Em Nova York para discursar na abertura da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), no qual deve conclamar os líderes globais a atuar com urgência para combater o aquecimento global, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se reuniu na segunda-feira (23/9), com o presidente global da companhia petrolífera multinacional britânica Shell, Wael Sawan, e o presidente da Shell Brasil, Cristiano Pinto.
No encontro, que durou cerca de uma hora e aconteceu na residência do Representante Permanente do Brasil na ONU, onde Lula está hospedado, estavam presentes também o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), o chanceler Mauro Vieira, o embaixador do Brasil na ONU, Sérgio Danese, o assessor-chefe da Assessoria do Presidente da República Celso Amorim e o assessor adjunto da Presidência Audo Faleiro.
A reunião começou às 11h da manhã no horário local (12h de Brasília), e não havia sido incluída na agenda do presidente distribuída à imprensa.
Questionados pela BBC News Brasil, ao menos três assessores da Presidência disseram ter sido instruídos a não divulgar a reunião, confirmada depois pela Fazenda.
A Shell confirmou à BBC News Brasil o encontro e disse que a reunião foi realizada a pedido da empresa como parte da agenda de visita do presidente global da companha ao Brasil esta semana.
O encontro foi realizado em Nova Iorque "por uma questão de logística e disponibilidade de calendário de ambos os líderes", disse a Shell.
"A conversa passou por tópicos de relevância do setor de energia no Brasil e foi também uma oportunidade de apresentar ao presidente o estudo de cenários de transição energética elaborado pela companhia com foco no país."
Um dos principais interesses da Shell no Brasil é a exploração da margem equatorial, uma região de costa marítima entre o Rio Grande do Norte e o Amapá, considerada uma das últimas fronteiras petrolíferas não exploradas no país.
O presidente da Shell Brasil, Cristiano Pinto, porém, já comentou publicamente sobre o assunto.
Na área, há cinco bacias sedimentares: Potiguar, Ceará, Barreirinhas, Pará-Maranhão e Foz do Amazonas.
A Shell tem blocos exploratórios nas bacias sedimentares Potiguar e Barreirinhas.
Exploração da foz do Amazonas divide governo
O tema gera controvérsia no governo Lula: parte da gestão considera fundamental investir na exploração dos combustíveis fósseis para gerar riqueza e crescimento econômico para o país.
O plano, porém, vai na contramão de promessas do governo em relação ao combate a mudanças climáticas. A queima de combustíveis fósseis é uma das principais fontes dos gases que provocam o aquecimento global.
Além disso, a equipe de licenciamento ambiental do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), ligado ao Ministério do Meio Ambiente, de Marina Silva (Rede), emitiu um parecer contrário à perfuração de poços exploratórios na região.
Confrontada com o tema, Marina tem reforçado que o assunto será analisado de forma técnica, refutando que o órgão esteja atuando ideologicamente na questão.
O Brasil ainda não definiu se irá permitir a exploração ou não da margem equatorial.
Ambientalistas apontam ser contraditório que o governo aponte a conservação ambiental é uma prioridade ao mesmo tempo em que aprofunda a exploração de petróleo.
A produção da Petrobras, de quem o governo é sócio-majoritário, aumenta anualmente sua produção, que deve chegar ao ápice apenas em 2030. Ainda assim, o Brasil não responde nem por 5% da produção mundial.
Por outro lado, economistas avaliam que o Brasil é um país emergente que não pode de se furtar de obter receitas com o petróleo, ainda mais considerando que países como Estados Unidos e nações europeias não têm diminuído seu consumo de combustíveis fósseis a ponto de atingir suas metas de redução de emissão de carbono nem se disposto a efetivamente remunerar o Brasil e outros emergentes para que o façam.
O que Lula dirá em seu discurso na ONU
Lula discursará na ONU no momento em que o país enfrenta os maiores incêndios em 20 anos na Amazônia quanto no Pantanal, segundo o Serviço de Monitoramento da Atmosfera Copernicus, da União Europeia.
Em que pese a responsabilidade do governo, que, como admitiu o próprio Lula, não estava "100% preparado" para lidar com a situação, o presidente brasileiro deve responsabilizar a associação de fenômenos como El Niño e comportamentos humanos criminosos e predatórios em relação ao meio ambiente pelas cenas de destruição.
No púlpito da ONU, Lula dirá que os países não estão fazendo o suficiente para reduzir essas emissões a ponto de evitar o colapso do país.
O país aposta na questão ambiental para projetar liderança global. No ano que vem, realizará a COP-30, em Belém.
No domingo (22/9), Lula fez um discurso na Cúpula do Futuro, um evento da ONU.
Ele criticou a falta de ação internacional para cumprir as metas de desenvolvimento sustentável — que, segundo Lula, "foram o maior empreendimento diplomático dos últimos anos, e caminham para se tornar o nosso maior fracasso coletivo".
Solidariedade com o Haiti
Lula também se encontrou mais cedo com o primeiro-ministro do Haiti, Garry Conille.
Na saída, o presidente brasileiro afirmou à imprensa que vê uma 'falta de solidariedade internacional' com o país centro-americano.
"Nós temos que assumir responsabilidade — não o Brasil, [mas] o mundo, com o Haiti", afirmou. "Não é possível. O país se deteriorando e a solidariedade internacional, zero."
Lula pretendia participar de um evento da Clinton Foundation, sobre mudanças climáticas, confirmado há vários dias em sua agenda.
Mas, como o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, compareceu de surpresa ao evento, o serviço secreto alterou o protocolo de segurança, de modo a torná-lo mais rígido.
Isso impediu a entrada da equipe de Lula ao evento conforme o planejado. Como seu time foi barrado, Lula optou por deixar o evento.
Agências de rating
Mais cedo, Lula também teve reuniões com as duas principais agências de classificação de risco, a Standard & Poor's e Moody's Rating, em Nova York.
O país tenta retomar o grau de investimento — que funciona como um atestado de que um país não corre risco de dar calote na dívida pública — e apresentou os resultados do esforço fiscal que tem tentado fazer.
"Ele [o presidente] quis conversar um pouco com as agências de risco para entender a opinião que eles estão tendo das políticas implementadas no Brasil, do esforço que nós estamos fazendo depois de dez anos aí de rebaixamento em que as contas públicas ficaram muito desorganizadas", disse Haddad, em coletiva à imprensa em Nova York.
A Standard & Poor's foi representada pelo chefe de Serviços, Yann Pallec, e a Moody's pelo seu presidente, Michael West.
As duas reuniões não constavam na agenda divulgada à imprensa ontem, mas foram incluídas assim que terminaram, o que não ocorreu no caso da Shell.
De acordo com o ministro da Fazenda, a equipe econômica projeta a elevação da nota do Brasil em 2025, mas não o suficiente para a retomada do grau de investimento.
Lula espera obter o grau até 2026. Com o aumento previsto para 2025, o país estaria a apenas um passo disso.
"Antes de vir para Nova York, o presidente me perguntou o cronograma do Ministério da Fazenda para a reobtenção do grau de investimento. Quais eram as perspectivas porque o Brasil já teve grau de investimento justamente no 2º governo do presidente Lula", afirmou Haddad.
"Eu disse para ele que nós aguardávamos uma nova rodada de aumento da nota para o ano que vem. Na nossa opinião, evidentemente. Cabe às agências de risco definir, mas os prognósticos da equipe técnica da Fazenda são muito bons."