir americanos onde quer que estejam sob o alcance da República Islâmica" e que 35 alvos americanos e israelenses já foram identificados. Também prometeram ataques no Estreito de Hormuz, por onde passa grande quantidade do petróleo do comércio global.

As históricas tensões entre EUA e Irã sofreram uma rápida escalada na semana passada, depois de os EUA realizarem ataques aéreos no Iraque e na Síria alvejando milícias apoiadas pelo Irã, as quais os EUA culpam pela ação que resultou na morte de um civil americano recentemente. Em resposta, milícias pró-Irã invadiram a embaixada americana em Bagdá.

Em uma carta ao Conselho de Segurança da ONU, em reação ao ataque contra Soleimani, o embaixador do Irã na ONU, Majid Takht Ravanchi, disse que Teerã tem direito à autodefesa sob a lei internacional.

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Analistas apontam que o Irã pode responder com ciberataques contra os EUA, além de avançar contra alvos militares ou interesses americanos no Oriente Médio.

E como fica o Iraque?

Solemani era uma das figuras mais importantes do regime iraniano
Foto: AFP/Getty / BBC News Brasil

O premiê iraquiano, Adel Abdul Mahdi, classificou o ataque de quinta-feira de uma "descarada violação da soberania" do país e um "ataque evidente contra a dignidade da nação".

O Parlamento iraquiano agendou uma reunião emergencial neste domingo.

O Irã já patrocina diversas milícias xiitas no vizinho Iraque. Soleimani, por sinal, estava em Bagdá em um comboio com uma dessas milícias quando foi morto.

Agora, o Iraque está na difícil posição de aliado tanto dos EUA quanto do Irã (ambos os países são de maioria xiita, ao contrário da maior parte do Oriente Médio, de maioria sunita). Milhares de soldados americanos permanecem no país para ajudar no combate ao Estado Islâmico, mas agora o governo iraquiano afirma que os EUA ultrapassaram os limites de seu acordo com o país.

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"Todos estão advertindo a respeito da reação iraniana, mas e quanto ao Iraque? Os EUA conduziram um ataque em sua capital, em seu aeroporto nacional, matando diversos iraquianos proeminentes além de um visitante oficial do Irã (em referência a Soleimani)", lembra, via Twitter, o diplomata americano James Dobbins, analista da Rand Corporation, organização de consultoria em política externa nos EUA.

"É difícil acreditar que o governo iraquiano continuará a dar boas-vindas a tropas americanas e conceder-lhes imunidade. Mesmo que o Irã não faça nada, esse ataque pode lhes entregar um contrabalanceamento da influência americana (no Iraque)."

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