Governo apresenta projeto de lei que prevê afastamento do trabalho a quem tem dores durante a menstruação, medida inédita na Europa. Texto também permite aborto a gestantes de 16 e 17 anos sem consentimento dos pais.O governo da Espanha aprovou nesta terça-feira (17/05) um projeto de lei que prevê uma série de direitos reprodutivos e sexuais, incluindo a flexibilização do acesso ao aborto no país e uma licença médica remunerada a quem sofre dores durante a menstruação.
Se a lei for aprovada pelo Parlamento, a Espanha se tornará o primeiro país da Europa e um dos poucos do mundo - como Japão, Indonésia e Zâmbia - a inserir tal licença menstrual.
Mulheres e outras pessoas que menstruam terão o direito de ficar em casa enquanto as dores durarem, mas um atestado médico será necessário para obter a licença. Segundo o governo, os custos estimados em 23,8 milhões de euros por ano serão financiados pelo Estado.
"Somos o primeiro país da Europa a regular pela primeira vez uma licença temporária paga integralmente pelo Estado para menstruações dolorosas e incapacitantes", afirmou a ministra espanhola da Igualdade, Irene Montero, em coletiva de imprensa.
"Estamos fazendo uma lei que garantirá que as mulheres possam viver melhor", continuou a ministra. "A menstruação deixará de ser um tabu. [...] É o fim de ir ao trabalho com dor, de 'se entupir' de remédios para ir trabalhar."
Em países como França, Reino Unido e Estados Unidos, algumas empresas já concedem essa licença menstrual a funcionários, mas a medida não está integrada na legislação do país.
Montero - do partido Podemos, que faz parte da coalizão de governo de esquerda da Espanha liderada pelo Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) - é uma das principais forças por trás do projeto de lei.
"Estamos avançando no feminismo. As mulheres devem poder decidir livremente sobre suas vidas", comemorou o chefe de governo espanhol, Pedro Sánchez, no Twitter.
O que mais contempla o projeto de lei?
O texto também pretende fortalecer o acesso ao aborto nos hospitais públicos, onde se realizam apenas menos de 15% dos abortos do país devido a uma massiva objeção dos médicos contrários à prática. Um princípio conhecido como objeção de consciência permite que profissionais de saúde se recusem a realizar abortos, mas o novo projeto de lei estabelece que as clínicas públicas deverão sempre fornecer um especialista disposto.
Além disso, o projeto visa permitir que menores de idade de 16 e 17 anos interrompam a gravidez sem necessidade de consentimento dos pais - alterando assim uma disposição introduzida em 2015 pelo então governo de direita.
Gestantes com 16 anos ou mais podem abortar sem o consentimento dos pais na maioria dos países da União Europeia. Já na Bélgica, França, Eslovênia, Suécia e Irlanda, o aborto voluntário é permitido independentemente da idade.
Na Espanha, o aborto foi descriminalizado em 1985 e depois legalizado em 2010, permitindo assim a interrupção de gestações indesejadas durante as primeiras 14 semanas, ou até 22 semanas em casos de anomalias fetais graves. Mas esse ainda continua sendo um direito difícil de aplicar num país de forte tradição católica, onde os movimentos antiaborto são muito ativos.
O texto aprovado pelo governo também prevê um reforço da educação sexual nas escolas, bem como a distribuição gratuita da chamada "pílula do dia seguinte" nos centros de saúde e de contraceptivos em escolas de ensino médio.
A ministra da Igualdade pretendia incluir ainda a redução do imposto sobre os produtos de higiene menstrual, de 10% para 4%, mas essa medida acabou ficando de fora do texto.
O projeto de lei, que gerou intenso debate nos últimos dias, incluindo entre membros do próprio Executivo espanhol, precisa ainda ser aprovado pelo Parlamento nacional - onde o governo é minoria - para entrar em vigor.
A Espanha é considerada um dos países pioneiros na Europa em termos de feminismo, desde a adoção em 2004 de uma lei sobre violência de gênero. O governo progressista de Sánchez tem mais mulheres (14) do que homens (9, incluindo o próprio chefe de governo).
ek (AFP, Reuters, Efe, Lusa, DPA)