Considerada "zona vermelha" pelo governo da Itália, a região da Calábria, no extremo-sul do país, está sem responsável pela Secretaria de Saúde pela terceira vez em apenas 10 dias.
Relativamente poupada na primeira fase da pandemia do coronavírus Sars-CoV-2, essa região de quase 2 milhões de habitantes - o "bico da bota" no mapa italiano - está com seu sistema sanitário à deriva enquanto enfrenta a segunda onda da crise.
Nomeado na última segunda-feira (16) como comissário de Saúde na Calábria, Eugenio Gaudio renunciou ao cargo nesta terça (17), alegando "motivos pessoais". "Minha esposa não tem intenção de se mudar para Catanzaro [capital da região]. Um trabalho do tipo deve ser enfrentado com máximo empenho, e eu não tenho intenção de abrir uma crise familiar", justificou.
Antes de Gaudio, dois comissários já haviam renunciado ao cargo apenas neste mês. O primeiro, Saverio Cotticelli, entregou sua demissão em 7 de novembro, após ter revelado a uma emissora de TV que não sabia que era sua função preparar um plano regional para conter a pandemia.
Cotticelli, um ex-policial aposentado, havia sido nomeado como interventor no setor sanitário da Calábria pelo primeiro governo do premiê Giuseppe Conte, em janeiro de 2019, e foi substituído por Giuseppe Zuccatelli, que entregaria o cargo na última segunda-feira.
Zuccatelli disse ter se demitido a pedido do ministro da Saúde, Roberto Speranza, e sua decisão foi anunciada após a divulgação de um vídeo no qual ele afirma que as máscaras de proteção "não servem para merda nenhuma".
Intervenção de Roma
A Secretaria de Saúde da Calábria está sob intervenção do governo italiano desde 2009, devido a um enorme endividamento e a infiltrações da criminalidade organizada - a região é berço da 'ndrangheta, poderosa máfia que tem ramificações no mundo inteiro, inclusive no Brasil.
Ao longo da última década, a Calábria conseguiu reduzir a dívida, mas desmantelou parte de seu sistema sanitário, o que fez a gestão Conte classificá-la como "zona vermelha" na pandemia, apesar de ter números muito menores que outras regiões colocadas nesse regime, como Lombardia, Piemonte e Campânia.
As áreas vermelhas têm regras semelhantes às do lockdown vigente entre março e maio, como proibição de sair de casa a não ser por motivos de trabalho, saúde ou urgentes e fechamento do comércio não essencial.
A Calábria registrou 680 casos do Sars-CoV-2 nesta terça-feira, com 35 contágios para cada 100 mil habitantes, apenas o 16º maior índice entre as 20 regiões da Itália, porém o "bico da bota" sofre com poucos leitos de UTI (239) e escassez de operadores sanitários e laboratórios de testagem.
A região também vive um período de transição política, após a morte da governadora Jole Santelli, que tinha 51 anos e lutava contra um câncer, em 15 de outubro. Ela foi substituída interinamente por Antonino Spirlì até a realização de novas eleições, ainda sem data definida.
Em mensagem publicada no Facebook nesta terça, o novo governador cobrou o fim da intervenção de Roma na Secretaria de Saúde calabresa e a renúncia do ministro Speranza. "Ele é uma pessoa agradabilíssima, mas está demonstrando uma embaraçosa incapacidade de gerir a chamada 'operação Calábria'", disse Spirlì.
Até o momento, a região soma 11.070 casos do Sars-CoV-2 e 187 mortes, enquanto a Itália inteira tem 1,24 milhão de contágios e 46.464 óbitos.