A diretora para Turquia do think tank americano Middle East Institute, Gonul Tol está convencida de que a prisão do prefeito de Istambul na semana passada representou muito mais do que uma mudança para a cidade. Na opinião dela, foi um "ponto de virada" em todo o sistema político da Turquia.
Tol diz que a prisão se deve à determinação de Recep Tayyip Erdogan em permanecer no poder — posição que ele ocupa há 22 anos, primeiro como primeiro-ministro e agora como presidente.
Erdogan "está tentando transformar o país em uma autocracia ao estilo russo, onde ele pode escolher seus próprios oponentes e não há surpresas nas urnas", disse Tol em entrevista à BBC News Mundo (serviço de notícias em espanhol da BBC).
Ela afirma que o prefeito detido, Ekrem Imamoglu, de 54 anos, é uma ameaça política para Erdogan, pois seria um provável candidato presidencial da oposição, capaz de atrair votos de diferentes segmentos da sociedade turca.
A especialista acredita que a única saída para o principal partido de oposição da Turquia em sua batalha contra Erdogan é manter os protestos de rua contra a prisão de Imamoglu, mesmo prevendo um aumento na repressão.
Confira trechos de uma conversa por telefone com a pesquisadora e autora.
BBC: Que significado político a prisão do prefeito de Istambul, Ekrem Imamoglu, tem para a Turquia?
Gonul Tol: Este é um ponto de virada no regime político da Turquia. Ao prender seu rival mais importante, o presidente Erdogan está nos dizendo que quer transformar o regime autoritário competitivo da Turquia em uma autocracia absoluta ao estilo russo.
Erdogan tomou muitas medidas para minar a democracia da Turquia. No entanto, cientistas políticos têm consistentemente descrito a Turquia como um regime autoritário competitivo nos últimos anos, porque há um certo grau de competição: há eleições, partidos políticos que não são clandestinos e, de tempos em tempos, aqueles que estão no poder podem perder eleições.
Vimos isso em 2024, quando a Turquia realizou eleições municipais e o principal partido da oposição venceu todas as cidades. Isso foi um duro golpe para o governo de Erdogan. Então a urna ainda é importante na Turquia.
Hoje, as pessoas, e os jovens em particular, estão indo às ruas para manter seu direito de voto. Mas Erdogan está tentando tirar isso deles com essa atitude. Ele está tentando transformar o país em uma autocracia ao estilo russo, onde ele pode escolher seus próprios oponentes e não há surpresas nas urnas.
BBC: Como você avalia as acusações de corrupção e terrorismo contra Imamoglu, que ele rejeita?
Tol: É claro que elas são motivadas politicamente. Seus advogados dizem que isso não tem base legal. E grandes setores do país acreditam que há uma motivação política: Erdogan está tentando derrubar seu oponente mais popular em um momento em que ele está perdendo terreno nas pesquisas, a economia turca está em dificuldades e ele enfrenta eleições em 2028.
BBC: Erdogan nega qualquer motivação política por trás dessas acusações. Por que você e tantos outros estão convencidos de que essa alegação dele é falsa?
Tol: Os advogados de Imamoglu dizem que tiveram acesso negado ao arquivo do caso, o que é um direito legal, e que a acusação é baseada em testemunhas secretas, o que se tornou uma ferramenta de Erdogan para reprimir seus oponentes.
Não existe mais um Estado de direito na Turquia. Os tribunais são altamente politizados; Erdogan tem controle total sobre eles. Alguém pode ir para a cadeia só por curtir algo no X.
Como é possível que esses processos judiciais sejam sempre contra partidos da oposição, enquanto os tribunais nunca movem um dedo quando se trata de ilegalidades cometidas por pessoas próximas a Erdogan ou ao partido no poder, o AKP?
O ponto principal é que Erdogan minou o Estado de direito por muitos anos.
O ponto de virada veio em 2016, após o golpe fracassado contra ele, quando ele reestruturou os tribunais e os encheu de legalistas que basicamente aprovam automaticamente qualquer decisão que ele tome.
BBC: Como você definiria Imamoglu e o desafio que ele representa para Erdogan?
Tol: Ele é uma figura política muito popular. Ela atrai não apenas pessoas do principal partido de oposição, mas um grupo muito mais amplo: de conservadores a nacionalistas, de turcos a curdos. Isso representa um perigo para Erdogan.
Tal qual Erdogan, ele é alguém que consegue cultivar um relacionamento especial com os eleitores. Ele é jovem e carismático. Tudo isso faz dele um rival formidável para Erdogan. Nas pesquisas, Imamoglu está à frente de Erdogan.
BBC: Imamoglu está permanentemente fora da corrida presidencial?
Tol: Sim, pouco antes de sua prisão, revogaram seu diploma, necessário para concorrer à presidência. Acho que Erdogan o manterá na prisão pelos próximos anos.
Mas é claro que há algo incerto que devemos considerar: o que acontecerá com os protestos? Se continuarem por meses e causarem danos significativos à economia, os protestos poderão forçar um recuo de Erdogan.
No entanto, neste momento não vejo nenhum desses sinais. Acredito que Erdogan será mais agressivo nos próximos dias para garantir que os protestos sejam reprimidos e que Imamoglu permaneça na prisão.
BBC: Quais são as chances da oposição turca nas próximas eleições depois disso?
Tol: Bom, é difícil, não é? Eles estão pedindo eleições antecipadas porque não querem esperar até 2028: se conseguirem que as pessoas votem agora, há uma boa chance de Erdogan perder.
Mas a única arma que o principal partido da oposição tem são os protestos. Eles não podem lutar contra Erdogan nos tribunais que ele controla. Portanto, é essencial que a oposição mantenha os protestos.
BBC: Em que Erdogan e Putin são parecidos ou diferentes?
Tol: Ambos querem permanecer no poder pelo resto da vida. Nenhum deles vive em uma democracia. Eles veem a democracia como um domínio exercido pela maioria.
Eles certamente não são liberais. Ambos defendem valores conservadores. E eles sentem nostalgia da história de seu país: Erdogan acha que o colapso do Império Otomano foi uma tragédia, e Putin acha que o colapso da União Soviética foi uma tragédia.
Então eles são semelhantes em muitos aspectos.
Mas a Turquia e a Rússia não são a mesma coisa. A Rússia tem vastos recursos energéticos, o que a ajuda a se manter economicamente ativa, enquanto a Turquia depende muito de outros países para manter sua economia ativa.
BBC: E como você definiria o relacionamento da Turquia com os EUA agora sob o comando do presidente Donald Trump, que elogiou Erdogan como um "bom líder"?
Tol: O Ministro das Relações Exteriores da Turquia está em Washington agora (nesta quarta-feira). Ambos os lados veem esse relacionamento como muito positivo. Eles esperam resolver questões bilaterais. Trump vê Erdogan como um líder forte com quem ele pode fazer negócios. E Erdogan vê Trump como um presidente americano mais disposto a se encontrar com ele do que [Joe] Biden.