Depois de culpar repetidas vezes a Organização Mundial da Saúde (OMS) pelos maus resultados causados pela pandemia de coronavírus no mundo, de suspender o repasse de verbas para a organização e de ameaçar deixar seu assento no órgão, o presidente dos Estados Unidos Donald Trump formalizou o início do rompimento com a OMS nesta terça-feira, dia 7.
Em uma carta enviada a António Guterres, secretário-geral da ONU, a administração Trump informa que o país quer dar início formal ao processo de retirada da OMS, braço das Nações Unidas para a saúde.
Ao fazer o movimento, Trump notificou o Congresso, que precisará dar sua anuência nas diversas fases de desligamento entre o país e a organização multilateral. Uma resolução aprovada pelos congressistas americanos em 1948 permite a retirada dos Estados Unidos da OMS, mas determina que o procedimento deverá levar pelo menos um ano. Os americanos também terão que pagar uma série de taxas pela renúncia à posição, que só aconteceria definitivamente em julho de 2021.
Disputa com a China
Os Estados Unidos são hoje o maior financiador da OMS, responsáveis por cerca de 15% de todo o orçamento anual do órgão. Apenas em 2019, o governo americano repassou US$ 400 milhões ao órgão.
No entanto, desde março, o presidente americano passou a atacar a OMS e suas ações para combater a epidemia. Trump acusa a instituição de ter acobertado a falta de transparência dos chineses em relação ao vírus, o que teria levado ao espalhamento planetário do SARS-CoV2.
A China se tornou nos últimos anos o principal adversário dos americanos na arena internacional. Para Trump, ao atirar na OMS, ele acerta a China e, com isso, pode ganhar pontos com seu eleitorado conservador, pouco simpático aos chineses.
Além disso, a quatro meses de enfrentar as urnas para tentar se reeleger, Trump tem repetido que fez o melhor que podia para conter a epidemia no país e que, se os resultados não foram ideais, isso aconteceu por uma falha da OMS em orientar os países.
"Bater na OMS como cúmplice da China traz poucos riscos para os interesses americanos e pode ser decisivo para alguns eleitores na campanha de Trump", explica Michael Cornfield, analista político da Universidade George Washington.
O governo americano já afirmou que propôs reformas do órgão, condição para que o país se mantivesse entre os quadros. Sem uma resposta positiva da organização, no fim de maio, Trump afirmou "nós vamos romper nossa relação com a OMS e direcionar os fundos" para organizações de caridade sanitária internacional.
Futuro incerto
O descontentamento do governo Trump com organismos multilaterais não é uma novidade e tem crescido conforme aumenta o peso e a presença da China nesses fóruns. Para alguns analistas, no entanto, ao se retirar da discussão no escopo da OMS, os americanos deixam o caminho livre para que a China ocupe esse vazio de poder.
China e Estados Unidos se engajaram em uma disputa para, em meio a epidemia, determinar quem espalha mais recursos e ajuda globalmente, em uma diplomacia de luvas e máscaras que tenta garantir áreas de influência.
O líder democrata da Comissão de Relações Internacionais, senador Robert Menendez, não poupou críticas diante do anúncio de retirada dos Estados Unidos da OMS em meio ao novo pico de casos de coronavírus pelo país nas últimas duas semanas. Até agora, os americanos já perderam mais de 130 mil pessoas para a doença e se tornaram a nação com maior número absoluto de vítimas fatais e casos.
"O Congresso recebeu a notificação de que o presidente oficialmente retirou os Estados Unidos da OMS, em meio a uma pandemia. Chamar a resposta de Trump ao coronavírus de caótica e incoerente seria pouco. Isso não vai proteger nem as vidas nem os interesses americanos, vai apenas deixar os americanos doentes e sozinhos".
Embora tenha sido formalmente iniciada, a saída dos Estados Unidos da OMS não necessariamente vai se concretizar. Caso o democrata Joe Biden vença as eleições presidenciais em novembro e assuma o controle do país no ano que vem, o processo deve ser revertido. Biden já afirmou ao longo da campanha que pretende fortalecer a presença americana em organismos multilaterais como a OMS.